Restos de Colecção

9 de janeiro de 2025

"Casino da Ponte" em Gaia

O "Casino da Ponte" foi construído no Lugar do Senhor do Além, na escarpa da Serra do Pilar nos finais do séc. XIX, beneficiando da construção da "Ponte Luiz I" à quota alta. De notar que, na sua construção, foram usados os quatro arcos que estavam à entrada do convento de São Bento da Ave-Maria, adquiridos aquando da demolição do mosteiro. Três encontram-se voltados para norte (perfeitamente visíveis nesta imagem) e o quarto para poente.

"Casino da Ponte" - Grande Jardim Restaurante


Configuração inicial do edifício do "Casino da Ponte", no final do século XIX

O edifício ficava mesmo abaixo do "Mosteiro da Serra do Pilar", construído durante os séc. XVI e XVII e inaugurado em 1670 para acolher os agostinhos que vieram transferidos do "Mosteiro de Grijó". Durante o Cerco do Porto, foi ocupado pelas tropas liberais, que montaram aí um dos seus postos de comando. Atualmente alberga um espaço de promoção do turismo do Norte de Portugal e o quartel do "Regimento de Artilharia N.º 5" da Serra do Pilar.

Serra do Pilar cerca de 1865

Neste edifício funcionaram até finais da década de 20 do século XX além do casino, inicialmente, um misto de restaurantes panorâmicos, casa de jogo e de espetáculos. 

Ao "Casino da Ponte", seguiu-se-lhe o "L' Etoile" um jardim-restaurante, inaugurado em 20 de Junho de 1906. 

20 de Junho de 1906

"L' Etoile" no lugar do "Casino da Ponte", já com a linha do eléctrico instalada na Ponte D. Luiz I, desde 1905

A propósito da inauguração do "L' Etoile", o jornal "A Voz Publica" noticiava:

«L'Etoile - Se os snrs. quiserem ter a mais agradavel das surprezas, visitem hoje este grande Cafe Restaurante, á saida do taboleiro superior da ponte Luiz I, lado de Gaia. E' realmente coisa maravilhosa de ver-se e nao encontrarão no paiz nada que em originalidade se lhe compare.
L' Etoile abre hoje ao publico. E servil-o-a excelentemente. Experimentem.
Hontem, foi a visita de amigos e imprensa. Sairam todos encantados.»


29 de Dezembro de 1908

Paragem do Eléctrico mesmo ao lado do "L' Etoile"

Ao "L' Etoile" seguiu-se o "Restaurante Jardim da Ponte", em 1913, que oferecia, também, o serviço de pensão com «esplendidos quartos, bem mobilados e muito confortáveis». 


23 de Março de 1913

Depois de um ponto final aos casino, restaurantes e pensão o imóvel foi comprado pela "Barros Almeida & Companhia", fundada por Manoel de Almeida, em 1913, como "Almeida em Commandita" e produtora dos vinhos "Porto Barros", e que chegou a alugar as instalações ao fabricante e comerciante de mobiliário "J. Loureiro, Lda."

Pode-se observar a taboleta do fabricante de móveis e colchoaria "J. Loureiro, Lda."


Nas traseiras do edifício (ver na direita da foto anterior)

Depois de muitos anos praticamente ao abandono, o edifício foi adquirido pela sociedade de gestão de património "Caler Advisory & Asset Management", gestora do fundo de investimento "RSR Singular Assets Europe", que geriu  a aquisição, licenças, obras de adaptação do hotel e gestão de projeto, até à entrega da nova unidade hoteleira "Vincci Ponte de Ferro" à cadeia espanhola  "Vincci Hoteles", gestores da unidade. O projeto de arquitetura realizou-se em conjunto com o arquiteto José Gigante e o estúdio de arquitetura de Barcelona "GGV Arquitetura".



Com dois hotéis em Lisboa e um no Porto, a cadeia espanhola "Vincci Hoteles" inaugurou esta nova unidade hoteleira de Vila Nova de Gaia, em 15 de Junho de 2021, resultando de um investimento de 29 milhões de euros. Esta sua 4ª unidade hoteleira em Portugal, é formada por um conjunto de vários edifícios, o principal dos quais acolhe a recepção, o lobby bar e a suíte. Oferece 94 quartos.



6 de janeiro de 2025

Drugstore Sol a Sol

O primeiro Centro Comercial de Lisboa, foi inaugurado com a designação de "Drugstore Sol a Sol" (à semelhança da designação inglesa na época), em 20 de Dezembro de 1967, numa cave do edifício 232 da Avenida da Liberdade, com ligação e saída/entrada à Rua Rodrigues Sampaio, 77. O primeiro Centro Comercial do país tinha sido inaugurado no Monte Estoril com a designação de "Centro Comercial do Cruzeiro", em 1951. consultar neste blog o seguinte link: "Primeiros Centros Comerciais".


Entrada modesta e discreta do "Drugstore Sol a Sol"


"Drugstore Sol a Sol" e seus edifícios vizinhos a Sul, todos construídos no final do século XIX


O edifício do "Drugstore Sol a Sol" na Avenida da Liberdade (dentro do rectângulo a vermelho) e frente ao "Hotel Tivoli"

O "Drugstore Sol a Sol" foi fundado pela empresa "Sol a Sol - Sociedade Portuguesa de Comércio Turístico, S.A.R.L." cuja escritura pública foi lavrada em 16 de Outubro de 1967. Com sede na Rua Rodrigues Sampaio, 77 e 79 tinha um capital social de 2 000 000$00 distribuído pelos seguintes sócios fundadores: Henrique Plácido Gomes, 100 000$, ou 100 acções; D. Custodia Gamito Pereira Torres, 20 000$ ou 20 accões: Samuel Azavey Torres de Carvalho, 50 000$, ou 50 accões; José Ruela de Almeida e Silva, 50 000$, ou 50 acções; Afonso Henrique de Noronha Paulino e Trancoso, 500 000$, ou 500 acções; Rui Manuel Valentim Barbosa de Carvalho, 20 000$, ou 20 accões; Pedro Miguel Lapa Matos Chaves, 500 000$, ou 500 acções; José Luis Lameiro Botas, 20 000$, ou 20 acções; Jaime Carvalho Vicente, 700 000$, ou 700 accões; e Dr. Fernando Jose Russo Roque Correia Afonso, 40 000$, ou 40 acções.




20 de Dezembro de 1967

Com 33 lojas o seu horário estendia-se entre as 9:30 da manhã  e as 23:30 da noite - «um horário que lhe permite estar (também) aberto às horas que as outras lojas fecham as suas portas». A página que publico de seguida ilustra bem este «revolucionário» estabelecimento para a época.


(clicar para ampliar)


Discoteca e crachá


"Drugstore Sol a Sol" à esquerda (na foto) do novo edifício em construção

A este "Drugstore Sol a Sol" seguiu-se-lhe o imponente e requintado Drugstore "Tutti Mundi" , na Avenida de Roma, em Lisboa e inaugurado em praticamente um ano depois deste, em 19 de Dezembro de 1968.

A vida do "Drugstore Sol a Sol" terá sido muito curta. Não consegui saber já que a sua publicidade era praticamente inexistente (tirando no mês da sua inauguração), mas na convocação de uma assembleia geral da sociedade proprietária, para 20 de Outubro de 1970 o 4º e último parágrafo da ordem de trabalhos referia: «Análise da vida social e eventual deliberação acerca da situação económica e financeira da Sociedade, com vista à definição das medidas a adoptar.» . Mas o 1º parágrafo ... «Apresentação do pedido de demissão do actual presidente da mesa da assembleia geral.», não augurava nada de bom, penso eu ...

Após o seu encerramento, a porta de entrada na Avenida da Liberdade para este estabelecimento, foi retirada e reposta a janela anteriormente substituída na fachada, como se poderá ver nas fotos seguintes.



Frente para a Avenida da Liberdade. Antiga porta do "Drugstore Sol a Sol" onde está a primeira janela, junto ao chão, à direita na foto


Antiga entrada/saída pela Rua Rodrigo da Fonseca


Antiga calçada com a denominação "Drugstore Sol a Sol" ainda resiste aos tempos ...

Quanto à empresa "Sol a Sol - Sociedade Portuguesa de Comércio Turístico, S.A.", só viria a ser liquidada e dissolvida em Dezembro de 2011.


29 de dezembro de 2024

Farmácia Almeida, ex -"Botica do Padre Ignacio"

A "Farmácia Almeida", que esteve localizada na Rua da Madalena, 134-136, em Lisboa, teve origem na "Botica do Padre Ignacio" que iniciou a sua actividade no Largo dos Caldas, nº 90 - muito perto dos nos 134-136 da Rua da Magdalena - no início do século XIX.

"Pharmacia Almeida" na Rua da Magdalena, 134 e 136

A "Botica do Padre Ignacio" foi criada pelo Padre Inácio da Conceição Martins, um boticário e clérigo português do século XIX, conhecido principalmente por sua atuação na área da farmácia. Começou a sua actividade no Largo dos Caldas, nº 90, como já referido, e cerca de 1860, já estava instalado na Calçada dos Caldas (mais tarde Rua da Magdalena) 134-136.

Este padre destacou-se pela criação de remédios à base de plantas medicinais e outras substâncias naturais. Ele combinava seu conhecimento religioso com práticas farmacêuticas, e criou uma série de fórmulas caseiras que ganharam popularidade pela eficácia e pelos benefícios que ofereciam à saúde. A mais famosa dessas fórmulas foi a dos "Caldos Peitorais do Padre Ignacio", um remédio utilizado para tratar problemas respiratórios, especialmente a tosse e a bronquite.


26 de Abril de 1827



Uma das tabuletas lembrava a vertente de perfumaria (se não a principal)

A botica, ou pharmacia, que ele fundou tornou-se um local de referência em Lisboa, atraindo uma grande clientela que buscava seus tratamentos naturais. A reputação de Padre Ignacio como boticário e seus remédios espalhou-se por toda a cidade e além, tornando-se um marco na medicina popular portuguesa da época. Além de seu trabalho na farmácia, o Padre Ignacio da Conceição Martins era um sacerdote católico que combinava sua vocação religiosa com o interesse por práticas de cura natural. Embora não existam muitos detalhes biográficos específicos disponíveis sobre ele, sua contribuição para a medicina natural em Portugal e a popularidade de seus remédios garantiram seu lugar na história da farmácia tradicional portuguesa.

Voltando aos "Caldos Peitorais do Padre Ignacio" que eram amplamente utilizados para tratar problemas respiratórios, como tosse e bronquite. Esta "farinha peitoral" era uma mistura de substâncias conhecidas por suas propriedades terapêuticas, incluindo ingredientes como alteia, alcaçuz e funcho. Essa fórmula se tornou muito popular devido à sua eficácia e ao boca-a-boca entre os clientes, que associavam os produtos da botica à sabedoria e à experiência do padre em tratar doenças com remédios naturais. Além da farinha peitoral, a botica do Padre Ignacio oferecia uma variedade de outros remédios, muitos dos quais eram preparados seguindo receitas tradicionais e conhecimentos da medicina natural. A botica era frequentada por pessoas de diversas classes sociais, atraídas pela reputação do padre e pela qualidade dos produtos que ele oferecia.


29 de Abril de 1865


22 de Março de 1878

Por morte do Padre Ignacio, sucedeu-lhe na botica, em 1855 Domingos Caetano de Figueiredo, a que se lhe seguiu, em 1880, Amaro Joaquim Figueiredo. A este se seguiu Antonio Simões Terceiro em 1883, e em 1885 já era Francisco Manuel Pereira d'Almeida, proprietário da, já, "Pharmacia Almeida". Por morte deste último, sucedeu-lhe, em 1907, seu filho Raul Pereira d'Almeida em 1907, também farmacêutico e que a manteve na família até 1926.


1885

1888

Do livro "Praça de Lisboa", organizado por Carlos Bastos em 1945, retirei o seguinte texto (com alguns erros cronológicos no mesmo ...) :

«Perderam-se, infelizmente, os elementos que documentavam a fundação desta antiquíssima casa, mas diz-nos a tradição oral, de autorizada idoneidade, que a sua actividade data já de alguns séculos, possívelmente desde 1669, sendo, portanto, a mais remota farmácia do país. 
A exemplo de outros estabelecimentos similares é natural que fôsse fundada por qualquer ordem eclesiástica, explorando directamente ou sob a responsabilidade de um membro da congregação. Como presuntivo fundador ou um dos seus primeiros proprietários, chegou até nós o nome de certo Padre Inácio, que lhe deu fama e a tornou conhecida e popular em tôda a Lisboa, pela designação de «Botica do Padre Inácio», perdurando título durante longos anos graças a haver aquêle eclesiástico inventado uma farinha peitoral de extraordinário resultado medicinal, ainda hoje vendida com pleno êxito não só em Lisboa como nas mais distantes terras da província.


24 de Dezembro de 1891


17 de Dezembro de 1898


24 de Dezembro de 1909

Em época mais próxima, a um parente ainda do Padre Inácio, foi a casa tomada de trespasse por Francisco Manuel Pereira d'Almeida que lhe deu o nome de Farmácia Almeida e a administrou até 1926, ano em que passou à posse da firma Nunes & Infante, constituída entre Manuel Nunes e Anselmo dos Santos Infante. Cêrca de um ano após, o sócio Infante cedeu a sua cota ao sócio Nunes e, de comum acôrdo, desligou-se da sociedade, ficando ela, no entanto, sempre com a mesma razão social. Manuel Nunes, actual e único proprietário da firma, é um profissional competente e muito estimado, tendo uma longa experiência do métier, pois nêle trabalha desde os doze anos de idade.


Manuel Nunes

Oriundo de Dardovaz, concelho de Tondela e distrito de Viseu, foi da sua terra natal para S. João do Campo empregar-se como marçano num estabelecimento da especialidade, aí permanecendo três anos aproximadamente. Passou depois a praticante de uma outra farmácia, em Coimbra, tendo então ocasião de revelar os excelentes predicados de que era dotado. Tal aproveitamento consentiu-lhe transferir-se para Lisboa em condições vantajosas, ingressando então na casa de que é agora proprietário.
Sob a sua orientação a Farmácia Almeida desenvolveu-se com progressivo incremento, continuando brilhantemente as honrosas tradições multiseculares que a elevaram no conceito e preferência de vasta clientela disseminada em todo o continente. Para isso muito contribuíu a lúcida propaganda dos seus artigos e reputados preparados e a criação de novos e não menos úteis produtos.
A par da preciosa «Farinha Peitoral do Padre Inácio » cuja fórmula do inventor subsiste, no arquivo da casa como bem de inestimável valor que debalde os falsificadores tentam imitar, a Farmácia Almeida lançou o acreditado «Pó de Varizes a que, através de imensos casos dificeis, tem demonstrado excepcional efeito.
As perfumarias preparadas nesta farmácia ganharam igualmente uma posição privilegiada no nosso mercado. A «Tintura Almeida» para tingir cabelo, barba ou bigode, é superior a quantas se tem inventado até hoje.
O «Pó de Arroz Glicerina » bem como o «Creme de Arroz Glicerina», são também dois excelentes produtos para a toillete das senhoras, na higiene e beleza do rosto.»

           

                               1 de Outubro de 1910                                                 25 de Dezembro de 1910

Não consegui saber mais nada, apenas que (visualmente) as instalações estão encerradas, já sem nenhum "rasto" da passagem da "Farmácia Almeida" por ali ...

Via "Google Maps" em Maio de 2023

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca Nacional Digital