O "Caffé-Concerto" foi inaugurado em 26 de Dezembro de 1857, no Largo da Abegoaria (actual Largo Rafael Bordallo Pinheiro), ao Chiado, em Lisboa.
"Caffé Concerto" e "Casino Lisbonense" funcionaram no edifício à direita de 2 pisos, junto ao cavalheiro e criança
No dia 20 de Dezembro de 1857 o jornal "A Revolução de Setembro", fazia uma primeira apresentação do "Caffé-Concerto":
O tecto do salão é de uma belleza extraordinaria, mas como o todo de que faz parte, leve, e sem adornos pesados. No comptoir encontra-se uma elegante mesa cuberta de marmore, em que o capricho artistico parece folgar. Aos lados magnificos divans e cadeiras estofadas de um lindo velludo roxo fazem sobresair o gosto e riqueza do papel que forra as paredes, que é de uma côr de damasco que illude a vista, sobre que parece existem em relevo lindos arabescos dourados. A mobilia de todas as salas é sumptuaria, e de sala para sala se surprehende o visitante. Os candeeiros do grande salão são de um effeito maravilhoso, dos seus braços sáem montes de luz, que affugentando as sombras da sala, fazem com que alli exista sempre uma claridade rival da do astro luminoso, quando este toca no zenith do seu explendor. (...)
Os preços são modicos: 200 rs. cada pessoa, dando direito a uma bebida qualquer. No dai da abertura este preço é alterado em consequência de ser o beneficio dos orphãos, sendo 500 rs. nessa noite. (...)
Ninguem por mais séria e elevada que seja a sua posição, por mais austeros que sejam os seus principios de moral encontrará embaraços a assistir áquella diversão, que imparcialmente toca o requinte de bello.»
No dia seguinte à sua inauguração no mesmo jornal podíamos ler a notícia da sua inauguração:
«Abriu-se hoje como tinha sido annunciado ultimamente o caffé-concerto. O luxo, a decencia, a belleza do serviço, o apparato tudo finalmente era egual senão excedia quanto dissemos no nosso numero de quinta-feira ultima, tractando deste novo espectaculo. A concorrencia foi numerosa, passando de 500 pessoas, em que figuravam os accionistas, a cada um dos quaes foi distribuido um bilhete de admissão nesta primeira noite. O concerto correu optimamente, sendo muito applaudido alguns cantores e notavelmente entre elles mademoiselles Mathilde Nerbert, Clemence Rossy, e d'Aubigny, e mr. Merle. Nas galerias notavam-se muitas senhoras, e encontravam-se nos salões não poucos dos individuos que formam a primeira sociedade de Lisboa. Um conjunto tal de circumstancias faz crer que este espectaculo merecerá as honras e a concorrencia do publico lisbonense.»
No jornal "Povo" de 27 de Dezembro:
«Caffé Concerto. - Abriu-se com effeito mais uma ratoeira dos patacos, e logo na sua estreia houve desgosto. Deus nos livre desta, e d'outras similhantes caranguejolas á franceza.»
A caranguejola a que o apontamento anterior se referia, foi uma confusão (vulgo barraca) que duas madames armaram, ao tentarem forçar a entrada no "Caffé Concerto", o que levou a polícia a intervir ...
O "Caffé-Concerto" apareceu como uma novidade, e apresentava um espetáculos alternativos às práticas dos teatros da cidade, aliando ecletismo musico-teatral à galvanização de sociabilidades e consumos de vários tipos. Recebendo companhias de artistas franceses, foi uma das portas de entrada em Portugal dos repertórios praticados em cafés-concerto e teatros parisienses, tais como os de opereta, canção ou cena cómica. Desde a arquitetura e decoração, à produção de espetáculo musico-teatral, passando pela estabelecimento de sociabilidades, as várias dimensões deste primeiro Caffé-Concerto lisboeta deu, à época, o mote a um significativo conjunto de notícias, crónicas e publicidade. Em 1897 abriria outro café-concerto: o "Chat Noir" na Rua do Alecrim, 23.
Em 1 de Janeiro de 1858 o jornal "A Revolução de Setembro" informava:
Tambem nos parece que para a futura epocha se poderia escripturara um ou outro artista portuguez para cantar canções e coplas nacionaes, ou mesmo representar alguma scena comica adaptada ás circumstancias do espectaculo.»
Em finais de 1869, inicio de 1870, tocava-se todas as noites neste salão, onde a novidade era o "Can-Can" que entusiasmava a boémia da época, a célebre "Polka" dedicada a Berta, linda e estonteante bailarina alemã, que actuava no "Real Theatro de São Carlos".
O "Café-Concerto" encerraria em 28 de Janeiro de 1864, com um espectáculo em benefício do seu administrador E. A. Figueira e do bilheteiro A. Neumayer. Este espectáculo cuja receita reverteu a favor dos beneficiados, terá tido como intenção uma recompensa pecuniária a esses dois funcionários, pelo fecho do estabelecimento.
Em 6 de Novembro do mesmo ano de 1864, abriria, no lugar do "Café-Concerto", o "Casino Lisbonense", propriedade de uma sociedade por acções, liderada por Ernesto Desforges, que ficou como gerente. Os preços da entrada eram: por avulso 500 réis; por assinatura 300 réis.
Programa para a inauguração publicado na véspera 5 de Novembro de 1864
No dia 8 de Novembro de 1864 o jornal "A Revolução de Setembro" noticiava a inauguração:
A orchestra tem alguns artistas notaveis, entre elles o sr. E. Bouillon, o sr. Martin e o sr. Legénesil.
Hontem deu-se o segundo concerto. A concorrencia foi tambem diminuta.
Vê-se por esta segunda prova que este genero de diversão não é ainda devidamente apreciado pelo nosso publico. Já o aqui dissemos quando noticiámos com magua o acabamento dos concertos populares pelos artistas nacionaes, e agora o repetimos com egual sentimento.
Seria conveniente, talvez, reduzir o preço das entradas. Parece nos que a empreza e o publico muito lucrariam com tal expediente.»
A'manhã e domingo temos novos bailes no Casino.»
Ficaram famosas as reuniões políticas designadas de "Conferencias do Casino", que tiveram lugar numa sala alugada do "Casino Lisbonense", entre 22 de Março e 26 de Junho de 1871. Essas reuniões, onde participavam algumas das mais brilhantes mentes portuguesas do final do século XVIII, ficaram celebrizadas na história, precisamente, como "Conferencias Democraticas do Casino Lisbonense", ou, simplesmente, como as "Conferencias do Casino".
Com o objectivo de refletir sobre as mudanças políticas e sociais que o mundo sofria e de acordar Portugal para as novas ideias que circulavam na Europa. Tomaram parte destas reuniões mentes como Francisco Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Eça de Queiroz, Augusto Soromenho, Oliveira Martins ou Manuel de Arriaga. Terminariam por portaria de 26 de Junho de 1871, ordenada pelo Ministro do Reino Antonio Jose Avila (1806-1881), marquês d'Avila e Bolama.
Participantes regulares nas "Conferencias do Casino"
O marquês de Ávila, que teve no Procurador-Geral e também deputado Martens Ferrão o principal apoio na discussão (ou não tivesse este, igualmente, responsabilidades no sucedido), justificou-se com a necessidade de defender a ordem liberal: «Repito, não podia consentir que à porta aberta se estivesse atacando a monarquia (apoiados); que à porta aberta se estivesse atacando a religião do Estado. Mandando fechar o Casino evitei grandes desgraças (apoiados); desgraças que podiam ter lugar se porventura os excessos que ali se estavam cometendo continuassem. Se há motivo para eu ser censurado, e de que a minha consciência me censure asperamente, foi de ter feito tão tarde o que fiz (apoiados).»
«Isto é evidente; mas a cegueira é tão grande que são raros os que o veem; mas tenha V. Ex.ª a certeza de que se teem a seu lado os hypocritas e os idiotas, é condemnado pelos que nem são hypocritas nem idiotas.»
Quanto a música, foi no "Casino Lisbonense" que João Maria dos Anjos (1856-1889), ex-sapateiro e primeiro guitarrista português, deu os primeiros concertos de guitarra.
O auditório escutou embevecido o fado trinado com trechos das operas Martha, Trovador, Norma, Traviata. Chamou, pediu bis aos tocadores, expandiu- se em applausos, recitando versos e lançando-lhes flores. O enthusiasmo ascendeu a vehemencia e scindiu-se em partidos quando chegou o difficil momento da distribuição de prémios. Os ânimos excitados ameaçavam converter em pugna o pianíssimo concerto. A policia expulsou da sala um espectador mais turbulento e conflítoso na maneira de expor a sua opinião. O publico redemoinhou durante minutos n'um bramir de temporal desfeito.
Houve quem pedisse reflexão. Attendido o rogo, sobreveio a calma. Os trez primeiros prémios couberam, por ordem do seu valor e significação, ao Anjos, "Visinho» e Maia. O numeroso tribunal não protestou. O empresário do concerto, um tal Gruder, liquidou a receita da noite empochando, sorrindo, 250$00O réis, boa maquia para a quadra!
Cinco horas, exclusivamente, de guitarra ! A duração é significativa»
in: "Estroinas e Estroinices" de Eduardo de Noronha (1922).
Quando elle tratou de arrendar o Casino, perguntou-lhe o velho Figueira:
—Para que è?
Desforges respondeu com lealdade:
—Para dar concertos de guitarra.
Figueira replicou-lhe:
—Isso é um instrumento que se ouve de graça em todas as ruas. Ninguém vai pagar para o ouvir.
Enganou-se. Os concertos, sob a direcção de João Maria dos Anjos, tiveram um grande exito. No primeiro tocaram apenas 12 guitarristas; no ultimo eram já 50.» i
João Maria dos Anjos faleceu tuberculoso na Rua Direita de Arroios, n.° 106, em 25 de Julho de 1889, dois dias depois de morrer o grande actor António Pedro. Deixou vários fados, entre eles o que tomou o seu nome, o "Fado das Salas", o "Casino Lisbonense" (em 1873) o "Meu Segredo" e "Canção de Cascais". Logo após a sua morte foi atribuída a designação de Rua dos Anjos à, então, Rua Direita de Arroyos.
Além destes concertos de guitarra, nesta alegre sala reinou o "Vaudeville", e o "Can-Can" fez furor, mais agitante que as "Polkas" de Augusta Mabile, encheu as novas curiosidades os olhos alfacinhas, e onde se deram os mais alegres bailes de máscaras do seu tempo. Outro tipos de eventos por lá aconteceram como os dos anúncios anteriores.
O "Casino Lisbonense" encerrou, definitivamente, em 1876, e a partir de 4 de Julho de 1877 passa a ser um estabelecimento de estofador, efectuando reparação e restauro de poltronas e sofás: a firma "Barbosa & Costa" sucessora da "Casa Gaspar" de "Gaspar Gomes & Anjos", que vinha do Largo das Duas Egrejas, 2 a 5, (futuras instalações da pastelaria "A Garrett"). Esta firma, já também fabricante de móveis viria a tornar-se uma das casas de móveis e decorações mais conceituadas de Lisboa - grande concorrente da "Casa Quintão", na Rua Ivens.
2 comentários:
Muito bom! Muito boas novidades antigas.
Um abraço!
(Alguma ortografia talvez melhorasse ainda mais: ecléctico, objecto, óptimo &c…)
Grato pelo seu amável comentário.
Abraço
Enviar um comentário