Restos de Colecção: outubro 2023

29 de outubro de 2023

Colégio de Portugal

O "Colégio de Portugal" foi fundado em 1922, na Travessa de André Valente, nº 7 em Lisboa, por «três jovens professores que às coisas do ensino se vinham dedicando desde os seus tempos de Universidade»: Dr. Artur de Sousa Carvalho, Dr. Cipriano Nunes Barata e Dr. José d'Almeida Correia. Este Colégio conseguiu, num curto espaço de tempo, tornar-se num dos estabelecimentos de ensino particular mais completos e melhor organizados do país.




"Colégio de Portugal", ainda na Travessa de André Valente, em 23 de Dezembro de 1922

Pelo que, num artigo publicado na revista "Ilustração Portuguesa", de 16 de Março de 1926, era referido: «Para poder, no próximo ano escolar, aumentar o número de alunos internos, visto os pedidos das familias continuarem a a exceder a lotação da casa, e para organizar o regime das classes infantis em condições inteiramente adequadas ás suas necessidades e capacidade, a Direcção resolveu adquirir, na formosíssima povoação de Linda-a Pastora, a 20 minutos da estação da Cruz Quebrada, na linha férrea de Cascais, uma espaçosa quinta, com vastos jardins, campos de recreio, pomares, terras de semeadura, na qual existem dois magnificos prédios, onde funcionarão as três classes de Instrução Primária: Classe Infantil, Classe de Instrução Primária e Classe de Admissão aos Liceus.»


Vista aérea do "Colégio de Portugal" e do "Aquário Vasco da Gama" inaugurado em 20 de Maio de 1898


Algés e Dafundo e a área ocupada pelo "Colégio de Portugal" (dentro da elipse desenhada)


Estação de caminhos de ferro da Cruz Quebrada em 1889, e por volta de 1900 (foto seguinte)


Desviando-me um pouco, aqui fica a referência à publicidade na Estação à casa "Cycledor" de José Diogo d'Orey e Emílio Segurado ...


28 de Setembro de 1897


1 de Novembro de 1926

E as aspirações da Direcção deste Colégio iam mais longe ... «Como a quinta se presta ás varias espécies de cultura agricola e possui instalações para animais domésticos, tais como vacas de leite, porcos, coelhos, galinhas, etc., a Direcção do Colégio pensa também em criar uma Secção de Ensino Elementar de Agricultura, de cujo programa estão já encarregados dois distintos engenheiros agrónomos, diplomados um pelo Instituto de Agronomia, outro pela Universidade de Louvain.
Por esta forma o Colégio de Portugal vai ao encontro da aspiração de muitas familias e da conveniência de descongestionar as chamadas profissões liberais, desviando parte da mocidade estudiosa para a cultura da terra e procurando despertar o interêsse pela instrução agricola.»


24 de Setembro de 1927

Em Setembro de 1927, a Direcção deste Colégio estava entregue ao Dr. Artur de Sousa Carvalho, assistente e naturalista da Faculdade de Ciências de Lisboa, e ao Dr. Manuel de Sousa Peres, Presbítero e professor.


4 de Outubro de 1929

A quinta a que se refere o texto, era o "Palácio Castello Melhor" (do Marquês de Castello Melhor D. João de Vasconcellos) - antigo "Forte S. José de Ribamar" , «que Dom António Luís de Meneses, conde de Cantanhede e, depois, marquês de Marialva, então governador das Armas de Cascais, mandou construir em 1649, no quadro da defesa do estuário do Tejo.  Degradada e sem interesse militar, a fortificação já se encontrava, em 1802, transformada em habitação. E é nesta situação que a Casa Castelo Melhor adquiriu o imóvel, para, sobre ele, mandar edificar, cerca de 1825, o seu palácio de Verão. Ainda na posse dos marqueses de Castelo Melhor, aqui funcionou o Grande Casino Lusitano, pelo menos na segunda década do século XX, até que, cerca de 1922, veio a acolher o Colégio de Portugal. Antes da sua demolição, que ocorreu ao começo da década de 50, ainda serviu de posto da Guarda Nacional Republicana. Com tal passado secular, melhor sorte e cuidado merecia este elemento patrimonial... o colégio. 


Já em estado de abandono, em foto de Junho de 1951

Por outro lado ... «Se considerarmos o relato de Branca de Gonta Colaço e de Maria Archer, na sua obra de 1943, facilmente cremos ter ocorrido somente nos últimos anos da centúria de oitocentos a construção dos primeiros chalets de veraneio no Dafundo. Segundo as autoras, em 1893, o sítio era quási deserto; para além-hortas e do areal, havia duas casas de pasto, o Palácio Castelo Melhor e a quinta da família Palha. Se o primeiro, construído em 1825, contíguo ao palácio dos Palha, foi demolido na década de 1950; no outro encontra-se actualmente instalado o Instituto Espanhol. Assegura D. José Coutinho de Lencastre que no ano de 1968, na casa da família Palha, veraneou El-Rei D. Fernando que, na companhia de sua segunda mulher, a condessa d'Edla, ali apreciaram a estação Balnear.» in: "Encontros de História e Património - Diálogos em Noites de Verão 2006-2007"


22 de Agosto de 1897


18 de Agosto de 1910

Em 30 de Agosto de 1910 o jornal "Diario Illustrado", num pequeno apontamento, noticiava:
«Foi ante-hontem um verdadeiro dia de festa n'este esplendido Casino no Dafundo. Durante a noite dançou-se animadamente, vendo-se no elegante salão tudo quanto ha de mais distincto na nossa sociedade.
Bevemente realisar-se-ha alli um extraordinario "cotillon", sendo as marcas para esta festa escolhidas a capricho.»


30 de Maio de 1917


20 de Agosto de 1920

E a concorrência sempre presente, ali bem pertinho ...


6 de Março de 1917

«O Colégio de Portugal depressa se terá afirmado tanto pela qualidade das instalações e equipamento didáctico como pela sua orientação pedagógica e disciplinar. A sua divisa "Paulatim sed firmiter" (paulatinamente mas firmemente) terá ultrapassado o plano das intenções para se confirmar na prática. Tomar-se-ia numa casa de educação de prestígio. Os cursos ministrados abarcavam diversos níveis de ensino e grupos etários: infantil, instrução primária, liceu (completo), comercial, além de línguas vivas (prático). O seu corpo docente, como se regista em publicação de 1933 ("Manual de Informações" ), seria "recrutado entre os melhores professores e assistentes das Faculdades de Ciências e Letras".» in: artigo de Jorge Miranda "Jornal da Região" (2002)

Neste ano de 1933, o "Colégio de Portugal" era propriedade dos seus directores  Dr. Amaro Joaquim Monteiro, então, assistente de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa, e o Dr. Carlos Monteiro Serra, ex-professor do Liceu e Seminário de Évora. 


20 de Setembro de 1933

Não consegui saber ao certo, mas o "Colégio de Portugal" terá encerrado, definitivamente antes do ano de 1940. Lembro que, em 1930, já existia um concorrente bem perto: o "Colegio de S. Jose de Ribamar", instalado no "Palácio Ribamar" onde tinha funcionado o "Casino de S. Jose de Ribamar", entre 1917 e 1928.


6 de Outubro de 1930

O edifício do "Colégio de Portugal" viria a ser demolido na década de 50 do século XX, e no seu lugar ...


Entretanto, praticamente com o mesmo nome, a partir de 20 de Maio de 1941 funcionaria na Parede, (no "Chalet Fiuza") o "Colégio Portugal", - ex- "Colégio Pedro Álvares Cabral" desde 1938 e ex- "Casino Oceano" - leccionando os 1.º; 2.º; e 3.º Ciclos do Ensino Básico. Tendo sido autorizado o Ensino Secundário em 23 de Fevereiro de 1948.


"Colégio Portugal" no "Chalet Fiuza", na Parede. Seria demolido (já como "Colégio Elias Garcia") na década de 80 do século XX

Mais recentemente, e também praticamente com o mesmo nome, existe actualmente no Paço do Lumiar, em Lisboa, o "Real Colégio de Portugal", fundado em 2015, bem perto (a 100 metros) de outro bem antigo e famoso: o "Colégio Manuel Bernardes", fundado pelo Padre Augusto Gomes Pinheiro em 6 de Novembro de 1935, e que frequentei entre 1972 e 1977.

fotos in: Hemeroteca Digital, A Gazeta de MirafloresArquivo Municipal de Lisboa

26 de outubro de 2023

Salão Chiado

O cinematógrafo "Salon Chiado" foi inaugurado em 25 de Dezembro de 1906, na Rua Nova do Almada, 116 (numa loja do edifício dos "Grandes Armazéns do Chiado"), em Lisboa, tendo sido seu proprietário a firma "Varona & C.ª" de Raul Lopes Freire. O "Salão Chiado" tinha acesso, pelo interior dos Armazens, através do ascensor.

Loja que o "Salão Chiado" tinha ocupado (dentro da área delimitada a vermelho)


(? - 1957)

Começo por transcrever uma passagem do livro "Do Rocio ao Chiado" de João A. Pestana de Vasconcellos, e publicada pela "Parceria Antonio Maria Pereira" em 1912:

«Para o alfacinha, porém, o animatographo nao é "O prodigioso invento que. . .", nem "a maravilha de mechanica que. . .".  O animatographo é simplesmente um logar onde se passa a noite por seis vintens.
Passar a noite por seis vintens e a solução do problema do goso para muito mènage alfacinha.
D'ahi estas violentas batalhas travadas a porta dos animatographos de Lisboa, principalmente aos domingos e dias de recita da moda.
N'esta conjunctura o alfacinha bate-se; mas bate-se heroicaraente.
Collocado face a face com a porta d'um animatographo, o alfacinha vê n'ella um baluarte a conquistar; o sangue dos Albuquerques, dos Castros e dos Gamas começa a ferver-lhe la por dentro, e armado d'uma bengala de doze vintens e com um quadradinho de papel na mao, assalta-a com tanta bravura e galhardia como os seus antepassados assaltavam castellos.»

O jornal "A Vanguarda" em 24 de Dezembro noticiava a sua inauguração:

«Inaugura-se amanhã, pelas 3 horas da tarde, na rua Nova do Almada, 116, o novo Salon Chiado, de que são proprietarios os srs. Varona & C.ª. Exhibir-se-hão n'essa nova casa de espectaculos, dotada com todos os confortos modernos e propriamente illuminada a luz electrica, scenas cinematographicas de grande espectaculo, vindas directamente de Paris, Londres e Berlim, onde teem os srs. Varona & C.ª correspondentes especiais.
Os quadros expostos são de completa novidade entre nós, principalmente o do nascimento de Jesus, a côres, um soberbo trabalho em photographia animada.»


27 de Dezembro de 1906

Por outro lado e em 29 de Dezembro o "Diario Illustrado", descrevia a inauguração do "Salon Chiado":

«Inaugurou-se ha dias na rua Nova do Almada, 116, o Salon-Chiado, onde se exhibem em animatographo magnificos quadros como o Nascimento de Jesus, Estudantes de Paris, Em ferias, Pobre Mãe, Desesperada, onde ha traços comoventes, podendo-se assegurar que são os melhores que se teem apresentado entre nós.
A entrada é diminutissima, 60 réis apenas, o Salão tem tambem entrada pelo ascensor dos Armazens do Chiado.»

O "Salão Chiado" foi ocupar o nº 116 da Rua Nova do Almada, um estabelecimento nas "lojas" do "Palácio de Barcelinhos", que tinha sido o estúdio fotográfico do famoso João Francisco Camacho (1833-1898), retratista madeirense da família real portuguesa. O seu estúdio tinha-se reinstalado ali, depois «devorado» pelo incêndio de 30 de Setembro de 1880. Antes do incêndio tinha sido o armazém de pianos da empresa "Sassetti & C.ª", (com loja na ala norte do palácio) que se dedicava a venda e aluguer de pianos e pautas de música, fundada por João Baptista Sassetti (1817-1889), na Rua Nova do Carmo, 39-F, em Lisboa, em Janeiro de 1848.

Após a sua morte, o estúdio, já na posse de seu filho João Augusto Camacho, mudar-se-ia para a Rua Ivens, nº 2 e seria inaugurado em 10 de Abril de 1898.


João Francisco Camacho no seu estúdio


Verso duma foto

Um artigo, acerca do percurso cinematográfico de Raúl Lopes Freire, proprietário desta Salon, e publicado no jornal "Folha de Lisboa" de 19 de Novembro de 1916, e da autoria do seu diretor e proprietário José Faria Picão, enaltecia as suas qualidades:

«Já vão passados quinze anos, que ao lado de Raul Freire estavam alguns amigos, (entre elles quem escreve estas linhas) discutindo, e apreciando algumas, variedades que se exibiam n'essa noite, na vasta pista do Colyseu dos Recreios; Raul Freire que foi sempre um grande enthusiasta pelo teatro, via-se pelas suas opiniões, pelas suas ideias, que estava ali um grande e activo emprezario, e n'uma dessas noites em que assistia ao espectaculo, disse: "vocês ainda me hão de ver com um cinema", e se bem o disse, bem o fez. Passado algum tempo, montava na rua do Almada, um cinematographo intitulado Salão do Chiado; era uma pequena sala onde, Raul Freire conseguiu reunir um publico escolhido, e foi tal a sympatia que adquiriu, pela sua activa e boa gerencia, que sentia-se acanhado. (...)» a continuar no final deste artigo.

Raul Lopes Freire viria a ser: empresário cinematográfico; proprietário de salas de cinema; distribuidor de filmes; produtor; realizador. Viria ser agraciado, pela presidência da república, com a comenda da classe de mérito industrial.

1908

Para dar uma ideia do interior dos animatógrafos ou cinematógrafos da época, aqui ficam 3 fotografias:



Em 31 de Dezembro do mesmo ano de 1906, apontamento encorajador:

«Sucedem-se sem interrupção as enchentes ao magnifico "Salon Chiado" installado na rua Nova do Almada, 116, obtendo-se hontem para os espectadores da noite, com bastante difficuldade bilhetes, sendo necessario por vezes fechar a bilheteira, tal era a aglomeração de espectadores.
Todos os quadros foram delirantemente applaudidos, salientando-se a "Pobre Mãe" e "Desesperada" o magnifico quadro a côres "Nascimento de Jesus", e os desopilantes quadros "Em férias", "Estreia de um chauffeur" e "Estudantes em Paris".
Hontem inauguraram-se as "matinèes" com sessões da 1 hora da tarde ás 5, continuando as sessões á noite das 6 e meia á meia noite.
Na proxima semana serão exhibidos novos quadros, entre eles o grande quadro a côres "Carnaval de Veneza".»


13 de Janeiro de 1907

O espaço, dirigido pelo austríaco Francisco Stella, era pequeno e modesto mas tinha uma boa afluência popular, o que lhe permitiu manter uma estável situação financeira. Exibia fitas «para todos», com cançonetas e duetos nos intervalos, mas também «fitas para homens» - ou melhor: "Fitas d'alta potencia» - em determinados dias, depois da meia-noite.


Exemplo de uma cabine de projecção de cinematógrafo no início do século XX

Quanto às «fitas para homens», «o mesmo grupo de rapazes da nossa melhor roda» que promovia sessões da meia-noite (as primeiras em Portugal) no "Salon Rouge" (inaugurado por Carlos Silva, em Setembro de 1907, na Rua D. Pedro V, nº 105, em Lisboa), exibindo «Fitas d'alta potencia» rapidamente alastrou numa «joint-venture» com o "Salão Chiado". Um sucesso !! ...


5 de Dezembro de 1908

Na cidade do Porto, e no ano de 1908, também existia um animatógrafo com a denominação de "Salão do Chiado", nas instalações da sucursal dos "Grandes Armazéns do Chiado", na Praça Voluntários da Rainha. Fazia "companhia" aos "Salão Pathé" na Rua de D. Carlos e "Salão High-Life" no Largo da Cordoaria, e "Jardim Passos Manoel", na Rua Passos Manoel. Esta "Salão do Chiado" era propriedade e explorado pela empresa proprietária dos Armazéns do Chiado: "Nunes dos Santos & C.ª ". Este animatografo teve licença de funcionamento até Junho de 1909.


"Grandes Armazéns do Chiado" na Praça Voluntários da Rainha, no Porto



E, não esquecer ... em 16 de Fevereiro de 1908

Passado um ano e meio da sua inauguração em Dezembro de 1906, e uma nota gratificante no jornal "A Nação" de 13 de Agosto de 1908:

«Não diminuem as enchentes néste bello salão, o que não admira, visto a excellencia e novidade das suas fitas, destacando-se a de "D. Juan Tenorio", que tão grande sucesso tem alcançado. Além d'isso, nos intervallos, o popular e estimado actor Silva Lisboa, com as suas cançonetas, o que ainda mais interessante torna este salão.»

Pelo que transcrevi e publiquei, facilmente se deduz que o espaço do "Salão Chiado" já era mui exíguo para a demanda, pelo que retomo o artigo da "Folha de Lisboa" ...

« (...) A multidão de espectadores era imensa, precisava de um salão maior, com comodidades, luxo e bom gosto, e desenvolver a cinematographia. Foi então quando constituiu uma sociedade para se inaugurar na Praça dos Restauradores um outro cinema, o Salão Central.»


30 de Julho de 1908

E o novo "Salão Central propriedade de Raúl Lopes Freire, distribuidor de filmes, através da sua empresa “Empreza Portugueza Animatographica Limitada” constituída por: Arthur Gotschalk, Raul Lopes Freire e seu irmão Augusto Freire, Carlos Ribeiro Nogueira Ferrão, Alberto Coutinho Freire e Jaime Guerra da Veiga Pinto. Instalou-se no Palácio Foz, na Praça dos Restauradores em Lisboa, (por debaixo do "Salão Foz", inaugurado em 27 de Março de 1908 pela firma "Freire & Ereira") e foi inaugurado em 18 de Abril de 1908. 


"Salão Cental" aquando da sua abertura. À direita na foto, o "Elevador da Gloria" inaugurado em 24 de Outubro de 1885

Apesar da abertura deste novo cinematógrafo nos Restauradores, o "Salão Chiado" continuou aberto à sua clientela habitual sempre com boas performances de bilheteira. Contudo, no final de 1908 Raul Lopes Freire decidiu pôr fim ao curto, mas brilhante, percurso do "Salão Chiado" para se dedicar exclusivamente à exploração, mais rentável, do novo "Salão Central", mais tarde "Central Cinema", e também do "Salão Foz" que era co-proprietario com José Nunes Ereira, através da empreza "Freire & Ereira", como atrás referido.

20 de Novembro de 1908

Em 25 de Agosto de 1988 o violento incêndio do Chiado devorou o edifício dos "Grandes Armazéns do Chiado" e com ele o nº 116.


Nº 116  que ficou do incêndio

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca Nacional Digital,

22 de outubro de 2023

"Ourivesaria Cunha" no Porto

O negócio da joalharia na família Pinto da Cunha terá começado quando na década de 90 do século XIX, quando os primos António Pinto da Cunha, ambos com o mesmo nome e residentes em Lousada, rumaram ao Brasil, mais concretamente para a cidade de Belém, capital do Estado do Pará, fundado em 12 de Janeiro de 1616 como o povoado colonial português "Feliz Lusitânia" pelo capitão Francisco Caldeira Castelo Branco.



Informação útil em 3 de Abril de 1875

«De acordo com os registos de passaportes, o primeiro a viajar foi António Pinto da Cunha (1849-?) casado com Margarida Augusta Ribeiro de Sousa, que havia iniciado a sua vida profissional como carpinteiro. Desconhecemos as suas motivações, mas, no ano de 1899, fez duas viagens ao Pará, sendo identificado no passaporte como negociante. Seis anos mais tarde, no ano de 1905, António Pinto da Cunha (1856-1915), casado com Maria da Conceição Ribeiro de Sousa, já contando 49 anos de idade, viajou por duas vezes à região do Pará, desconhecendo-se se teria sido o seu primo quem suscitou as viagens. O facto de os dois terem o mesmo nome dificulta a compreensão de que negócios cada um terá tido no Brasil, pois todas as referências que encontramos nesse país mencionam o nome de António Pinto da Cunha, sem, naturalmente, indicar o nome da esposa, que poderia ser o elemento diferenciador.» (1)

Seria António Pinto da Cunha (1856-1915), casado com Maria da Conceição Ribeiro de Sousa, que geria os negócios da firma "J. M. Ferreira & C.ª" de Belém do Pará, desde a morte do seu fundador José Maria Ferreira Rodrigues em 1892. Esta firma além de vários ramos de negócio mantinha uma ourivesaria/joalharia, «Bazar de Joias», de prestígio: "Á la Ville de Paris".


No "Almanak Paraense de Administracão, Commercio, Industria e Estatística para o Anno de 1883"


1 de Fevereiro de 1900

«Se o capitalista António Pinto da Cunha (1856-1915), casado com Maria da Conceição Ribeiro de Sousa, não desenvolveu em Portugal o negócio de joalharia que incrementara no Brasil, poderá ter sido através dessa sua vertente comercial que esse comércio passou a outros membros da família. Seu primo António Pinto da Cunha e Margarida Augusta Ribeiro de Sousa foram progenitores de uma grande prole e o seu primogénito, Alfredo Pinto da Cunha, já natural de Torno, Lousada, onde nasceu em 20 de fevereiro de 1884, também viajou para o Brasil, pelo menos, no ano de 1930. Com 46 anos de idade, deslocou-se ao Rio de Janeiro. Porém, esta viagem não se realizou dentro de um processo de imigração. Desde 1911 que Alfredo Pinto da Cunha era um conceituado ourives, associado ao seu tio José Pinto da Cunha.» (1)


Algumas Ourivesarias e Joalherias no Anuario del Comercio (...), em 1908


No "Livro de Ouro" por ocasião das comemorações do 1º Centenário da Independência do Brasil em 1922

José Pinto da Cunha terá iniciado a sua profissão de ourives na Ourivesaria "Gasparinho & C.ª" na Rua das Flores, 238 no Porto. Por volta de 1897 funda a "Ourivesaria Cunha", na Rua do Loureiro, 46 a 52, no estabelecimento onde, anteriormente, existira a "Ourivesaria Central", e cuja propriedade terá sido atribuída também a José Pinto da Cunha. A firma proprietária tinha a designação de de "José Pinto da Cunha, Sobrinhos". Contudo, em 9 de Fevereiro de 1909, a mesma converter-se-ia em "José Pinto da Cunha, Sobrinho", com Alfredo Pinto da Cunha (1884-1957), sobrinho do proprietário José Pinto da Cunha (?-1930), como principal dinamizador do negócio. 
«Communica-nos o snr. Alfredo Pinto da Cunha, nosso estimado conterraneo, que, em 9 de Fevereiro ultimo, foi dissolvida amigavelmente e de commum accordo a sociedade que, no ramo de ourivesaria e joalheria, girava na praça do Porto sob a firma - José Pinto da Cunha, Sobrinhos, - ficando todo o activo e passivo da extincta firma sob a exclusiva responsabilidade do participante, dito snr. Alfredo Pinto da Cunha, debaixo da nova firma José Pinto da Cunha, Sobrinho.
Ao snr. Pinto da Cunha desejamos todas as prosperidades de que é digno pelas suas grandes faculdades de trabalhador e pelo bom caracter.» in: "Jornal de Louzada" de 21 de Março de 1909.

Em 1911, a ourivesaria viria a sofrer grandes alterações, transformando-se numa das mais luxuosas ourivesarias do Porto. As obras de renovação e beneficiação, foram da responsabilidade de Francisco Oliveira Ferreira (1884-1957), com a colaboração do seu irmão, o escultor José de Oliveira Ferreira (1883-1942), e do pintor Acácio Lino (1878-1956).



Na revista "Illustração Portugueza" de 17 de Novembro de 1913

Passados três anos, destas obras, em 2 de Março de 1914, Alfredo Pinto da Cunha apresentou à Câmara Municipal do Porto um requerimento para construir uma nova ourivesaria, a localizar-se na Rua de 31 de Janeiro, 200-202. O projecto, em estilo Art Noveau, desta nova loja foi, de novo, entregue aos irmãos Francisco e José Oliveira Ferreira, e viria a ser inaugurada em 1916.





1918


25 de Outubro de 1920


Fatura de 20 de Dezembro de 1922


No "Livro de Ouro" 1922/1923

Entretanto entre 1922 e 1923, na esquina da Rua Sá da Bandeira e a Praça da Liberdade ...


"Novo edifício para a Ourivesaria Cunha actualmente - R. 31 de Janeiro nº 200" , antes ...


... e depois. A ourivesaria instalada, será sucursal da "Ourivesaria Cunha" ?

Em 1924, Alfredo Pinto da Cunha (1884-1957) adquire a joalharia "Raúl Pereira e Cª Ltda.", localizada na Rua do Carmo em Lisboa, em sociedade com o seu irmão Gabriel Pinto da Cunha, passando a casa a designar-se de "Joalharia do Carmo". Em 1925, é registado o respetivo logótipo, que passou a integrar a decoração da fachada, desenho da autoria do arquiteto Manuel Norte Júnior. No interior mobiliário em mogno talhado, candeeiros em cristal Baccarat, paramentos revestidos por lambris de madeira a meia altura e expositores em madeira e vidro, seguindo os ambientes luxuosos que os Pinto da Cunha atribuíam aos seus estabelecimentos.

"Joalharia do Carmo" na Rua do Carmo em Lisboa


4 de Dezembro de 1929

Pouco antes do início da II Grande Guerra Mundial (1939-1945), Jacinto dos Santos Machado (1913-2005) vai trabalhar para Alfredo Pinto da Cunha, na "Ourivesaria Cunha", e em 1954 já era sócio da firma. Jacinto Machado, natural de Massarelos, era o decano do comércio de prestígio da cidade do Porto. Iniciou a sua carreira aos 11 anos numa ourivesaria na Praça da Universidade, passou pela "Ourivesaria Moura", na Rua das Flores, e pela "Ferreira Marques" no Porto - que daria origem, em 1926, à  "Joalheria Ferreira Marques", em Lisboa.

Jacinto dos Santos Machado (1913-2005)

 E  «Com a entrada de Jacinto Machado o negócio cresceu visivelmente, quer pela sua enorme carteira de clientes quer pelas modernas técnicas de comunicação. Pinto da Cunha, que já nessa época tinha uma noção avançada de relações-públicas, passou-se então a acompanhar por Jacinto Machado para todo o lado, incentivando-o a uma convivência com potenciais clientes. A ascensão social beneficiou desde logo o negócio, mercê das ligações que mantinham com a alta burguesia portuense. As constantes viagens pela Europa, de comboio, em especial a Paris, onde ia comprar directamente pedras preciosas e procurar inspiração para o desenho das suas peças, tinham feito de ambos, homens cosmopolitas e de gostos requintados. À morte de Pinto da Cunha em 1957, dá-se a transferência para a dinastia Machado. E a renovação da imagem da loja.


1933


Loja "Manuel Narciso da Cunha" com a "Ourivesaria Cunha" ao lado, em 1938

Em 1978, numa política de expansão da firma, dá-se a abertura da primeira loja com o nome Machado Joalheiro, um pouco mais abaixo da Ourivesaria Cunha, ainda na 31 de Janeiro. Dois anos mais tarde, a empresa celebra o seu centenário e convida para o evento, em que se mostrou peças extraordinárias, os seus principais clientes. Nas décadas seguintes, Machado Joalheiro firma o seu estatuto dinamizador e inaugura uma nova loja no novo pólo do comércio de luxo da cidade e a sua histórica loja na Rua 31 de Janeiro é classificada, por despacho governamental, como Imóvel de Interesse Publico, procurando assim preservar na modernidade, a tradição.





(...) Machado Joalheiro continuou a sua política de expansão e inaugurou em 2008 a sua primeira loja em Lisboa, na Avenida da Liberdade, dando mais um passo na estratégia de modernização e crescimento que vem sendo realizada.» in. Machado Joalheiro» in: Machado Joalheiro (história)


"Machado" na Boavista

Na maior parte do espaço anteriormente ocupado pela "Ourivesaria Cunha" situa-se, hoje, a "Confeitaria Serrana", com entrada pelo n.º 52. Apesar de muito deteriorados, é ainda possível observar-se parte dos interiores originais e as colunas da frontaria. No n.º 46 encontra-se a "Casa Arcozelo", de menor dimensão e com menos vestígios da ourivesaria original. Porém, aí, ainda se percebe parte das escadas que davam acesso à mezzanine.



(1) Bibliografia: "A família Pinto da Cunha" - Rosa Maria dos Santos Mota - CITAR/UCP - Centro de Investigação em Tecnologia das Artes, Universidade Católica Portuguesa.

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaDelcampe.netArquivo Municipal do Porto, Garfadas on line, Machado Joalheiro, Biblioteca Nacional Digital do Brasil