Restos de Colecção

3 de novembro de 2024

Restaurante Aviz

O "Restaurante Aviz" abriu pela primeira vez as suas portas na Rua Serpa Pinto, 12-C, em Lisboa, em 1962. Teve a sua gênese no famoso "Aviz Hotel" (inaugurado em 24 de Outubro de 1933), implantado na Avenida Fontes Pereira de Melo e entretanto encerrado em 1961 (e demolido em 1962) donde Anthony Ruggeroni, Alberto Rapetti, o barman António Fadda e o chef João Ribeiro constituíram a sociedade "Locanda Aviz do Chiado, Lda." com sede na Rua Serpa Pinto, 12-C.


"Restaurante Aviz" no 1º andar (janelas com toldos) com entrada pela R. Serpa Pinto (última porta do edifício ao subir)

Localização do edifício na esquina da R. Garrett com a Rua Serpa Pinto

Nota - a enumerar outros estabelecimentos (da esquerda para a direita): "Sapataria Chiado", "Sapataria Garrett" (ambas da firma "Castella, Lda.); "Farmácia Durão" e "Garcez, Lda.do fotógrafo Arnaldo Garcez. Nas sobre-lojas: os laboratórios de "Garcez, Lda." e um salão de cabeleireiro.


Restaurante do "Aviz Hotel"  (1933-1961)

No mesmo 1º piso do nº 12, tinha funcionado outro não menos famoso e luxuoso restaurante, o "Restaurant Club", também de apelidado de "Restaurant Silva" e inaugurado em 3 de Dezembro de 1874, na ainda Travessa Estevão Galhardo, actual Rua Serpa Pinto (desde 1885). Foi seu proprietário José António da Silva. Existiu até 1937. No seu lugar ali se instalaram os escritórios da firma americana "Remington Tipewriter Company, Portugal", que representava e distribuía as máquinas de escrever "Remington" no nosso país. Acerca da história do "Restaurant Silva" consultar neste blog o seguinte link: "Restaurant Club" no Chiado

Anúncio de 6 de Maio de 1875 e fotografia de 1939

O novo "Restaurante Aviz" era um luxo. Uma escadaria revestida a azulejos pintados, um bar com balcão em madeira maciça, bancos de cabedal verde marroquino e sofás de veludo, salas com paredes revestidas a seda, cortinados elegantes, espelhos, estátuas, cristais e as pratas de sempre. E ainda curiosidades, como a coleção de relógios de bolso oferecidos pelos clientes. 



Capa da ementa


Postal para futura reserva de mesa

«Em meados dos anos 60, Carlos Monjardino trabalhava na banca e começa a levar convidados almoçar ao Aviz do Chiado. Ficavam “impressionadíssimos com o espaço e a qualidade da comida, que era uma coisa absolutamente fantástica”, cada vez mais sofisticada e aperfeiçoada. Clássicos como os patés de fígados de aves ou de porco, os “Lagostins”, o “Chateaubriand com molho Béarnaise”, o “Tornedó Rossini”, a “Santola recheada à Aviz” e a “Lagosta”, “Bacalhau à Conde da Guarda”, a “Perdiz à Convento de Alcântara” ou à “Serra Morena”, “Filetes de linguado com laranja e cogumelos”, o “Bacalhau à Gomes de Sá”, que “dizem ser o melhor do país”, refere Monjardino, que recorda ainda o “Frango à Kiev”, que é uma das perdições de Francisco Pinto Balsemão, e os “Crepes flambeados à Aviz”. Apreciadas eram ainda as “Borboletas de gambas à moda do Aviz”, que consistiam num camarão tigre aberto ao meio, panado e acompanhando com arroz de passas e pinhões. Em 1974, o Aviz conquistou uma Estrela Michelin, coroando o talento de João Ribeiro. Foi renovada até 1976.


Cozinha


Escanção Fernando Ferramentas


Chef Fernando Amaral e seu fumeiro

Depois da Revolução de Abril, o restaurante perdeu muitos clientes habituais. Um dia, Monjardino repara no “ar tristíssimo” dos empregados e disponibiliza-se para ser sócio. “O que é que eu fui dizer...”, confessa. Passou a ser sócio minoritário e, mais tarde, maioritário. “Custou-me largos milhares de contos por ano, saídos da minha algibeira, durante não sei quanto tempo. Não queria que o Aviz acabasse, era uma pena desaparecer o nome, o seu simbolismo era muito grande. (…) Continuei alegremente a perder dinheiro, todos os anos, mas isso era uma opção minha, queria era manter o restaurante aberto”, justifica. Conseguiria fazê-lo durante muito tempo, também com a ajuda de outros investidores, como Jardim Gonçalves, Américo Amorim e a família Espírito Santo. (…)

Carlos Monjardino, Luiz Felipe Scolari e Gilberto Madaíl no "Restaurante Aviz"

O restaurante tinha fumeiro próprio, por onde passavam o salmão, o espadarte, sável e pato. Aí mesmo encontramos, em fotos antigas, o cozinheiro Fernando Amaral, que começou a trabalhar no Aviz do Chiado em 1982, já Abel Barbedo lá estava na cozinha. Foi com o chef Armando que aprendeu “quase tudo” nesta cozinha de exceção, que era uma autêntica escola. “Quando lá cheguei, o restaurante era muito bonito e o melhor de Lisboa. O Aviz e o Tavares eram os únicos restaurantes de luxo”, assinala Fernando, que se lembra de um pormenor delicioso: quando o chef Ribeiro reaparecia de visita no Chiado, “já velhote”, Armando Valente de Sousa cedia-lhe o lugar, para que o mestre “se sentasse sempre no lugarzinho dele, na cozinha”, em deferência ao seu enorme legado. »  in: "Expresso 50 anos, 50 Restaurantes" - autor: Pedro José Barros - 15 de Dezembro de 2022.



Foto de Fernando Peres Rodrigues / Arquivo Expresso

Em novembro de 1995, o "Restaurante Aviz", teve de mudar de instalações, e em Fevereiro de 1996, mudou-se para o "Centro Comercial das Amoreiras", funcionando só ao almoço. Em Setembro de 2001 muda-se, de novo, para o  Monte Estoril, num espaço da "Fundação Oriente". Porém, o resultado, segundo o próprio Carlos Monjardino  «foi uma desgraça».

Em 2005, ano que se comemorou o 50º aniversário da morte de Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955), foi inaugurado na Rua Duque de Palmela, junto ao Marquês de Pombal, o "Hotel Aviz", propriedade da "Fundação Oriente" de Carlos Monjardino, e proprietária do "Restaurante Aviz". Uma das grandes apostas do novo hotel foi o também a recriação do célebre “Restaurante Aviz” que, depois de ter passado pelo Chiado, Amoreiras e Estoril, regressava, agora, às suas origens, mantendo não só as suas receitas e uma garrafeira de excepção, como também, na sua decoração, peças do restaurante original.




O renascido "Restaurante Aviz" no novo "Hiotel Aviz"

«Dessa sala no primeiro andar da Rua Serpa Pinto resta hoje, no novo Aviz na Rua Duque de Palmela, onde esta viagem começou, resta… quase tudo. Está lá a baixela de prata Christofle, o serviço Vista Alegre, a colecção de relógios de bolso oferecidos por clientes e expostos em antigas chaves do hotel, a estátua de uma índia, os banquinhos verdes para apoiar os pés ou pousar as malas, o carrinho das bebidas em prata e o rechaud, onde ainda se trincha o rosbife e se servem os molhos. Está o atencioso Américo Miranda, chefe de sala e guardião das tradições de sempre. E, na cozinha, Cláudio Pontes respeita e reinventa os grandes clássicos do mestre João Ribeiro, acrescentando as suas criações - e em cada prato, cada faca, cada garfo, vigia, atenta, uma águia de asas abertas.»  in: "Público" autora: Alexandra Prado Coelho - 6 de Abril de 2014.


29 de outubro de 2024

J.B. Waltmann, Weltin e Marchal - Músicos e comerciantes

No século XVIII a construção de mecanismos dos instrumentos de música, e dos mesmos, encontrava-se localizado nos armazéns de Paris e Londres. A partir destes epicentros eram exportados para toda a Europa, ao qual Portugal não ficou alheio e tornou-se em mais um ponto de recepção através dos armazéns dirigidos por músicos estrangeiros aqui radicados. Foi por influência de músicos como João Baptista Waltmann ou João Baptista Weltin, ambos instrumentistas na Real Câmara, que se inaugurou a comercialização especializada de instrumentos e artigos de música importados, a par da edição musical que conheceu, também ela, um processo de expansão no mesmo período igualmente por influência estrangeira. Recordo que actividade comercial ligada à venda de música (partituras) aparece registada no século XVIII, nomeadamente com Francisco Domingos Milcent em 1787.

Pedro Marchal e João Weltin nos "Avisos" da "Gazeta de Lisboa" de 12 de Novembro de 1791

Já em 1645 ...

"Comedia Moral, e Jocoza" composta por Pero Salgado em 1645, para o "Theatro do Mundo"

Na edição deste artigo acerca destas três importantes músicos, comerciantes e personalidades no meio musical do final do século XVIII e e início do século XIX em Lisboa, inicio cada capítulo referente a um músico com uma pequena resenha biográfica, que para tal me socorri, mais uma vez, da belíssima obra "Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes". Esta obra é da autoria do musicólogo, pedagogo, flautista e compositor Ernesto Vieira (1848-1915) e foi editada, em 1900, pela conceituada e famosa Casa Lambertini, propriedade do grande pianista, afinador e fabricante de pianos, Luiz Joaquim Lambertini (1862-1920).

 João Baptista Waltmann

«Musico allemão que se estabeleceu em Lisboa no fim do seculo XVIII. Tocava trompa e pertencia á orchestra da Real Camara. Em 1791 fazia parte da orchestra do theatro da Rua dos Condes. No segundo semestre de 1792 estabeleceu un1 armazem de musica, que en1 6 de outubro d'esse anno annunciou na Gazeta de Lisboa pela seguinte forma:
"Mr. Waltmann, Musico de Camara de S. M, faz saber ao Publico que elle tem hum armazem de musica vocal e instrumental dos melhores authores modernos para toda a qualidade de instrumentos. Mora na travessa que vai do chafariz do Loreto para a Portaria da Trindade, no terceiro andar das casas de João Fernandes."
Em 1794 ampliou o negocio, mudando-se para a rua de S. Paulo, numero 18, 2° andar. Algum tempo depois encetou a publicação de um jornal de modinhas, imitação de outra empresa realisada antes com bom exito por Marchal e Milcent. O primeiro numero do novo jornal publicado por Waltmann sahiu no 1º de janeiro de 1801 com este titulo: "Jornal de Modinhas Novas Dedicadas ás Senhoras. Lx.ª em Casa de J. B. Waltmann na rua direita de S. Paulo defronte da fabrica dos Vidros ao pé do Arco do Marquez." Em formato oblongo. O trabalho de gravura é assignado por, "Vianna", tendo no frontispicio uma estampa copiada do Methodo de Piano de Pleyel e Dussek.
O Jornal de modinhas durou apenas um anno como publicação regular, mas Waltmann continuou a fazer imprimir  
avulsamente muitas modinhas; em agosto de 1824 ainda annunciava "as bellas modinhas de Joaquim Manoel por Neukom".
Em janeiro de 1802 começou a publicar um "Novo Jornal de Arias Italianas", que tambem teve curta vida.
Foi Waltmann quem primeiro vendeu metronomos em, Lisboa, annunciando essa novidade na Gazeta de 6 de dezembro de  1824, por esta forma:
"No armazem na rua direita de S. Paulo nº 18 defronte da fabrica dos vidros se achão á venda Metronomos ou instrumentos que regem da, maneira a mais positiva os andamentos da musica; bem como servem para regular com exacção a instrucção das marchas nos Corpos de infanteria: com elles se distribuirá um folheto explicativo."
Em julho de 1825 era já fallecido, pois que os annuncios, d'ahi por diante são feitos em nome de "Viuva Waltmann e filhos". O estabelecimento porém pouco mais durou.» (*)


5 de Novembro de 1798

João Baptista Waltmann foi o primeiro vendedor especializado de instrumentos, com uma oferta consideravelmente variada de artigos, regularmente anunciada na "Gazeta de Lisboa". Trompista de origem alemã, com registo de entrada para a Irmandade de Santa Cecília em Maio de 1791, Waltmann foi um músico particularmente activo na sua actividade comercial, mas também enquanto músico.

A partir de 1798 a colocação de anúncios começou a intensificar-se numa lógica de competição clara, a partir da implementação no mercado do seu concorrente mais directo, João Baptista Weltin. Uma semana depois da colocação do aviso de João Baptista Weltin anunciando para venda um «sortimento de instrumentos de vento de todas as qualidades; e que tambem vende instrumentos Mathematicos e Nauticos» (GL 44: 1799/10/29). Os anúncios de ambos os armazéns passam a destacar agora a variedade e quantidade de instrumentos disponíveis, fornecendo cada vez mais detalhes, numa intensificação das estratégias de marketing, para atrair o público interessado. A partir de 1800 Waltmann expande a sua actividade à edição musical, a qual abandonará em 1803 e só voltará a ser relançada pela firma “Viúva Waltmann e filhos”, no ano após a sua morte em 1824. 


3 de Maio de 1800

João Baptista Waltmann, a exemplo dos seu colega de profissão e concorrente comercial João Baptista Weltin (que falarei de seguida) anunciava, pontualmente, a venda no seu armazém de outros produtos, importados ou não, como era o caso de «hum sortimento de Cartas Geograficas do Reino de Portugal, divididas em oito Mapas», «excellente jaleia de França», «arêa luminosa para escrita da mais fina que tem apparecido»  ou xaropes. Tratando-se sobretudo de produtos de luxo que apontavam para um público aberto ao consumo sofisticado e à aquisição das novidades em voga na Europa, e que não por acaso aparecem num jornal ("Correio Mercantil") mais directamente associado a um público ligado à actividade comercial.

João Baptista Weltin

«Outro musico allemão, como o procedente, que se estabeleceu em Lisboa pela mesma época e fundou tambem um armazem de rnusicas e instrumentos.
Era collega de Waltmann, em 1791, na orchestra do theatro da Rua dos Condes, e na da Real Camara onde tocava fagotte.
Parece que era tambem habil no oboé e na flauta, pois que annunciou um concerto em seu beneficio no referido theatro,
dizendo que executaria no "fagotte, boé e flauta differentes tocatas."
Em 1795 tinha um armazem de musicas e instrumentos defronte da egreja dos Martyres nº 21 o qual se conservou até pouco depois de 1823.»
(*)

João Baptista Weltin, como vimos, além de ter desenvolvido uma importante actividade como músico, a expansão da sua actividade à comercialização de música (partituras) e instrumentos importados teve início no ano de 1798, ano em que ...



20 de Janeiro de 1798


1 de Novembro de 1799


18 de Dezembro de 1810


16 de Novembro de 1814


20 de Julho de 1815

A sua actividade comercial abarcou também a distribuição de música impressa importada e a sua, aparentemente limitada, actividade como editor está documentada pelo anúncio à subscrição de dois periódicos de música. Logo no ano seguinte de início de actividade, em Outubro de 1799, Weltin abandona a razão social anunciada de "Real Fabrica de Musica", talvez por se confundir com a de Francisco Domingos Milcent - "Real Fabrica e Impressão de Musica" com alvará obtido em 1788 e localizada «ao largo de Jezus». A partir de então anuncia-se como «Musico da Camara de S. A. R., morador na rua dos Martyres, na esquina que vai dar ao Real Theatro de S. Carlos» in: "Gazeta de Lisboa" de 29 de Outubro de 1799. 

Em 1816 faz seu sócio seu irmão Luis Gonzaga Weltin, do qual não há registo de actividade como músico nem aparecendo inscrito na "Irmandade de Santa Cecília". Constituem então a firma "João Baptista, e Luiz Weltin com armazem de musica defronte da igreja dos Martyres, 21", onde se manteriam até 1824.


1 de Fevereiro de 1819

24 de Abril de 1820

Em 1816 faz seu sócio seu irmão Luis Gonzaga Weltin, do qual não há registo de actividade como músico nem aparecendo inscrito na "Irmandade de Santa Cecília". Constituem então a firma "João Baptista, e Luiz Weltin com armazem de musica defronte da igreja dos Martyres, 21", onde se manteriam até 1824.


1 de Fevereiro de 1819

24 de Abril de 1820

Pedro Anselmo Marchal

«Cravista francez que se estabeleceu por alguns annos em Lisboa, onde foi tambem gravador e editor de musica.
Apresentou-se aqui com a mulher, que era harpista, pelos fins de 1789, dando um concerto na "Assembléa das nações estrangeiras" a 12 de dezembro do mencionado anno. Em 31 de maio do anno seguinte annuncio: um ultimo concerto na mesma assembléa, dizendo assim o respectivo annuncio publicado na "Gazeta de Lisboa" :
"Segunda feira 31 do corrente, nas casas da Assembléa das Nações estrangeiras, darão Mr. e Madame Marechal o seu ultimo concerto de cravo e harpa, em beneficio dos mesmos. Tocarão duetos, modas com variações, e varias tocatas da sua composição; e além disso cantarão os cantores da Camara de S. M. Principiará ás horas costumadas."
Faziam valer os seus merecimentos estes concertistas francezes, pois cada bilhete de entrada custava 1:600 réis, quantia que hoje equivale a mais do dobro.
Em 6 de junho de 1791 deram outro concerto no theatro da Rua dos Condes. Seguidamente, Pedro Marchal estabeleceu um armazem de musicas na rua das Parreiras, defronte da egreja de Jesus, annunciando-o pela primeira vez na "Gazeta" em 16 de setembro d'aquelle anno.
Logo no anno immediato se associou com o gravador, tambem francez, Francisco Milcent, tomando então o estabelecimento o titulo de "Real Fabrica e Impressão de Musica". O annuncio que lhe diz respeito, sahiu em 17 de julho de 1792. E o primeiro emprehendimento dos dois socios foi a publicação de um "Jornal de Modinhas", collecção muito curiosa que Milcent continuou depois de se separar de Marchal. Esta separação teve logar em junho de 1795, indo Marchal estabelecer-se no Chiado e Milcent na rua de S. Paulo defronte da,casa da Moeda.
Marchal deixou ao seu consocio a especialidade das modinhas, dedicando-se a gravar as proprias composições e arranjos; entre as primeiras figura um duetto concertante para cravo e yiolino, uma collecção de vinte e quatro "Preludos ou Caprichos" para cravo, seis "Rondós" para cravo e flauta, e urnas variacões sobre o thema "As Azeitonas novas". Este thema era um dos pregões que as antigas vendeiras de Lisboa cantavam com muito notavel melodia. Além d' estas e outras composições originaes gravou tambem diversos arranjos de obras de Pleyel e outros auctores. Tudo isto representa, corno bem se póde suppor, o trabalho de um compositor medíocre que explora o gosto do vulgo.
Entretanto Pedro Marchal e sua mulher davam todos os annos um concerto na Assembléa dos estrangeiros, onde eram muito applaudidos. Em novembro de 1795 annunciou um concerto de despedida dizendo que partiam para Madrid ; mas ainda depois d'isso estavam em Lisboa, pois que elle em março de 1796 annuncia novas composições á venda no seu  estabelecimento. D'esta data em diante é que não encontro mais noticias a seu respeito.» (*)


3 de Junho de 1791


16 de Setembro de 1791

O primeiro número do "Jornal de Modinhas" foi publicado em 1 de Julho de 1792.


Anno I nº 1 do "Jornal de Modinhas" (1795-1796) de P.A. Marchal e Francisco Milcent


"Moda do Zabumba" de 1792


1796

As edições de Pedro Anselmo Marchal foram apresentadas em português, italiano (língua franca da cultura musical) ou francês (sua língua pátria), como esta: «Sonate Favorite arrangée pour le clavecin ou Piano Forte, avec accompagnement de violon, par P.A. Marchal, Oeuvre 12, Prix 530. Lisbonne, en Caza de P.A. Marchal. Editeur & Marchand de Musique privilegié de S. M.»

Além das suas próprias produções - «Avisa de que imprime um jornal de 24 preludios ou caprichos para cravo de forças graduaes, todos da sua composição» in: "Gazeta de Lisboa" de 20 de Novembro de 1795 - o músico procurou oferecer serviços mais diversificados, gravando e estampando mas, aparentemente, se considerarmos que em breve passaria a Espanha, sem grande sucesso comercial:

28 de Março de 1794

24 de Outubro de 1795

A fim de abrir a sua casa comercial a "Junta do Commercio", criada pelo Marquez de Pombal em 1755, e que mudaria de denominação, em 1788 para "Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas e Navegação destes Reinos", emitiria o seguinte parecer (excerto):

«Pretendem Pedro Anselmo Marchal Professor de Muzica e sua Mulher Mara Thereza por se terem aplicado a abrirem Chapas para impremir muzica, que V. Magestade lhe conceda a necessaria licença para o estabelecerem huma Fabrica de impreção de muzica, com a clauzula de que nehuma Pessoa possa contrafazer ou mandar impremir as obras, que da dita sua Fabrica sahirem. (...)» 

Já em 1842 uma notícia ...


(*) -  in:  "Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes" de Ernesto Vieira (1900)

Bibliografia:

- "Alguns gravadores activos na edição de música (1765-1830)", de Agostinho Araújo
- Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências Musicais (Musicologia Histórica) - "O Violoncelo na Música Sacraem Portugal entre 1750 e 1834" de Diana Gomes Vinagre - Fevereiro de 201 - NOVAFCSH

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca Nacional Digital

26 de outubro de 2024

Clubs e Casinos na Foz do Douro

Há registo de pelo menos cinco clubs e casinos, na freguesia de S. João da Foz do Douro, Porto, antes do final do século XIX, embora de naturezas muito diferentes: O "Club Rigollot", a "Assembléa do Allen", o "Casino de Cadouços", o "Casino da Foz" e o "Restaurant Casino Internacional".


Praia do Molhe e esplanadas na Foz do Douro

Alberto Pimentel no seu livro "O Porto ha trinta anos" publicado em 1893 lembrava:

«Durante a estaçao balnear nao havia bailes, nem soirées, nem pic-nics, qualquer d'estas manifestações da vida alegre das praias.
As unicas distracçoes que a Foz offerecia n'esse tempo eram uma casa de batota no Passeio Alegre e um bilhar nos baixos do Hotel da BoaVista.
De manha passavam-se duas horas na praia dos banhos, onde os banheiros hasteavam, para delimitar os arruamentos das barracas, bandeiras em que estavam inscriptos os seus nomes: Maria da Luz, Paulino, Leão, etc.
As familias que tinham alugado casa na Foz assistiam ate horas de almoco ao espectaculo que a praia de banhos offerecia todas as manhas, e que constituia o unico divertimento publico.»

Nota: Acerca do "Hotel da Boa-Vista", da Foz consultar neste blog, o seguinte link: "Hotel da Boa-Vista".

"Hotel da Boa-Vista" em c.1900

O club mais antigo e, provavelmente, o mais lendário, chamava-se “Club Rigollot” e tinha nascido de uma tertúlia de intelectuais que, desde os anos de 1840, se reuniam na “Pharmacia Amorim” situada na Esplanada do Castelo. Quanto a este club recordemos uma passagem do livro "Recordando o Velho Porto", do brigadeiro Nunes da Ponte (Porto, 1963):

«No início do séc. XX, na Foz do Douro, um grupo de amigos tinha por hábito juntar-se à porta da Farmácia Amorim, situada na esplanada do Castelo, frente ao Castelo da Foz, todos os dias ao fim da tarde. 
Era proprietário da "Farmácia Amorim" de Francisco José de Amorim, que a dirigia, auxiliado pelo técnico ajudante de apelido Pereira. Destas reuniões nasceu uma agremiação com o nome de Clube Rigollot. De entre as várias personalidades que compunham o grupo, destacou-se o barão de Paçô Vieira, de nome José Joaquim de Sousa de Barros Coelho Vieira, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, presidente do Tribunal da Relação do Porto, fidalgo cavaleiro da Casa real e comendador das ordens de Cristo e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, que terá sido elevado ao "alto" cargo de presidente da direcção do Rigollot por aclamação. Todas as tardes ali se juntava, junto à farmácia, o grupo de associados em vivos e acesos colóquios que por vezes se prolongavam pela noite dentro, nos quais não entrava política partidária mas se discutiam com calor e entusiasmo assuntos de vária ordem. O nome do clube foi adoptado para homenagem à memória de um benemérito de nome João Paulo Rigollot. Por esta sociedade intelectual, que se tornou famosa por toda a cidade, passaram vários vultos da política, das letras, das ciências, antigos ministros, governadores civis, professores, juízes, banqueiros, etc., que no mais ameno convívio, em conversa tolerante e variada, agradavelmente passavam as tardes. Um dos frequentadores do clube e seu associado foi Francisco Ramalho Ortigão, sobrinho do escritor com o mesmo apelido, homem muito activo e empreendedor que, diga-se a título de curiosidade, chegou a montar nos jardins da sua residência, na rua Alto de Vila, uma fábrica de tapetes. Não terá durado muitos anos esta agremiação. Em Dezembro de 1952, o brigadeiro Nunes da Ponte escreveu na revista O Tripeiro, V série, que nenhum dos sócios do clube Rigollot pertencia "ao número dos vivos.»

O segundo club, foi a "Assembléa" ou "Assembléa" do Allen - como se lhe referia Ramalho Ortigão - e situava-se na Rua dos Banhos Quentes, actual Rua Coronel Raul Peres. 

«Foi n'essa Assembléa que nasceu a primeira roleta da Foz. Ha mais de vinte annos, a rolêta era uma innovação recente, que produzia sensação. Alguns pais de familia, que nunca jámais jogaram, iam vêr a rolêta, por simples curiosidade, como se póde ir vêr um monstro, uma féra. Os viciosos tomaram-lhe gosto, e, dentro de pouco tempo, a rolêta popularisou-se, a ponto de começarem a funccionar, além da rolêta aristocratica da Assembléa, varias rolêtas pataqueiras e pelintras.
Os puritanos, os caturras da jogatina repeliram a rolêta, e continuaram a frequentar a batota do high-life no Passeio Alegre; os encanzinados no vicio do jogo, ultra-viciosos, frequentavam a rolêta e a batota. - accumulavam.» in: "Porto há trinta anos" de Alberto Pimentel (1893).


O "High-Life" è esquerda na foto (com arvoredo)

Pelo decreto de 15 de Agosto de 1870, o barão da Trovisqueira consegue autorização para «estabelecer à sua custa, na estrada pública entre o Porto e a povoação da Foz, podendo prolongar-se até Matosinhos, um caminho de ferro para transporte de passageiros e mercadorias, servido por cavalos». A 15 de Maio de 1872 é criada a "Companhia Carril Americano do Porto à Foz", proporcionando transporte cómodo, pois circulava sobre carris, e mais rápido, que ligava o centro da cidade à Foz, pela marginal. Em 1874, é inaugurada a linha americana entre a Praça Carlos Alberto e Cadouços (Foz), pela Boavista. No fim da década, a Câmara  autorizou as duas companhias a adoptarem a tracção a vapor. Com a entrada em funcionamento da ligação por comboio a vapor entre a Boavista e Matosinhos, tudo ficou mais facilitado. A  "máquina" fazia uma paragem prolongada em Cadouços, na Foz do Douro, para abastecimento de água, aí existindo um restaurante de apoio.


Estação ainda de "Americanos" em Cadouços

Mas, mais uma vez, segundo Alberto Pimentel no seu livro "O Porto ha trinta anos" ...

«Durante algum tempo uma companhia lembrou-se de organisar um serviço de navegação fluvial entre o Porto e a Foz. Havia um vaporzinho que fazia carreiras entre a cidade e a Cantareira, mas a empresa nao deu bom resultado, tal era o apêgo ao burro, no Porto d'aquelle tempo, como meio de transporte.
O burro venceu o vapor, não certamente pela velocidade, mas pela força do costume e da tradição.»

Por outro lado Luís António de Oliveira Ramos no seu livro "História do Porto" (2000) escrevia ...

«Os novos transportes aproximavam Leça, Matosinhos e a Foz do Porto…A Foz do Douro torna-se então « um Porto em miniatura», de barco, de charrete, de «americano», desembarcam banhistas durante a época do verão, espalhando-se pelas praias que crescem ao lado da privativa «Praia dos Ingleses», junto à Rua da Senhora da Luz. A Foz concorre então com as praias fluviais do Rio Leça e as praias de mar de Matosinhos, tornando-se a primeira estância de mar da zona do Porto. Tem casino, vários cafés, cinco colégios, vários hotéis… e um clube elitista, que cede dos seus pergaminhos e, durante o Verão, aceita sócios « de estação». Mas do « americano» desembarcava tudo, pessoas de todas as categorias sociais, cestos de pão e fruta, canastras, caixotes, trouxas de roupa branca das lavadeiras… a praia do Caneiro, mesmo encostada à Praia dos Ingleses, torna-se uma praia popular…»

Com a entrada em funcionamento da ligação por comboio a vapor entre a Boavista e Matosinhos, tudo ficou mais facilitado. A "máquina" (alcunha por que era chamada esta composição) fazia uma paragem prolongada em Cadouços, na Foz do Douro, para abastecimento de água, aí existindo um restaurante de apoio, o "Restaurante de Cadouços". Anteriormente à estação da "máquina", durante a época balnear, neste local foi montado um circo e, por um breve período, também uma praça de touros. A "máquina" funcionou entre 1875 e 1914.


A "máquina" a chegar à estação de Cadouços ...


... e a circular no Passeio Alegre

Mas ... «faltava ainda o club familiar», como Ramalho Ortigão reclamava, que as senhoras pudessem frequentar. E o primeiro foi o "Club de Cadouços", inaugurado em 1881 no edifício da estação do comboio a vapor, com orquestra privada e acesso restrito, que incluía o popular "Restaurante de Cadouços", que servia a estação. Aqui durante a tarde convivia-se jogando cartas, bilhar e dominó. Era um lugar de leitura e conversa, onde se realizavam concertos de música de câmara, árias de ópera, teatro, e reuniões dançantes. A partir de 1884 o clube formou uma orquestra amadora composta por sócios. Pagava-se uma jóia de 1$000 reis e 6$000 reis por ano.


12 de Agosto de 1909 

Relativamente ao anúncio anterior, no dia seguinte, 13 de Setembro, o mesmo jornal "A Voz Publica", comentava a soirée da noite anterior:

«Nolte brilhantissima a de hontem no Casino de Cadouços. Destacaram-se toilletes claras, como azas de pombas, rostos gentis e frescos, que mamas carinhosas contemplaram embebecidas!
Algumas cabeças meas-emulduradas por caprichosos cabelos, outras parcialmente ocultas por chapeus signés, que flores artificiaes ajardinaram, eram o enlevo dos janotas, que, de lindas flôres ao peito, aureferlam, sofregos, os sorrisos juvenis que em frescas bocas brincavam.
Namoros, flirts, emfim, o costume, que nós todos temos, quiça amargamente experimentado. Um jardim humano, com algumas deliciosas flôres que o belo matrimonio ainda não desbetou, alegre e vivo, como que agitado pela brisa da juventade, era a impressao que hontem deixava o salao nobre do Casino, a quem de relance o observasse.
Falamos do salão; falemos agora do sextetto.
E' um dos mais notaveis que tem vindo a Foz, n'estes ultimos annos. De toda aquella audição musical resultou um verdadeiro exito, um enthusiasmo na èlite que religiosamente ouviu com attenção os famosos trechos do seleto programa, em que Forssini, Quilez, Jose Bonet, Manuel de Figueiredo, José Pastrana e Manuel de Paiva, se salientaram primorosamente, como toda a gente esperava dos recursos e meritos de qualquer d'esses professores, cuja competência foi sobejamente apreciada pelo público, que no fim de cada seleção aplaudia-os gostosamente, por largo tempo. Os artistas, quer na interpretação dos trechos, quer na execução, corresponderam a todas as exigencias que sempre oferece um publico selecto e avido de optima musica.
Ha finalmenta, na Foz, onde passar noites delielosas, iluminadas pela luz da bela Arte da musica e no meio de uma fina sociedade.
Alnda bem.»


Postal publicitário (frente e verso)



Na revista "Arte e Musica de 30 de Junho de 1910


Cartão de admissão

“Casino da Foz”, foi registado na "Repartição de Propriedade Industrial" pelo negociante José Lopes Carreira Munhós em 15 de Fevereiro de 1906. Estava aberto todo o ano e era «unicamente frequentado pelos seus associados, proporcionando, durante os três meses de época balnear, várias diversões, sendo as mais distintas as suas soirées dançantes e os concertos de amadores. O club recebe nas suas salas a melhor sociedade do Porto e de fora, havendo uma inscrição especial durante o tempo de banhos para se poder frequentar este grémio como assinante de estação». Em espaços contíguos, mas pertencendo à mesma gerência, existia um café e um casino. Em 12 de Julho de 1911 seria totalmente consumido por um incêndio.

Edifício do "Café da Foz" (à esquerda o gradeamento do "Casino da Foz")


Registo do "Casino da Foz" 


9 de Agosto de 1900


Fichas de jogo do "Club da Foz"

Depois de reconstruído passou a designar-se "Restaurant Casino Internacional", - ou high-life -, e era propriedade da firma "Empresa do Casino Internacional da Foz Limitada", no mesmo lugar do "Casino da Foz" instalado num prédio com frente para a rua do Passeio Alegre, fazendo esquina com a rua das Matas. 


"Restaurant Casino Internacional" - primeiros 2 edifícios à esquerda no postal


8 de Maio de 1919


Fichas de jogo do "Casino Internacional"

15 de Maio de 1919

Em 1931 as suas instalações dariam lugar ao "Colégio Brotero", que por ali ficou até 1950.

Bibliografia:  

- Dissertação de Douturamento em História de Arte Contemporânea "A Vilegiatura Balnear Marítima em Portugal 1870-1970 - Sociedade, Arquitectura e Urbanismo - por Maria da Graça Fernandes Pestana dos Santos Gonzalez Briz -  UNL (2003).
- Blog:  "Porto, de Agostinho Rebelo da Costa aos Nossos Dias"