Restos de Colecção

23 de março de 2025

Restaurant Paris

O "Restaurant Paris", abriu, pela primeira vez, as suas portas em finais de 1899 na Rua S. Pedro de Alcântara, em Lisboa, sendo propriedade de José Fernandes. Inicialmente, e até 1902, o restaurant só ocupava o rés-do-chão do edifício, ano em que sofreu grandes obras de remodelação e passou, também, a ocupar o 1º andar , onde foram incluídos cinco gabinetes. Tornava-se assim, num dos mais luxuosos, importantes e conhecidos restaurants de Lisboa.

"Restaurant Paris" dentro do rectângulo a vermelho (rés-do-chão e 1º andar)


24 de Dezembro de 1899


30 de Setembro de 1900


1900

A remodelação do "Restaurant Paris", seria inaugurada em 11 de Janeiro de 1902,  e a propósito na notícia intitulada "O José do Paris", o jornal "A Vanguarda" noticiava:

«Está um encanto o restaurante do José, em S. Pedro de Alcantara: a sala do rez do chão, em estylo século XVI, até meio, almofadada em carvalho; o tecto na mesma madeira com as traves a descoberto; o abobadado da cosinha mostrando os tijolos taes como são; o chão a mosaico; a metade superior das paredes azulejadas, com um tom verde e amarello; as traves que assentam sobre o grande pilar com espelhos emmoldurados egualmente a carvalho, revestidas a azulejo, semelhando mosaico; as cadeiras e todo o restante mobiliario, muito typico e caracteristico; os cinco gabinetes e a vasta sala do primeiro andar no mesmo gosto; um encanto, repetimos, a casa do conhecido José, do Restaurant Paris, que hoje as suas portas ao público.
José Fernandes em festa intima, reuniu hontem os seus melhores amigos: commerciantes, industriaes, professores, officiaes do exercito, empregados superiores do commercio, escriptores e representantes de jornaes. O primeiro levantou-o Eduardo Coelho. Seguiram-se-lhe Moraes Carvalho, Gregorio Fernandes, Albino Sarmento, major João José de Figueiredo, Taborda, Castanheira de Moura, emprezario Gouveia, Carlos Mello, Constantino Fernandes, Xavier Lobato, Carlos Trilho, França Borges, Duarte, Julio de Novaees, o photographo Fernandes, Alfredo Feiner, Baptista e muitos outros de que é impossível tomar nota. 
Um encanto a casa; uma festa deliciosa!»


Uma cozinha de restaurant, no início do século XX


12 de Janeiro de 1902

Publico, de seguida, um excerto de um artigo escrito pelo próprio José Fernandes no jornal "A Folha de Lisboa", de 20 de Fevereiro de 1902 e intitulado "Manifesto ao povo alfacinha, sem exclusão de edades ou sexos»:

«(...) Quereis saber mais? Ministros d'Estado, conselheiros pares do reino, deputados, todos, todos veem aqui, ao Restaurant Paris, ao estabelecimento que eu acabei de reformar, e que desde 1899 tira o ventre de miseria a muita gente boa, e n'estes dias de pó de amido que nos emporcalha, de ché-chés que nos nauseiam, nada mais agradavel do que darmos ao queixo, e por isso vos chamo até mim.
Olhae para o annuncio adiante publico, ponde os olhos n'aquella belleza de hortaliça de vinhos e licores, e se não vieres é porque sois o povo mais sem paladar que o sol cobre, a terra sustenta e a chuva molha.»


20 de Fevereiro de 1902


1 de Outubro de 1903


1903

Pelo que me apercebi, e deduzo, o "Restaurant Paris" terá interrompido a sua actividade entre 1904 e início de 1906. Isto porque foi interrompida a sua contínua publicidade e o seu proprietário mudava. Falecimento de José Fernandes ou simples trespasse? Não consegui saber. Apareceria de novo publicidade ao "Restaurant Paris", em 24 de Dezembro de 1906. Em publicidade de 1907 já aparecia M. Domingues Rodrigues como novo proprietário. 


 24 de Dezembro de 1906


16 de Setembro de 1907


1908

E em 1914, os últimos anúncios publicitários do "Restaurant Paris", que encerraria, definitivamente, neste final de ano de 1914.


1 de Maio de 1914


24 de Dezembro de 1914


31 de Dezembro de 1914


"Alfaiataria Smart"  nas antigas instalações do "Restaurant Paris" em foto de 1956


"Alfaiataria Smart" nas antigas instalações do "Restaurant Paris" em foto de 1963

fotos in: Hemeroteca DigitalBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Bilblioteca Nacional Digital

16 de março de 2025

Farmácia Ultramarina

A "Pharmacia Ultramarina" terá aberto no início de 1856, na Rua de São Paulo, 27-E, em Lisboa. Era seu proprietário o farmacêutico Lázaro Joaquim de Sousa Pereira. Em 1865 já se tinha mudado para os nos nº 99-101 da mesma rua, e por lá ficou por cerca de 150 anos.


"Farmácia Ultramarina", na R. de S. Paulo 99 e 101


6 de Junho de 1857


Primeira "Pharmacia Ultramarina" no nº 27 E da Rua de S. Paulo (última porta à direita na foto, junto ao arco)

10 de Agosto de 1857

No jornal "Diario do Govêrno" de 18 de Fevereiro de 1856 num debate na "Câmara dos Senhores Deputados" ... 

« O Sr. D. F. da Costa, que elle via que depois das opiniões dos illustres Deputados que com­batiam o artigo da commissão eslava persuadido que a sua substituição não  podia  vingar, porque á auctoridade  do S*.  Ex.as  era  tamanha, que a sua opinião havia de prevalecer, e por tanto ia retirar a sua proposta ; que se honrava de  ficar derrotado depois de ter combatido com tão  va­lentes  adversários; que apesar deste resultado estava satisfeito, porque o Ultramar tinha ga­nhado muito com a discussão, visto que lá fóra tinha attraído tanto sobre si as attenções que até um  pharmaceutico, abrindo hoje uma loja, ti­nha posto no mostrador o letreiro seguinte: pharmacia ultramarina. » 


1865

Foi nesta farmácia que o célebre médico Dr. Sousa Martins (1843-1897) a 1 de Abril de 1856 iniciou oficialmente funções como praticante de botica. Esta farmácia pertencia a seu tio. Tornou-se exímio manipulador de produtos naturais e adquiriu uma experiência que depois muito valorizou como médico e professor de Medicina.  Frequentou o Liceu Nacional de Lisboa e a Escola Politécnica; com aulas de manhã, trabalhava de tarde na farmácia e à noite dava explicações de forma a conseguir receitas para as despesas inerentes à sua formação académica. Ingressou nesse ano no curso de Medicina da "Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa". A prática de oito anos de Farmácia e o facto de ter completado os 21 anos de idade permitiram-lhe propor-se a exame no mesmo estabelecimneto de ensino superior e no dia 11 de Julho de 1864 foi aprovado ficando habilitado como Farmacêutico. Concluído o curso de farmácia, continuou a frequentar a "Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa", terminando o curso de medicina aos 23 anos, em 186, tendo sido sempre um aluno distinto.

Dr. Sousa Martins (1843-1897)

A partir de 1888 a frontaria da "Pharamacia Ultramarina" foi enriquecida com um inédito painel azulejar, cuidadosamente decorado com ilustrações de várias plantas medicinais e dos seus nomes científicos, destacando-se no centro da composição a representação de um anjo que segura um cálice com uma serpente, simbolizando a medicina. A especificação do nome da então responsável pela direção técnica reflete a exclusividade desta obra produzida na "Fábrica de Cerâmica Constância" e da autoria de Helder Silva e Mariete.


 


Quanto ao altruísmo de Lázaro Joaquim de Sousa Pereira o "Asylo dos Orphãos Desvalidos da Freguezia de Santa Catharina" numa nota de reconhecimento a vários farmacêuticos ...

«A commissão vem hoje por este meio dar um publico testemunho do seu mais sincero reconhecimento, agradecendo a continuação dos valiosos serviços prestados a este asylo pelos illmos. srs. Serzedello & C .*; Lazaro Joaquim de Sousa Pereira, proprietario da pharmacia ultramarina; Joaquim Ferreira Norberto, pharmaceutico no largo do Calhariz; Pedro Augusto Franco, pharmaceutico em Belem; pela maneira com que espontanea e genorosamente concorreram, durante o anno findo, com todos os medicamentos gratuitos que necessarios foram a este estabelecimento.»


10 de Setembro de 1861

Lázaro Joaquim de Sousa Pereira morre em 14 de Março de 1878, deixando viuva, Mary Parry Pereira e oito filhos.


27 de Março de 1868

Entretanto, outro farmacêutico-químico, diplomado e laureado pela Universidade de Coimbra, António Dias Amado exercia com notável brilho as funções de Director dos laboratórios da farmácia daquele estabelecimento de ensino e cultural, o que lhe valeu o apreço da classe médica que dispensava especial interêsse pela sua colaboração nos trabalhos de investigação.

Foi justamente em consequência desse facto que seu primo Dr. Egas Moniz Barreto de Araújo (1870-1924), do Estado da Bahia no Brasil, o convidou para com ele se dedicar ao estudo dum novo agente terapêutico destinado ao tratamento da sífilis por processo não mercurial. Acedendo ao lisonjeiro convite, António Dias Amado abandonou o lugar universitário e, durante alguns anos, foi prestar a cooperação solicitada até que, em 1895, fundou em Lisboa a "Farmácia Luso--Brasileira" para aperfeiçoar e divulgar no nosso País um produto que, além-Atlântico, havia já dado provas de extraordinário êxito, o depois celebrado e popular "Depurativo Dias Amado" que, no Brasil e em Portugal, registava dentro de limitado espaço de tempo o assombroso número de 15.000 curas comprovadas.


1907

Em 10 de Março de 1899, os irmão farmacêuticos António Dias Amado e Luiz Dias Amado, viam aprovado o registo da marca «destinada a um producto pharmaceuticos». E em Dezembro de 1905 viam aprovados os registos do "Depurativo Dias Amado" e "Depurativo Radical" respectivamente.


14 de Dezembro de 1905


14 de Dezembro de 1905

Em 4 de Fevereiro de 1906 é pedido o registo do nome "Pharmacia Luso-Brazileira", pelo seu proprietário o farmacêutico Antonio Dias Amado.


Em 29 de Fevereiro de 1908, é dissolvida a sociedade "Freitas & C.ª", tida por António Dias Amado e Luis de Freitas Lindo, tendo o passivo e activo sido assumidos por João Luis de Freitas Lindo. A "Pharmacia Luso-Brazileira" fica na posse de Antonio Dias Amado, que ao pretender registar o nome de "Pharmacia Ultramarina", viu em 6 de Agosto de 1908, o seu pedido «Recusado porque existe registada uma marca que contém o nome pedido e o respectivo registo não está feito a favor do requerente.»

Entretanto António Dias Amado dá sociedade na "Pharmacia Luso-Brazileira" a seu irmão Luiz Dias Amado, e a partir dessa altura a sua expansão acentuou-se e, tendo sido apresentados os seus depurativos em diversas competições internacionais onde foram galardoado com altas recompensas. Nas exposições de Génova (1908), Paris (1910), Roma (1911), Londres (1911), Anvers (1911), Liège (1912), etc., conquistou sempre Grandes Prémios e Medalhas de Ouro, numa carreira verdadeiramente apoteótica e nunca igualada como outro qualquer produto similar. Animado pelo êxito, Antonio Dias Amado dedicou-se, mais tarde, à elaboração de outros produtos sob a marca genérica "Ada", os quais conseguiram obter também sólida posição no mercado.


1909


1911

Entretanto a "Pharmacia Ultramarina", que por morte do seu fundador tinha sido adquirida por Francisco Freire de Andrade em 1881, em 28 de Maio de 1895 já aparece como propriedade de Antonio Dias Amado. 

Mas em 12 de Março de 1906 o sucesso do "Depurativo Dias Amado" dá origem a desavenças entre os irmãos ... 


Entretanto a "Pharamacia Luso-Brazileira", funcionaria até por volta de 1921, restando só a "Pharmacia Ultramarina", na posse de Antonio Dias Amado, até à sua morte. Esta farmácia durou ainda muitos anos, creio até ao início do século XXI, altura em que deu lugar a uma loja de «comes e bebes», a que se lhe seguiu um "Restaurant & Bar" que faz parte do "Independente Hotels and Hostels" instalado no prédio.


fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de Lisboa, Digitile (Biblioteca de Arte - FCG)

9 de março de 2025

Hotel Royal Belle Vue

O "Hotel Restaurant Royal Belle Vue", foi inaugurado em 10 de Julho de 1909, na Praia das Maçãs. Foi seu promotor o capitalista Eugène Levy, grande dinamizador da Praia das Maçãs. O projecto foi da autoria do arquitecto Miguel Ventura Terra (1866-1919), e a construção ficou a cargo de Francisco dos Santos.



"Diario Illustrado" de 10 de Julho de 1909

Em 25 de Abril de 1908 aquando da cerimónia do «pau de fileira» o jornal "Gazeta de Cintra" noticiava:

«Pela tarde do dia 18 realizou-se na aprazível Praia das Maçãs a tradicional festa da collocação do "pau de fileira" na magnifica propriedade em construcção, e destinada pelo nosso amigo e abastado capitalista Mr. Eugéne Levy ao estabelecimento de um grande hotel, o qual decerto, e especialmente na estação calmosa, deve não só tornar-se de muita utilidade para os numerosos forasteiros da capital, como irá dar uma agradável animação aquella formosa praia.
Na construcção do excellente  edificio a cargo dos Srs. Ventura Terra, conceituado architecto e Francisco dos Santos digno fiscal de obras do municipio, teem trabalhado 36 operários, aos quais o generoso proprietário offereceu por occasião da festa, um excellente jantar, gratificando pecuniariamente todo o pessoal.»


"Hotel Royal Belle Vue" à esquerda no postal, ainda em construção

Projecto inicial e publicado na notícia atrás mencionada

Segundo a gravura publicada no mencionado jornal (gravura anterior), e atentando à configuração final inaugurada, depreendo que apenas terá sido construída uma primeira fase do Hotel - o bloco do topo oriental - tendo ficado a faltar completar o projecto inicial, bem mais grandioso. Isto depreendo eu, repito ...

Observe-se a empena poente (bem diferente da nascente), parecendo que "espera" outro bloco a encostar num futuro ...

18 de Maio de 1909

«O projecto e iniciativa estiveram a cargo de Eugène Levy. Traçaram-se novas ruas, macadamizaram-se estradas, regulamentaram-se as construções, organizaram-se os espaços, e, segundo um projecto do arquitecto Ventura Terra, proveu-se à construção do Hotel Royal Belle Vue, construído por Francisco dos Santos. Esperava-se que o referido Hotel impulsionasse o turismo balnear, tendo-se apostado, por isso, na higiene, elegância e conforto. O Hotel Royal possuía água potável, directamente canalizada para o restaurante, e iluminação eléctrica em todos os quartos.
«Por seu lado, a estação telégrafo-postal, instalada em frente ao Hotel, o telefone Praia-Sintra-Lisboa e o serviço médico permanente existente na região, completavam este empreendimento da Praia das Maçãs.» in:  Centenário da República,1910-2010. (in blog "Provocando")


14 de Julho de 1909


"Hotel Royal Belle Vue" ao fundo da Avenida Eugéne Levy

Este hotel tinha sido concebido para receber a aristocracia e, em 22 de Julho de 1909, o jornal "Diario Illustrado" informava:

«Os importantes melhoramentos ultimamente realisados n'esta praia, teem chamado grande concorrencia, não sendo difficil prever que este anno sera a praia das Maçãs um ponto obrigado de muitas reunides elegantes.
Na terça-feira passaram alli o dia, jantando no Hotel Royal Beile Vue, os srs. Condes de Figueiro, Eduardo Perestrello e esposa, Joaquim do Espirito Santo Lima e esposa, Baroneza de St. George, D. Maria de Vasconcellos e Almeida, D. Maia de Mello e Castro (Galveias), Simão Lopes e D. Antonio de Almeida Correia de Sá, regressando a Cintra á noite.
Tambem se acham hospedados no referido hotel Belle Vue, ha pouco inaugurado, os srs. Amelio Henrique do Rego Barros e familia e dr. Santos Loureiro e familia.
Hoje é inaugurado o «Lawn-tennis» por um grupo de jogadores da nossa primeira sociedade.»


13 de Agosto de 1909

 

23 de Agosto de 1909


A seguir à implantação da República a 5 de Outubro de 1910 a sua frequência apenas mudou de aristocracia monárquica para aristocracia republicana. Ou seja a frequência dos Marqueses foi substituída pel de Ministros, Condes por Conselheiros … Exemplo disso a estadia de Afonso Costa, Chefe do Governo e dirigente do Partido Democrático, em 21 de Outubro de 1913, que deu azo a uma tentativa do seu assassinato, durante um «Complot», que pretendia instaurar de novo o regime  monárquico.

Na revista "Ilustração Portugueza" de 6 de Outubro de 1913

O "Hotel Royal Belle Vue", não durou muitos anos, pois a 17 de Novembro de 1921 foi alvo de um violento incêndio que o destruiu por completo. A propósito ...

«Registou-se um pavoroso incêndio no Royal Hotel Bellevue, ficando o edificío praticamente destruído.(...)
Com autorização e até convite do Sr. Garcia, o eléctrico levou não só os bombeiros e o seu material como até os populares que ali se encontravam.» in 
 jornal "A Voz de Sintra" do mesmo dia.


À esquerda no postal os "restos mortais" do hotel, após o incêndio

«Também José Alfredo Azevedo, refere a destruição do "Hotel Royal Bellevue", e o facto de «a bomba de picota, que os bombeiros possuiam, ser transportada numa vagoneta atrelada a um carro eléctrico, o transporte mais rápido daquele tempo, conduzido pelo chefe de movimento da Sintra Atlãntico, Cândido do Souto, que transportou, também os bombeiros tendo feito o percurso no tempo de 25 minutos, o que foi um recorde.» in blog "Rio das Maçãs".

Outro "Hotel Royal" viria a ser construído na Praia das Maçãs, mas desta vez pelas mãos de Evaristo Sernadas. Não consegui saber o ano da sua abertura.

 fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca Nacional DigitalArquivo Nacional da Torre do TomboDelcampe.net, Rio das Maçãs