Restos de Colecção: março 2024

31 de março de 2024

Ribeiro Oculista

A casa "Ribeiro Oculista", foi fundada em 1858 como "J.J. Ribeiro", nome do seu fundador José Joaquim Ribeiro, na Rua do Ouro 222 e 224, em Lisboa. José Ribeiro era já então um técnico de comprovado valor, tendo anteriormente feito exame profissional na "Casa dos Vinte e Quatro". Rapidamente atingiu posição destacada entre os melhores e mais reputados estabelecimentos do país, no ramo de oculista, instrumentos de precisão e aparelhos de laboratório.

Jose Joaquim Ribeiro


1877



Oculista e catálogo no final do século XIX e início do século XX

1880

Por sua morte, em 1903, a casa continuou a funcionar sob a firma "J.A.Ribeiro & C.ª ", firma de que faziam parte, além do fundador, seus sobrinhos Joaquim Aleixo Ribeiro e Leonardo Martinho Ribeiro. Joaquim Aleixo Ribeiro tinha tirado o curso no antigo "Instituto Industrial de Lisboa", após o qual ingressou na firma, como empregado em 1884, vindo a ser-lhe dada sociedade em 1892. Por morte de Leonardo Martinho Ribeiro, ficou como único proprietário da firma, tendo dado, sociedade, a alguns dos seus filhos, sucessivamente, sendo em 1946 seus sócios José Joaquim Ribeiro, Álvaro Ribeiro e Mário Gabriel Ribeiro.

"Ribeiro Oculista" na Rua Aurea 222-226


                                                    1934                                                                            1959

«J.A. Ribeiro & C.ª, cujas instalações e oficinas são hoje modelares e apetrechadas com a mais moderna aparelhagem da especialidade, representa no páis ou em Lisboa algumas das mais reputadas casas produtoras estrangeiras. Vendendo directamente para todo o continente, J.A. Ribeiro & C.ª fornece seleccionada clientela.» in: "Praça de Lisboa" (1946).

"Ribeiro Oculista" (à esquerda na foto dos anos 60 do século XX)

                                                   1961                                                                                1964

Em 1949, é fundada por José Joaquim Ribeiro outra loja de oculista a "Óptica Jomil" de  "Jomil Ldª ", na mesma Rua do Ouro, mas no 249, ao lado da "Ourivesaria Sarmento" (fundada em 1870). A sigla Jomil é o acrónimo de Jo - de José - mi de Maria e L de Leonardo - os filhos do fundador José Joaquim Ribeiro, avô do actual detentor. O mobiliário e estantes actuais são de origem, em madeira maciça de castanheiro, restauradas em 1998. Para o seu dono Sr. José Ribeiro, «A Jomil é única por se manter na mesma família, uma família de ópticos há 6 gerações: embora antiga tentamos posicionarmo-nos no mercado virados para o futuro e não estagnar».




"Óptica Jomil"

27 de março de 2024

Eduardo da Fonseca - Músico e Armazém de Músicas

Eduardo da Fonseca (1863-1938) foi um professor de música, compositor e editor musical, natural do Porto, cidade onde fundou a casa editora de músicas "Armazem de Musica, pianos e outros instrumentos de Eduardo da Fonseca", na Praça de Carlos Alberto, n.º 8, no Porto. Recebeu as insígnias de Cavaleiro da Ordem Militar de N.ª S.ª da Conceição de Vila Viçosa em 1892 e da Ordem de S. Tiago da Espada. Foi sócio correspondente da "Societé des Auteurs et Compositeurs de Musique" de Paris e do "Centro Musical Paraense" no Brasil, membro da "Comissão Portuense de Música Sacra", consócio do "Orfeão Lusitano" e do "Grupo de Santa Cecília".


Eduardo da Fonseca (1863-1938)



Praça de Carlos Alberto (lado ocidental)


Praça de Carlos Alberto (lado oriental onde se localizava a casa Eduardo da Fonseca)

A casa editora de música mais antiga do Porto foi a "Villa Nova, Filhos & Comp.ª " (1850-188?) e fundada por Carmine Alário Villa Nova. A sua atividade deveria estender-se à revenda de partituras estrangeiras e comércio de instrumentos musicais, pois num anúncio inserido no "Mundo Elegante" de Fevereiro de 1860, Villa Nova menciona uma lista extensa de partituras vendidas no seu estabelecimento, a qual incluía edições estrangeiras e de outros editores nacionais. Possuía oficina litográfica própria. A sua actividade terminaria na década de oitenta do século XIX como "Viuva Alario Villa Nova, Editora".


Partitura editada pela "Villa Nova, Filhos & Comp.ª ", em 1858

Em 1876, estabelecia-se no Porto a "Costa Mesquita Casa Editora de Musicas", apresentando simultaneamente, no rodapé de imprensa das partituras, duas moradas, uma localizada na Rua D. Pedro 94-96 e, outra, na Rua Nova do Sá da Bandeira 194-196. A partir de 1882 abandona a primeira morada, passando a mencionar apenas a segunda e altera a razão social para «Costa Mesquita Casa Editora de Musicas», indicando oficina litográfica própria, onde passa a imprimir todas as suas edições. É neste segundo período que publica o periódico "Orpheon: Contribuições para a Litteratura Musical", publicação mensal, cujo redator era o músico e maestro Bernardo Valentim Moreira de Sá (1853-1924) que fundaria a casa de música "Casa Moreira de Sá" em 20 de Dezembro de 1900 na Rua de Santo António, no Porto. A actividade comercial da "Costa Mesquita Casa Editora de Musicas" terminaria em 1891 com a denominação de "Viuva Costa Mesquita".


20 de Dezembro de 1890

E seguindo a ordem cronológica - indicando só editores de partituras - , chegamos a Eduardo da Fonseca que se estabelece na Praça de Carlos Alberto, 8, no Porto em 1890 com o seu estabelecimento "Armazem de Musica, pianos e outros instrumentos de Eduardo da Fonseca".

Para além de professor e editor de música, folclorista e compositor de música sacra, foi também autor de várias peças para piano, como valsas, polkas etc., anunciadas como de meia força ao serem publicadas pela sua casa editora de músicas no Porto. 


22 de Novembro de 1889

5 de Março de 1890

As novidades musicais da sua casa editora de músicas anunciadas em 1892 incluíam já "A Portuguesa", a marcha patriótica de Alfredo Keil que está na origem do futuro "Hino Nacional". Uma outra edição anuncia a das "Cenas Portuguesas" n.º 1 a 3 de Viana da Mota (1868-1948). Entre outros autores de obras publicadas pela casa editora encontram-se Pedro Blanco, Júlio Moutinho, A. Soller, B. Gouveia, F. Roncagli, A. Viana, Mutz, Lowthian, A. Lobo, X. Lopes, N. Ribas e A. Ferreira.

Recordo que, Eduardo da Fonseca actuava como executante de violoncelo num concerto de Ciríaco Cardoso (1846-1900), no "Theatro Baquet" (1859-1888) na noite do seu incêndio em 21 de Março de 1888.

Colaborou no "Cancioneiro de Músicas Populares" de César das Neves e Gualdino de Campos (1847-1919), que obteve o Grande Diploma de Honra da Exposição da Imprensa de 1898. Foi autor da transcrição para canto e piano das "Poesias e Canções Populares" do concelho da Maia recolhidas por A. Monteiro e revistas por S. Rocha em 1900.


1891


1893


Uma curiosidade: Eduardo da Fonseca escreveu, em 1913, a música para a opereta em 2 actos, "A Vivandeira" sobre o texto de António Baptista Alves de Lemos. A curiosidade está no facto de Alves de Lemos (autor de vários libretos teatrais) ser o proprietário da "Farmácia Lemos & Filhos", também localizada na Praça Carlos Alberto, 31. É uma das farmácias mais antigas do Porto, fundada em 1780 pelos frades Carmelitas do Carmo., a quem pertenceu até 1801.




1908


1913


Em 21 de Junho de 1935, e no "Teatro Carlos Alberto", teve lugar um Sarau d'Arte comemorativo do XIII aniversário do "Orfeão Lusitano" em homenagem ao seu ilustre consócio e distinto musicólogo Professor Eduardo da Fonseca com direcção Artística do Professor Afonso Valentim. Foram oradores neste sarau o Dr. Bento Carqueja e o Eng. Osvaldo Maia. Actuaram, para além do "Orfeão Lusitano" dirigido por Afonso Valentim, o tenor Gastão Mineiro, que cantou obras de Eduardo da Fonseca, a violinista Maria Carolina da Silva e os pianistas Clotilde Lobo e César Augusto Ribeiro de Morais. 

Abril de 1930

Com a morte de Eduardo da Fonseca,  em 14 de Março de 1938, com 74 anos, terminaria a actividade da sua casa comercial, que funcionava já sob a razão social de "Eduardo da Fonseca & Filhos".

Bibliografia:

- "La edición musical en Portugal (1834-1900): un estudio documental" de Maria João Durães Albuquerque - Universidad Complutense de Madrid - Obtenção de Grau de Doutora em 2014.

24 de março de 2024

"Pateo das Arcas" - "Pateo das Comedias"

De acordo com um documento datado de 7 de Outubro de 1595, foi concedido à Misericórdia, responsável pela gestão do "Hospital de Todos os Santos", o privilégio de escolher os lugares para representação de comédias em Lisboa. Porém, já eram representadas na cidade num grande pátio situado na Rua das Arcas em 1582. Anos mais tarde, Díaz de la Torre mandou construir o "Pateo das Arcas", «entre a rua das Arquas que he a que vai do Rossio pella rua da Prasa da Palha pera São Nicolao, fiqua na entrada della, a parte esquerda, e entre o bequo das Comedias e o de Lopo Infante, o qual fiqua interior ao dito bequo das Comedias […], vem fazer frente tudo na freguesia de Santa Justa». Além do Pateo das Comedias "Pateo das Arcas", houve outros espaços teatrais, tais como o primeiro pateo de comedias, o "Pateo da Bitesga" (mais tarde apelidado de "Pateo da Mouraria" ou "Theatro da Mouraria" ) que já existia em 1591 e o "Pateo das Fangas da Farinha", fundado em 1619, por D. João Hiranço e Luiz de Castro.


Primitivo "Pateo das Arcas"




Reconstituição aproximada (pouco ...), na "Lisboa Antiga" construída por ocasião das "Festas da Cidade de Lisboa" de 1935 em São Bento, idealizado pelo olissipógrafo Gustavo Matos Sequeira

Excerto do contacto de arrendamento, em "A Nova Carta Chorographica de Portugal" de Antonio Jose de Avila, em 1909:

«(...) A saber que elles rendatarios, Luiz Trinité e João Yilla Nova serão obrigados a dar em cada um anno seis centos mil reis de aluguer pelo ditto Pateo ao dito Hospital, que serão pagos aos quartéis de tres em t.res meses, e que estes serão livres de todo o encargo que haja ou possa haver; e que o ditto Hospital não será obrigado a contribuir com cousa alguma alem do ditto Pateo, porque neste arrendamento só ó feito do que lhe pertence e é proprio, e que o ditto Hospital fica desobrigado de mandar fazer concertos ou reparos nos camarotes, seus telhados ou nos corredores dos mesmos camarotes, não só agora mas por todos os des annos deste arrendamento, antes elles rendatarios mandarão fazer á sua custa e despesa todos os repairos e concertos, que forem precisos no mesmo pateo, camarotes e seus telhados de sorte que tudo ande melhorado, isto tantas quantas vezes fôr preciso sem que o Hospital em tempo algum, nem no fim do arrendamento fique obrigado a lhe satisfazer, ...» in: "A Nova Carta Chorographica de Portugal" de Antonio Jose de Avila em 1909


Contrato de arrendamento de 1 de Agosto de 1737

O "Pateo das Arcas" foi assim descrito por Antonio de Sousa Bastos (1844-1911) no seu livro "Diccionario do Theatro Portuguez", de 1908:

«No cartório do Hospital de S. José só se encontra rendimento d'este pateo de 1601 em deante. Sabe-se que, por  escriptura de 31 de maio de 1593, Fernão Dias Latome comprou ao commendatior D. Diniz de Alencastre umas casas e quintal que possuia na praça da Palha e rua das Arcas. Esta compra foi para cumprir o contracto com o Hospital de Todos os Santos, em que, por escriptura de 9 de maio de 1591, se obrigou a construir dojs pateos em sitios convenientes.

Foi o primeiro o Pateo da Bitesga e o segundo o Pateo da rua das Arcas. Este contracto durou até 1698, em que o Hospital adquiriu a propriedade do pateo. Durou portanto mais de um século. A este pateo vinham frequentemente companhias hespanholas com actores notáveis. Também ali se representaram as notáveis comedias de Jacintho Cordeiro. Por documentos que existem no cartório do Hospital de S. José vê-se: que o Pateo das Arcas estivera por bastante tempo como propriedade dos frades do Carmo; que os prédios contiguos tinham janellas sobre o pateo; que havia assignaturas de camarotes; que o preço de cada camarote era de 320 réis; e que já n'aquelle tempo havia grande numero de borlistas. 


1622

O Pateo da rua das arcas ardeu a 10 de dezembro de 1697. Foi grande o incêndio, que devastou diversos prédios, causando prejuizos de mais de um milhão. O Hospital, para não perder os lucros que o pateo lhe dava, reedificou-o em melhores condições, começando de novo a funccionar em 12 de abril de 1700. Tinha o novo pateo 20 forçuras (camarotes) no primeiro andar, seis camarotes e assentos geraes com cinco degraus em roda de todo o pateo no segundo andar, 21 camarotes no terceiro andar e outros 21 no quarto andar. O local em que ficava este theatro era no sitio em que hoje está a rua Augusta, junto ao Rocio. Era ahi um largo com o nome de praça da Palha, que deu depois o nome á travessa da Palha, hoje rua dos Correeiros. Seguia até S. Nicolau com o nome de rua das Arcas. O theatro devia ficar, pouco mais ou menos, onde hoje está o segundo quarteirão da rua Augusta.

Até 1703 esteve o theatro arrendado a Manuel Rodrigues da Costa, que mandava vir as companhias por sua conta. Em 1704 deram-se alguns bailes e trabalhou a companhia de Domingos Laboana, que aqui morreu. Desde 1710 até 1725 foi  emprezario das companhias do Pateo das Arcas um tal José Ferrer. De 1726 3 1729 esteve uma companhia com os notáveis artistas Francisco de Castro e José Garcez. Estes artistas tinham percentagem nos lucros e, para aquelle tempo, os fabulosos ordenados de 90$000 e 45$000 réis. Apesar d'isso, o theatro vinha em grande decadência, a ponto de ter o Hospital de acabar com a exploração por causa dos prejuizos.

Esteve o Pateo das Arcas fechado até 1735, em que foi arrendado por nove annos a Francisco Luiz Valente pela quantia annual de 40$000 réis! Assim mesmo o contracto não foi cumprido e, em 1740 fez-se novo arrendamento com Luiz Trinité pela quantia de 600$000 réis annuaes.»


Evocação aos pátios de comédias de Lisboa do séc. XVIII, em 25 de Maio de 1946

O "CET - Centro de Estudos de Teatro" publicou no "Youtube" um belíssimo, e muito bem feito, vídeo com a reconstituição virtual (antes e após o incêndio) do "Pátio das Arcas de Lisboa" que aconselho a visitar no seguinte link: "Pátio das Arcas de Lisboa"

Do mesmo retirei os seguintes fotogramas, agradecendo desde já a possibilidade:

1ª Fase (1593-1697) - Antes do incêndio de 10 de Dezembro de 1697




Relativamente ao incêndio, o Códice "Memoria de algumas couzas que Sucederão começando no ano de 1680 por diante assim das calamidades dos tempos como das couzas do estado do Reino ...» por Manoel de Almeida (compilador do códice) descreve-o ...
«... neste proprio mes de Dezembro de 697 em tersa feira a noite 10'delle despois de se acabar de representar a comedia intitullada da Lama hidalga hermesura no pateo ou caza em que se representava publicamente que era a entrada da Rua das Arcas ouve o mais notavel incendio que virão os olhos humanos, e começando na dita Caza ou pateo das Comedias do qual não ficou nenhua pedra sobre outra, e athe as tres portas por donde se entrava se abrasarão finalmente tudo o que tocava a dita casa se fes em cinza mas ja não era tão grande a perda do pateo senão dera por mais de 10 ou 11 moradas de cazas a roda que foi acabar defronte da porta principal da Igreja de Santa Justa e esta tudo debaixo de telha, que toda a cidade estava clara , e eu na bica de Duarte bello donde morava estava vendo o clarão das ditas Labaredas as quais ainda forão muito maiores quando o fogo deu em adegas de vinhos agoa ardente azeites e manteigas, que fez a maior perda que se vio (...) e comecando pelas 6 oras da noite durou athe as onze ou mais e ainda no dia seguinte 4 feira 11 do dito mes pela manhã ardeo hua morada de cazas em concluzão (...) da origem deste fogo não se sabe athe agora a serteza por que hus dizem que foi posto outros que por descuido e cada hu falla o que lhe vem ao pensamento...»» 

O livro "Historia do Theatro Portuguez" de Theophilo Braga (1843-1924), de 1870 acrescentava:

«(...) Tem o sobredito pateo as suas entradas, a saber: uma porta está para o becco das Comedias á parte do sul, fazendo frente ao mesmo becco; e duas portas para a rua das Arcas, uma que serve de entrada para os camarotes das forçuras e tablado, e camarotes das senhoras e outra que também serve de entrada dos camarotes e communicação do pateo a qual porta faz um corredor na entrada, que sáe a um patim descoberto, do qual se sobe por uma escada de pedra . . . 
Tem de norte para sul, principiando da parede que está nas costas da vistoria até á porta por onde se entra para os assentos e forçuras, pelo meio 24 varas e meia; e de nascente para poente, pelo meio em cruz, tem 15 varas e quarta. Esta é a medição do comprimento e largura do Pateo em que se representam as Comedias, entrando n'ella as confrontações já declaradas do pateo o qual é pintado, com seus capiteis de madeira sobre os ditos pilares e varões de ferro, mostrando serem de pedra fingida. O snr. Nogueira extractou de escripturas conservadas no Archivo do Hospital de Sam José, estes preciosos documentos, que nos mostram inteiro o admirável theatro do Pateo das Arcas, que já existia no seculo XVI, que se distinguiu no seculo XVII, e que no século XVIII, até ao terrivel terremoto de 1755, foi o primeiro, o maior, o mais elegante e rendoso theatro de Lisboa. (...)

2ª Fase (1698-1755) - Após o incêndio de 10 de Dezembro de 1697






Quanto à cobrança do aluguer dos camarotes no "Pateo das Arcas" ...
«Os camarotes iam cobrar-se quase sempre a casa dos frequentadores. É pelo menos o que se conclui da verba do testamento de um dos donos do corro das Arcas (Manuel de Azevedo de Oliveira Botelho) feito em 1692. Neste documento, o testador recomenda aos herdeiros que conservem por cobrador dos camarotes que chamam frissuras um seu criado, chamada José Carreiro»


O arrendamento do Theatro do Pateo das Arcas acabou em 1742, em consequência da inexplicável Carta Regia. Que esta Carta foi motivada pelo immenso dominio da Opera italiana sobre o espirito do monarcha, basta citarmos as seguintes datas: que em 1739 occupava o Theatro da Rua dos Condes uma cpmpanhia italiana, onde cantara. Demetrio Il Velogeso e Merope e que essa mesnia companhia ainda aí estava em 1740 no mesmo theatro aonde cantou o Ciro riconusciuto. Confirma-se de mais a mais a nossa hypothese, porque no anno de 1753 foi construído o sumptuosissimo theatro régio dos Paços da Ribeira, que, como o Theatro do Pateo das Arcas cessaram de existir em 1755, arrasados pelo terremoto. 
Na Carta Regia de 28 de Janeiro de 1743 se estabelecia, que se sustaria a esmola de um conto e trezentos mil reis ao Hospital, "se continuarem nesta corte as ditas representações de comedias ou operas, ou qualquer outra similhante, etc.» Por esta condição se vê que já não bastava para ajuda do Hospital o rendimento dos seus privilégios, ou porque appareciam poucas companhias a requerer-lhe licença, ou porque o publico não concorria aos espectáculos em rasão dó alto preço que as companhias, oneradas com o privilegio, exigiam dos espectadores»

 

"Pátio das Comédias" in Museu de Lisboa

Quanto à pintura atrás publicada, a sua legenda original não está isenta de polémica. Em "O Teatro em Diálogo com a Lisboa Seiscentista" de Raquel Medina Cabeças (2022) as seguintes notas:

«O indevidamente chamado Pátio das Comédias” já tinha levado Castelo-Branco a interrogar-se sobre se a pintura corresponderia a um Pátio das Comédias apontando 1) a ausência de camarotes - segundo dados da época tinham camarotes que não constam nesta pintura; 2) a utilização de iluminação artificial - sendo um espetáculo noturno também não poderia ser um pátio de comédias, pois estas eram realizadas durante o dia. 
Descarta, pois, o modelo de pátio e sugere que a pintura possa corresponder a uma peça apresentada na casa de Luís Mendes de Elvas a propósito do aniversário de D. Afonso VI (1643-1683) - “Luís Mendes de Elvas, fez representar no jardim do seu Palácio um espectáculo teatral, que no facto de ser noturno e nos pormenores coincide com o quadro” – peça da qual se tem notícia pela sua descrição na edição de agosto de 1664 do Mercúrio Português. Curiosamente, o Conselheiro da Fazenda Real Luís Mendes de Elvas é proprietário de uma casa na rua das Arcas, contígua ao pátio das comédias em 1672.»

Por ouro lado, José Pedro Sousa volta a abordar este tema e com o auxílio da mesma descrição do Mercúrio de 1664 e um novo olhar sobre a tela, chega à conclusão que, embora existam dados que possam corroborar a análise feita pelo historiador Fernando Castelo-Branco Chaves (1926- ), existem outros que levam a crer que não se trata daquela representação teatral específica:

« (...) As características definidas para um espaço teatral público, com camarotes, com o chão da zona da plateia em terra ou em ladrilho, sem iluminação – por exemplo, a iluminação artificial do Pátio das Arcas não está documentada, mas referem-se a existências de janelas ou de frestas que permitiam a entrada de claridade nos corredores de acesso aos camarotes – com representações durante o dia e não durante a noite, e em espaços ao ar livre, é contraditória com esta pintura, onde é evidente a existência de velas e tochas para iluminar o cenário e o espaço, que aparenta ser coberto. Por fim, a porta representada do lado direito da pintura, que apresenta uma cortina que se assemelha a veludo vermelho, não encontra eco no modelo dos pátios, pois não há referência documental sobre a utilização de panejamentos nas portas de acesso aos pátios.» 

Voltando à história do "Pateo das Arcas" e recorrendo a outro livro, de 1896 e de Theophilo Braga intitulado "Historia da Litteratura Portugueza" ...

«Julga-se que ao Pateo da Bitesga também fora dada a denominação de Pateo da Mouraria. Não é bem averiguado qual fosse o Pateo segundo, contractado pela escriptura de 9 de Maio de 1591; temos que seria o Pateo das Arcas, embora já alluda a elle o Padre Balthazar Telles em 1588, e seria fixado em construcção de alvenaria e coberto, por que o seu primeiro emprezario foi Fernão Dias Latorre. Era este segundo Pateo situado na rua das Arcas, a qual ficava no segundo quarteirão da rua Augusta antes do terramoto de 1755. Os moradores da rua das Arcas não gostavam da visinhança do theatro sobre o qual davam as suas janellas, e lançaram-lhe fogo por 1697 a 1698. Por este accidente se vê a prolongada existência que disfructou o Pateo das Áreas, máo grado a "malevolencia dos visinhos que tinham janellas para o Pateo." A sorte deste theatro tinha de ser gloriosa; no século XVII, como veremos, levava a palma a todos os demais. O erudito cartorário do Hospital de S. José, José Maria António Nogueira, nos seus valiosos apontamentos julga ser este Pateo o que também apparece com o nome de Pateo da rua da Praça da Palha, situado na freguezia de Santa Justa, de que existem documentos de 1593. Isto justifica a sua construcção pela escriptura de Latorre em 1591. Continuaram estes Pateos no século XVII, e por Pateos e barracões do Bairro Alto, do Becco da Comedia, Pateo do Patriarcha e Salitre continuou a abrigar-se o theatro nacional, até 1836, em que se deu o seu renascimento iniciado por Garrett.» 


Gravura de Fernando Filipe 

fotos in: Biblioteca Nacional Digital