Restos de Colecção

8 de setembro de 2024

Fábrica de Tapetes de Beiriz

A "Fábrica de Tapetes de Beiriz, de C.R. Miranda" foi fundada por Hilda de Brandão Miranda e seu marido Carlos Rodrigues Miranda, em 17 de Julho de 1919 na povoação de Calves - Beiriz, no concelho da Póvoa do Varzim.


"Fábrica de Tapetes de Beiriz, de C.R. Miranda" no seu início

Hilda de Almeida Brandão Rodrigues Miranda (1892-1949), natural de Salvador da Bahia, no Brasil, casou em Beiriz em 1912, com Carlos Rodrigues Miranda (c.1892-1963) - engenheiro naval na Marinha - e foram viver para o Porto. Por lá tiveram três filhos, dois rapazes e uma rapariga Maria Manuela que com cerca de um ano de idade viria a falecer. Com o desgosto, decidiram ir passar uns tempos a Beiriz, ficando na casa de família. Para passar o tempo, D. Hilda Miranda começou a fazer uns primeiros tapetes, como hobby, e a vender. Seria Carlos Miranda que construiria uma tinturaria própria para tingimento das lãs, todas elas portuguesas. O negócio em dois anos rapidamente se expande devido aos conhecimentos privilegiados que Carlos Miranda mantinha na sociedade de então, tanto no Porto como em Lisboa, como no Brasil.

Hilda de Almeida Brandão Rodrigues Miranda (1892-1949), e Carlos Rodrigues Miranda (c.1892-1963)

Começou com uma manufactura muito pequena, com dois teares e seis camponesas tecedeiras, cuja formação técnica era dada pela proprietária Hilda Miranda. Devido à rápida projecção e  sucesso, o hobby transformou-se num negócio. Publico de seguida uma artigo publicado na revista "Ilustração Portugueza" de 10 de Dezembro de 1921, que inclui uma entrevista à fundadora ...



Primeiros teares e tecedeiras


Forno da tinturaria


Exposição no stand da firma "Rugeroni & Rugeroni, Lda.", em 7 de Julho de 1922


22 de Dezembro de 1923


Duas fotos da exposição na "Sociedade Nacional de Belas Artes", em 26 de Novembro de 1927



Outra em lugar não identificado

No "Arquivo Histórico da Presidência da República" no capítulo das "Cancelarias Honoríficas" e intitulado "Hilda de Almeida Brandão Rodrigues Miranda (Mestra e proprietária da Fábrica de Tapetes de Beiriz)", o registo descreve:

«Inclui: proposta do Ministro do Comércio e Comunicações, Artur Ivens Ferraz, para condecoração com o grau de Oficial da Ordem do Mérito Agrícola e Industrial, Classe de Mérito Industrial, datada de 6 de setembro de 1927; respetivo boletim /declaração de aceitação da condecoração com o grau de Oficial da Ordem do Mérito Agrícola e Industrial, Classe de Mérito Industrial, assinada pela agraciada, em 26 de setembro de 1927; decreto de concessão do grau de Oficial da Ordem do Mérito Agrícola e Industrial, Classe de Mérito Industrial, assinado pelo Presidente da República, António Óscar F. Carmona, e pelo Ministro do Comércio e Comunicações, Artur Ivens Ferraz, datado de 31 de dezembro de 1927 (publicado em Diário do Governo nº 29 - II Série, de 6 de fevereiro de 1928)

Inclui também ofício do Ministro do Comércio e Comunicações, João Antunes Guimarães, dirigido ao Chanceler das Ordens Portuguesas, propondo a condecoração de Hilda de Almeida Brandão Rodrigues Miranda e do seu marido, Carlos Rodrigues Miranda, com a comenda da Ordem do Mérito Industrial, datado de 11 de setembro de 1930 proposta - aceite pela própria e aprovada pelo Conselho da Ordem - mas sem sequência, por razões não identificadas.»

Hilda Brandão Miranda, viria a ser a única mulher a marcar presença no I Congresso da "União Nacional", em Maio de 1934, de entre os industriais mais importantes do país. Neste ano a "Fábrica de Tapetes Beiriz" já contava com mais de sessenta teares e cerca de 350 operárias.

Hilda Brandão Miranda (1892-1949)




Tear de 8 metros para o fabrico da carpete seguinte (carga no camião)



Sala dos teares

E quanto às mulheres operárias da região, já em 1924 no livro "A Grande Aliança" a sua autora Ana de Castro Osório escrevia: 

«É que as mulheres de Vila do Conde, de Azurara e da Póvoa são da mesma raça tenaz e forte, que faz de cada pescador um herói.
É nessa região que se criou a já hoje grande indústria dos tapetes de Beiriz, que pelo seu desenvolvimento mecânico não pertence às pequenas indústrias, mas delas deriva directamente, indústria que entre parentesis devemos frisar, se deve em grande parte à iniciatíva duma senhora e quasi ao trabalho exclusivo feminino.»


Exposição conjunta da "Beiriz" com os artistas Ruben Trinas e Thomaz de Mello em 1928


Exposição no "Palace Stand" em 20 de Maio de 1928. Na foto o Chefe de Estado, General Óscar Carmona, e Carlos Rodrigues Miranda


Visita do Ministro do Comércio, Alfredo Augusto de Oliveira Machado e Costa, à "Fábrica de Tapetes de Beiriz, de C.R. Miranda" , em 25 de Outubro de 1928


1929


Participação na "Exposição Portugueza em Sevilha" em 1929


1934

Em Lisboa, o seu representante oficial era a casa "Quintão", na Rua Ivens, 32. Tinha sido fundada por António Germano Quintão em 1 de Maio de 1880.



1938


1944

Em 1940, por ocasião das comemorações do Triplo Centenário, o jornal "O Século" editou uma revista comemorativa onde, também se referia a esta fábrica. Passo a transcrever grande parte do texto:

«A Fábrica de Tapetes de Beiriz, bem conhecida em todo o Portugal, foi fundada pela sr.a D. Ilda de Brandao Miranda, com a coadjuvação de seu marido sr. Carlos Miranda, que assumiu a gerência comercial da fábrica, instalada em Calves, Beiriz. Em breve os tapetes se tornaram célebres, não só no nosso Pais como no Brasil, Argentina, Bélgica, França, Inglaterra, Estados Unidos, e até na nossa longinqua colónia de Macau.
São portugueses os operários que manufacturam os tapetes: as lãs e os desenhos são também nacionais. O valor desta florescente indústria confirma-se na seguinte estatistica de consumo de lã.
Em 1919 gastaram-se 500 metros quadrados: em 1923, 3.000; em 1927, 8.000; em 1931, 10.000; em 1937, 16.000.
Com uma vontade forte, os proprietários da fabrica de Beiriz conquistaram o mercado nacional e alguns estrangeiros e ainda ha poucos anos, o Governo Português para premiar o esforço e a inteligência da sra. D. Ilda Miranda, concedeu-lhe a Comenda de Mérito Industrial e o seu marido sr. Carlos Miranda, foi também agraciado com a Comenda da Coroa, pelo falecido Rei Alberto da Bélgica, por ocasião da Exposição de Antuérpia. Concorreram a mais de quarenta exposicões nacionais e internacionais e em todas elas obtiveram Medalhas de Ouro e de Prata, diplomas de honra, etc ..
Para melhor apreciarmos a preferência que têm no Pais e no Estrangeiro os tapetes de lã de Beiriz, citamos apenas como exemplo as seguintes casas decoradas com estes afamados produtos nacionais: reforma no Palacio de Belém; embaixada de Portugal, em Londres; no Banco de Portugal; suas delegações de Viseu, Braga e Porto; Casino do Estoril; Reids Hotel da Madeira; Teatro Municipal do Rio de Janeiro; Pavilhões de Portugal nas exposições de Paris, de Antuerpia, Nova-York, etc. São notaveis as referencias que têm tido de todo o Mundo - destacando-se entre essas a celebre conferencia realizada em Paris pelo grande critico Fernando Gregh e as palavras amáveis de S. S. Majestades a Rainha da Bélgica e ex-Rainha de Espanha. 
Por diversas vezes a Fabrica de Tapetes de Beiriz tem sido visitada por Chefes do Estado e ministros. A colocação dos produtos manufacturados no mercado está garantida por contratos especiais de venda com casas revendedoras de Lisboa e Porto que se comprometeram a um mínimo de consumo que orça por dois terços da produção anual. Igualmente estão a ser trabalhados os mercados estrangeiros, conseguindo-se grandes encomendas para o Rio de Janeiro e se as condições melhorarem, renovar-se-ão vários contratos, destacando-se o do exclusívo de venda adquirido pela maior firma importadora de Nova York que comprou grandes quantidades do artigo e se referiu em termos elogiosos á forma de trabalhar desta fábrica e à perfeição dos seus tapetes que são a honra e o orgulho da industria artistica de Portugal. (…)»


"Depósito de Tapetes Beiriz" na cidade do Porto, em 1940


Junho de 1942


Abril de 1943


Tapete Beiriz num salão do "Aviz Hotel" em Lisboa


Tapete Beiriz num salão do "Teatro Nacional de S. Carlos"

Uma curiosidade: existiu um navio vapor com o nome "Beiriz" (1932-1936). Adquirido em 1932, era propriedade da "Companhia Atlantica de Navegação Limitada" e foi registado no porto de Lisboa. Desde 1932 até 1936, efectuou ligações com os portos de Falmouth, Hamburgo, Rotterdam, Anvers, Penarth, Faial, Cardiff, Las Palmas, Tenerife e outros, sob o comando do Capitão Joaquim José de Brito.

Navio-vapor "Beiriz"

Com o 25 de Abril de 1974, devido aos problemas políticos e laborais inerentes da época, a fábrica foi forçada a encerrar em 1975, e algumas operárias foram trabalhar para outra fábrica de tapetes, a "Fliterman" na Senhora da Hora, que tinha sido, também, cliente da Beiriz. Em 1989, uma alemã de seu nome Heidi Hannemann que tinha trabalhado na "Flitermann", juntamente com o seu marido José Ferreira, decidiram arriscar, e reabriram a "Fábrica de Tapetes de Beiriz" sob a nova firma "Fábrica Artesanal de Tapetes de Beiriz II, Lda.", readmitindo seis antigas operárias. A recuperação e reposicionamento no mercado foram uma realidade.

Heidi Hannemann

Actualmente propriedade de Cátia Ferreira filha de Heidi Hannemann e José Ferreira, a "Fábrica Artesanal de Tapetes de Beiriz II, Lda.", continuando a basear a sua manufactura na técnica do «nó de Beiriz», emprega actualmente trinta funcionários, permitindo o fabrico anual de 1.500 tapetes, que consomem, 95 toneladas de lã. Para além dos tapetes de «nó de Beiriz», produzem-se também os tufados manuais e mecânicos que são exportados para todos os cantos do mundo.

Cátia Ferreira, actual proprietária da "Fábrica Artesanal de Tapetes de Beiriz"


A proprietária com algumas das suas operárias


Capa de catálogo


Instalações fabris, inseridas num complexo industrial com outras empresas


E do outro lado da rua (Rua do Comendador Brandão) ... onde tudo começou.


Bibliografia e algumas imagens: vídeo "Visita Guiada aos Tapetes de Beiriz" (autoria Paula Moura Pinheiro) - 4 de Dezembro de 2017 - Episódio 25 - RTP 2

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca Nacional DigitalArquivo Nacional da Torre do TomboBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Beiriz


4 de setembro de 2024

Antonio Couto - Alfaiate

O famoso "A. Couto - Alfaiate", de seu nome completo António Couto Martins, iniciou o sua carreira de alfaiate por conta própria em 10 de Abril de 1891, abrindo o seu primeiro atelier nos números 84 e 86 da Rua do Alecrim (primeiras portas de quem desce a Rua do Alecrim do lado esquerdo logo a seguir à Igreja da Encarnação). Tinha iniciado a sua carreira profissional na "Casa Keil" na Rua Nova de S. Francisco (actual Rua Ivens), e lá foi ficando até à morte de mestre João Keil, que a par de "Amieiro - Alfaiate dos Reis e Rei dos Alfaiates" (que ficou, no início, com as suas instalações) dos mais famosos alfaiates de Lisboa, de sempre. João Cristiano Keil era pai de outro famoso Keil: o músico, compositor, pintor e poeta Alfredo Keil (1850-1907).


Atelier na esquina do Rua do Loreto com a Rua da Emenda


12 de Abril de 1891

O primeiro atelier de Antonio Couto Martins, nas 2 primeiras pequenas portas, à direita na foto


29 de Novembro de 1891

Aquando da abertura do seu primeiro atelier, o jornal "Diário Illustrado", de 10 de Abril de 1891, comentava:

«Keil foi grande alfayate portuguez, memoravel na historia da elegância nacional.
Keil morreu, mas deixou sucessor: é o sr. Antônio Couto Martins, que se estabeleceu na rua do Alecrim, 84.
A sua tesoura faz milagres. E' o que podemos affirmar»

Em 1893, Antonio Couto já estava instalado numa loja na Rua do Alecrim, 129 e 131, no edifício de esquina com a Praça Luiz de Camões, e vizinho da "Pharmacia Freire de Andrade & Irmão", instalada nas portas 123, 125 e 127, desde 1880.


5 de Novembro de 1893

Mas em 11 de Agosto de 1895, já estava instalado na mesma Rua do Alecrim, mas no 110 -1º andar. Uma curiosidade: em 1860, neste mesmo 1º andar, funcionava um "Consultorio Especial de Homoeopathia Pura sob a proteção de sua excellencia o Sr. Marechal Duque de Saldanha seu presidente honorario».


11 de Agosto de 1895

O "Almanach Palhares", de 1900, escreveu um artigo acerca do percurso profissional até aquele ano deste alfaiate. Desde já duas ressalvas no texto: o nome António do Couto não está correto - assim como noutros anuncios publicitários - mas sim António Couto (Martins); e o seu atelier não começou, em 1891, na Rua do Alecrim 111-1º mas sim nos números 84-86 (mesmo defronte do nº 111).

«Em Lisboa, pouca gente haverá que não conheça, sequer de nome, o Couto alfayate, e comtudo a sua fama não deriva do reclamo persistente dos jornaes, que são como as machinas de fazer reputações, nem sempre solidas, em poucas semanas.
A'parte os annuncios do estabelecimento, a imprensa periodica pouco se dedica a elogiar os trabalhos, entretanto dignos do maior elogio, do sr. Antonio do Couto.
Provém então a fama d'este distincto artista dos depoimentos que fazem em abono da sua tesoura prestigiosa as suas proprias obras, que alcançam o maximo da perfeição e o cumulo da elegancia.
Além do muito que poe de sua parte para estes felizes resultados o talento artistico do sr. Couto, convém esclarecer que elle foi o discipulo dilecto e o natural successor do celebre alfayate sr. Keil, que até á sua morte deu a lei nos assumptos tocantes á toilette masculina.
Morreu o famoso artista allemão, e o sr. Couto herdou-lhe a fama e a clientella, composta de cavalheiros distinctos que teem o culto do vestuario e o instincto do bom gosto e do luxo. Na verdade, um homem por mais distincto e talentoso que seja, envergado n'um fato mal feito, é como uma excelente comedia no meio d'um scenario pelintra: poderá dizer bocadinhos de ouro e ter maneiras de gentilhomem que sempre terá o quer que seja de ridiculo.


O primeiro atelier nas 2 primeiras pequenas portas à esquerda no postal. O segundo atelier de "A. Couto" na loja à direita do candeeiro ("nabo") em primeiro plano. O terceiro atelier de "A. Couto" no 1º andar à direita do poste de suporte ao cabo do eléctrico, e à direita no postal

Ao contrario, aquelle que ainda que pouco primoroso de maneiras e pouco saliente de espirito se apresentar com um fato de corte impeccavel e de acabamento perfeito, tera ao menos a apparencia, e isto é muito por mais que digam os philosophos n'uma epoca em que quasi de apparencias se vive.
E' o sr. Couto, pois, o alfayate da moda, o Keil da actualidade sem lhe faltar nada - incluindo a galanteria e amabilidade com que trata os seus freguezes. Noblesse oblige!
E se ha algum ponto em que se difference do seu mestre e antecessor na celebridade, será em ser menos exigente no tocante a remunerações generosas.
Está ha nove annos estabelecido no 1." andar do predio n.° 111 da rua do Alecrim, onde tem visto augmentar sempre a sua clientella e avultar a sua fama que elle proprio tem edificado.
E' esta a sua justa e grande gloria e por isso o felicitamos e admiramos, como a todos quantos sabem elevar-se pela intelligencia e pelo trabalho.
O sr. Antonio do Couto tenciona concorrer com as suas obras a próxima exposição de Paris, onde a industria de alfayateria portugueza fará, certamente, brilhante figura, visto que este ilustre artista se encontra no caso de hombrear com os seus collegas mais afamados do extranjeiro e adquirir um nome universal.»


1900


1902


1903

Por volta de Outubro de 1909 a já "A. Couto - Alfaiate", mudou de instalações da Rua do Alecrim 110-1º, para o 1º andar do prédio de esquina do Rua do Loreto com a Rua da Emenda, pela qual se fazia a entrada pelo nº 118. 


10 de Outubro de 1909


1915