Restos de Colecção: janeiro 2019

16 de janeiro de 2019

Restaurante “Boa Viagem”

O restaurante-dancing e casa-de-chá “Boa Viagem”, localizado na “Quinta da Boa Viagem” no cruzamento da Estrada Marginal com o acesso à, então, Auto-Estrada Lisboa-Estádio Nacional, terá sido inaugurado na primeira semana de Setembro de 1949.

O ante-projecto deste edifício foi apresentado em 1947 e definitivo em 1948, elaborado pelo arquitecto João Faria da Costa (1906-1971), e viria ser construído entre 1948 e 1949, nos terrenos do engenheiro agrónomo Vasco Alcobia.

Arquitecto João Guilherme Faria da Costa (1906-1971) e seu ante-projecto do restaurante “Boa Viagem”

   

Segundo li, este restaurante terá encerrado, e definitivamente, por volta de 1955. Na parte que me toca, quando passava lá no início dos anos 60, diáriamente,  já o “Boa Viagem” estava fechado e com aspecto de o estar havia alguns anos.  Em 1 de Agosto de 1968, seria aberto ao trânsito o novo nó do “Alto da Boa Viagem” que incluía uma passagem desnivelada na Estrada da Marginal frente ao antigo restaurante “Boa Viagem”.

Enquadramento paisagístico do restaurante “Boa Viagem” e as suas traseiras com um amplo parque de estacionamento

 

                             10 de Setembro de 1949                                                            23 de Dezembro de 1949

                             

Depois da inauguração da passagem desnivelada no novo entroncamento da Auto-Estrada com a Estrada Marginal

 

1 de Agosto de 1968

Quanto ao seu estado actual, e continuando ao abandono, li num post de Isabel de Almeida Paula, de 29 de Setembro de 2017, no “Facebook” de “Lisboa Antiga” o seguinte texto:
«Esteve na posse do grupo Jerónimo Martins. Foi vendido por este grupo aos donos da Valouro/ Persuinos/ Imotorres. Passou para accionistas, num empreendimento imobiliário denominado "Lisboa Mar",que criou um grande projecto que incluía um aparthotel, Business Park, apartamentos turisticos, centro de apoio desportivo e auditório. Foi feito o estudo paisagístico e de viabilidade. Não me recordo se o projecto chegou a ser aprovado pela autarquia, só sei que não se concretizou e voltou a ser vendido a um grupo estrangeiro. A partir daí, nada mais sei, a não ser que continua ao abandono.»

Ao analisar as fotos seguintes, obtidas no blog “Ruin’Arte”, pode-se ficar com uma noção da configuração do seu interior, e do estado de abandono total em que se encontra.

 

  

fotos in: Arquivo Municipal de Lisboa, Hemeroteca Municipal de Lisboa, Ruin’Arte

13 de janeiro de 2019

Pastelaria “A Tentadora”

A Pastelaria, Loja de Chá, Papelaria, Tipografia, Tabacaria, e Cervejaria "A Tentadora", foi fundada em 5 de Fevereiro de 1912, na Rua Ferreira  Borges, em Lisboa, por Manuel Lopes Coelho, natural de Pedrógão Grande.

“A Tentadora”

Quanto à sua oferta aquando da sua inauguração…

Esta confeitaria veio ocupar a loja do edifício para rendimento, mandado construir pela firma “João Lela & Irmãos”, sob o projecto de 1908 do arquitecto, artista, e decorador Ernesto Korrodi (1870-1944), suiço que se naturalizou português. Este edifício, situado no gaveto da Rua Saraiva de Carvalho com a Rua Ferreira Borges, em Campo de Ourique, trata-se de um dos edifícios mais emblemáticos deste arquitecto, e o seu primeiro em Lisboa, por evidenciar um elevado grau de ornamentação.

A arquitectura do edifício, cuja construção teve lugar entre 1910 e 1912, integrava-se na nova tendência “Art Noveau” que à época se fazia sentir em Lisboa. Destaca-se a fachada de gaveto com um painel de azulejos entre as janelas do primeiro e do segundo piso. Os vãos são decorados por elementos florais e nas fachadas laterais as janelas e portas são profusamente decoradas, com gradeamentos nas janelas em ferro forjado.

1913

O edifício de “A Tentadora” em construção e já concluído noutra foto de 1941

 

Quanto ao acontecimento político, em 1910, na foto anterior à direita …

Para embelezar a fachada o pedroguense Manuel Lopes Coelho encomendou uma pintura, escolhendo a sua filha Lúcia, de quase 20 anos, para interpretar, ao bom estilo "Arte Nova" uma senhora a tomar chá. Atualmente esta pintura encontra-se preservada no interior do estabelecimento.

                                       Ainda no exterior …                                                         … e já no seu interior

      

Este edifício sofreu alterações em 1941 e depois em 1961 nunca deixando porém de se destacar no bairro, continuando ainda hoje a ser considerado um dos seus símbolos. Anos depois da sua abertura, “A Tentadora”, propriedade da firma “A Tentadora, Lda.” foi trespassado a António Lopes de Mello.

O Presidente da CML General França Borges, junto “A Tentadora” a observar a entrada em funcionamento dos semáforos

Em 1956 a firma “A Tentadora, Lda.” abriria uma sucursal, na Avenida de Roma, 26-B, o Café, Pastelaria, Salão de Chá, Charcutaria e Snack-Bar “Tique-Taque”, projectada pelos arquitectos Victor Palla e Bento d’Almeida. Entretanto esta firma abrira, no início dos anos 60 dos século XX, no gaveto da Avenida Infante Santo, com a Rua de Sant’Ana à Lapa, a “Charcutaria Carrocel”, que mais tarde se converteria num restaurante e snack-bar com o mesmo nome e que se mantem em funcionamento.

“Tique Taque”, na Avenida de Roma

              

“Charcutaria Carrocel” na Avenida Infante Santo

Enquanto o “Tique-Taque” encerrou, definitivamente, nos anos 90 do século XX,  para dar lugar a mais uma «loja do chinês», “A Tentadora” na Rua Ferreira Borges, continua actualmente em funcionamento.

 

fotos in: Arquivo Municipal de LisboaHemeroteca Municipal de Lisboa, Livro “Lisboa Desaparecida” Vol VII, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais)

9 de janeiro de 2019

Camisaria Moderna

A "Camisaria Moderna" que esteve instalada na Praça D. Pedro IV (Rossio), e propriedade da firma "Camisaria Moderna, Lda.", (fundada por António Regojo Rodriguez), terá tido origem na loja com o mesmo nome, fundada em 6 de Julho de 1876 no número 105, sendo na altura propriedade da firma "Pereira da Costa & C.ª".


6 de Julho de 1876


21 de Dezembro de 1879


1882


António Regojo Rodriguez (1904-2003), nascido em Fermoselle, Zamora, junto à Barragem da Bemposta e filho dum agricultor, veio para Portugal com 14 anos, tendo iniciado a sua vida de comerciante, na Baixa lisboeta a vender rendas. Depois, foi «muito trabalho e economia». «Não gastava dinheiro em rigorosamente nada» relatou o próprio.

António Regojo Rodriguez (1904-2003)


Em 1919 fundou a primeira empresa nacional de confecções, a “J. R. Rodriguez, Lda.”, situada na rua das Pedras Negras, onde se fabricavam camisas com a marca “Regojo”. A sua grande concorrente era  a já famosa Ramiro Leão & C.ª”, instalada na Rua Garrett.A fábrica funcionava em dois andares e tinha oito funcionários.

      

Mais tarde, a fábrica transferiu-se para a Rua de S. Lázaro e rapidamente a empresa entra em franca e próspera expansão, passando a confecionar, além das camisas, pijamas e polos. Em pouco tempo, o número de funcionários rondava os trezentos. Nos anos 40 do século XX, já esta estava instalada na Rua José António Serrano, ficando as instalações da Rua de S. Lázaro para escritórios.


Entretanto, em 1932, o castelhano António Regojo Rodriguez compra o trespasse da “Camisaria Moderna” por 165 contos (165.000$00). Só me faltou conseguir confirmar se, neste ano, este estabelecimento já estava instalado no número 110 ou ainda no número 105, onde tinha sido fundado.
                                   
                                          25 de Agosto de 1941                                                           10 de Novembro de 1941

 Factura gentilmente cedida por Carlos Caria 


“Camisaria Moderna” dentro da elipse desenhada e ao lado do “Café/Restaurante Irmãos Unidos”




A seguir publico uma série de fotos do interior da “Camisaria Moderna”, publicadas na revista “Século Ilustrado” de Dezembro de 1953 e gentilmente cedidas pelo blog “coisasdeantigamente.marr”. Nestas fotos os célebres pássaros que habitavam e voavam livremente dentro da loja. «Há aproximadamente um ano (1952) que um pintassilgo ferido procurou refúgio no meu estabelecimento. Sentiu-se bem e decidiu ficar e a docilidade da sua permanência fez-me pensar na possibilidade de manter um viveiro de pássaros em liberdade no interior da minha loja. E o que pensei aconteceu... claro que não os soltei aqui dentro todos de uma só vez! "

Interior da “Camisaria Moderna” e António Regojo

            
 
Imagens gentilmente cedidas pelo blog “
coisasdeantigamente.marr
                                            
                                              1953                                                                                         1955

            


Sucursal da “Camisaria Moderna” em Madrid e sus 110 pajaritos in completa libertad


Em 1970, a “Camisaria Moderna” adquire o trespasse da loja a seu lado, até então ocupada pelo café e restaurante Irmãos Unidos”, ampliando assim as suas instalações.

Em 1972, com o nascimento de uma nova empresa, a “Confecções Regojo Velasco”, consubstancia-se a entrada da segunda geração da família na administração das empresas do grupo. Fundada pelo genro do fundador, Jaime Velasco Regojo, a nova fábrica dedicava-se à produção de roupa de senhora com a marca “Dali”.

Em 1980, sob a direcção de Teresa Regojo, após o falecimento prematuro de seu marido Jaime Regojo, foi criada um outra unidade fabril, a “Aissela - Sociedade Europeia de Confecções”, que traz para Portugal a representação da marca “Pierre Cardin”. O ano de 1982 marca o início de uma nova época, o esboço do actual “Grupo Regojo”. A equipa de gestão é alargada à terceira geração da família. Os filhos mais velhos de Teresa e Jaime Regojo assumem responsabilidades na gestão das empresas, mantendo viva uma forte preocupação em acompanhar a evolução do mundo e dos mercados da moda. No seguimento desta nova fase, em 1984, inicia-se a comercialização de vestuário através da “DIMODA”. Esta empresa vai representar e distribuir marcas de prestígio internacional no nosso país.

      

No final da década, com o incremento da concorrência dos fabricantes do sudeste asiático, a perspectiva de quebra no comércio tradicional multimarca e o despoletar de fenómenos como o franchising de marcas com notoriedade internacional, a família Regojo decide investir na comercialização monomarca, através do regime de franquia e de marcas próprias.
Quanto à loja “Camisaria Moderna”, encerrou definitivamente em 2016.


gentilmente cedido por Carlos Caria

Para terminar, recordo uma passagem dum artigo, acerca da “Camisaria Moderna”, da autoria de Ricardo Dias Felner  e publicada no jornal “Público” em 14 de Janeiro de 2002, quando António Regojo já tinha 98 anos de idade:
«”Sempre trabalhei muito, nunca pelo dinheiro, sempre para poder ajudar os outros”, garante o comendador, ateu, apesar da educação religiosa, democrata, apesar de contar com condecorações de Franco e Salazar. Entre o rol interminável de benfeitorias, que levam "80 por cento do lucro da empresa", contam-se cerca de 50 ambulâncias doadas a bombeiros voluntários, três fundações (uma em Lisboa, duas em Espanha), várias bolsas concedidas a estudantes da sua aldeia, aparelhos para hospitais, o sistema de intercomunicações da paróquia de Fermoselle, operações pagas a crianças com problemas de vista e a outros doentes, doações várias à Cruz Vermelha, a museus. A decoração do seu escritório atesta-o para quem duvidar. Estão lá vários agradecimentos com a assinatura de D. Juan Carlos, Franco, Salazar. Do presidente da Cruz Vermelha, dos Lions, dos comandantes dos Bombeiros de Leiria, de Lisboa, de associações de deficientes..»