Em 1808, na última página de uma pequena revista, com 8 páginas, intitulada "Noticia da Grandes Festas e Illuminações, Que Se Fizerão em Lisboa Nos Mezes de Setembro e Outubro de 1808, Pela Feliz Restauração do Reino de Portugal E Entrada da Esquadra Do Exercito Da Gram-Bretanha", e publicada pela "Impressão Regia" ...
Na primeira década do século XIX, além da mencionada anteriormente, Miss Anna Arrez, apenas encontramos referências a mais três modistas, na cidade de Lisboa: Ana Harris, Madame Rivotti e Eleonor Bédart. Em 1808, Madame Eleonor Bédart possuía atelier num 1º andar na esquia da Rua Nova do Almada com a Rua do Chiado. Era modista privativa do "Real Theatro Nacional de S. Carlos", onde assistia às récitas líricas, no tempo de Junot, ocupando o camarote 77 ou 85 da 3ª ordem. Nessa altura existia, também um modisto famoso, o francês Charles Revot. Era modisto da condessa da Ega e de suas irmãs, residindo no 1º andar do prédio do Largo de S. Paulo esquina coma Rua de S. Paulo.
Tal como no Rio de Janeiro, as modistas e cabeleireiros e comerciantes de moda, de origem principalmente francesa, vão multiplicar-se por Lisboa, nomeadamente a partir da segunda década do século XIX. Algumas modistas chegaram a Portugal apos terem residido em terras brasileiras, como Madame Toussaint, cujo marido, Auguste Toussaint, se intitulava professor de dança de salão e de pantomima da grande "Opera de Paris" e do "Theatro de S. João" do Rio de Janeiro.
O moralista Jose Daniel Rodrigues da Costa, em 1819, criticava a invasão de Lisboa por parte destes artífices, que «corrompiam» a conduta da mulher portuguesa:
Estrangeiras Modistas se apresentão, Com letreiro a janella do que inventão; Que as Modistas de cá, bem que trabalhão, A vista das de fora ja nao calhão (. . .)
Porque lhe basta o nome de Estrangeiro, Para abrir loja, e ser afortunado. Veio do seu paiz esporeado, Chegou aqui, poz loja de vestidos; (...)
Tem fato para magro, e para gordo, Té desapparecer, pondo-se a bordo: Caridade em tal gente sempre luz, Pois vem a Portugal vestir os nus.
Mas dizem muitas língoas maldizentes Que ellas nao vestem, vem despir as entes (. . .)».
Não eram só os moralizadores a contestarem o trabalho das modistas e a forma como se publicitavam. Outros comerciantes reclamavam daqueles que assistiam a uma concorrência desleal, como, as capelistas. Em 1820, num requerimento à "Junta do Commercio", cerca de 45 capelistas de Lisboa pediam que fossem tomadas algumas providencias, contra o prejuízo provocado pelo um grande número de lojas de modistas, um número que excedia o triplo ou quadruplo das lojas das requerentes.
A partir, principalmente, de 1825 e, com maior intensidade após 1830, verificou-se uma proliferação de lojas de modistas, cabeleireiros, sapateiros, chapeleiros, etc., de origem francesa, que se apresentam como os grandes divulgadores e fornecedores dos artigos de moda.
De 1825 a 1850, as modistas mais em voga e que mais se publicitavam nos periódicos foram: Madame Duprat, Madame Line, Madame De Latour, Madame Elisa Augusta, Madame Duprat, Madame Sardin, Madame Burnay, Madame Olivier Botto, Madame Cecilia Gerard, Madame Moreau, Madame Toussaint, Madame Lombre, Madame Levaillant, Madame Perrin, Madame Croiset, Miss Collins, Madame Huguet, Madame Hermann, Mademoiselle Elisa Gautier, Madame Alline Neuville, entre outras.
Um atelier de costura, já em 1916, da Casa de Modas "A. Serra". Salas de espera, exposição, corte e das costureiras
«Antes de Madames Levaillant, Lombré e Aline conquistarem os primeiros postos, houve duas modistas que se celebrizaram na struggle-forlifice das elegâncias: Madame Duprat e Madame Burnay.
A Duprat (Maria Ana Duprat) casou com Sabastião Duprat, proprietário de um armazém de modas num 1º andar, tornejando do Rossio para a rua da Betesga (actual Francfort-Hotel). Mudou-se daqui para um 1º andar no largo do Pelourinho, ficando a comerciar sob o nome social de "Martin Frères, Casa de Fazendas de França". Em 1831 a Duprat estava num 1º andar da rua da Prata e liquidou o armazém de modas em 1845, depois das suas confecções haverem ateado um vasto incêndio de admiração. (...)
O prédio da rua do Alecrim, nº 17 moderno, próximo ao Arco Pequeno, em que Madame Burnay (Maria Ana Burnay) instalou a sua usina dos adornos feminis, pertencia aos herdeiros de Francisco Dias, o Manteigueiro, um dispéptico intelectual, ávaro como um proconsul. (...)
Espectadores da posteridade, interessa-nos saber que, neste ano, (1814), o armazém de Caprany & Burnay se mudou para aquele prédio, então chamado Casas do Leão de Oiro, e ocupou os seus quatro andares, achando-se inscrito no livro de Décimas sob a seguinte firma, na qual entrava João Bptista Burnay, espôso de Madame Burnay: - "Caprani e Bernê com ferrages", etc. Em 1817, aparece notado assim: - "João Baptista Byrné, com quinquilharias e fazendas", etc.; em 1825, dão-lhe o nome de "Bornei"; em 1828, chamam-lhe "Burné" com Caza de Fazendas e com Taberna" (na segunda porta do prédio , ao lado da rua Nova do Carvalho); em 1829, está com o nome de "João Baptista Borné, com vinhos", etc.; e em 1833, aparece êste lançamento nos púlvereos bacamartes, a propriedade a João Baptista Borné, Francez", etc.»
Este João Baptista Burnay era filho de Jean Baptiste Burnay, que ao emigrar para Portugal no início do século XIX, tinha fundado a casa comercial "João Baptista Burnay" e que foi o avô de Henrique Burnay (1838-1909), 1º conde de Burnay, capitalista, empresário, banqueiro e político, do século XIX. De referir que o seu percurso profissional teve início na casa comercial de seu avô.
24 de Julho de 1827
Entretanto, Madame Burnay que se intitulara "Modista de Sua Majestade Fidelissima" em 1835, devido a contratempos vários viu-se forçada a liquidar, em 1838, o armazém de bijouterias, anexo ao armazém de modas, que terminou em Junho de 1840. No seu lugar, instalou-se a "Hospedaria Nautica" e os Burnay estabeleceram um escritório de consignações na Rua Nova do Almada, tendo Madame Burnay falecido em Marvila no ano de 1870.
Factura de Madame Burnay, em 1826
«Pouco distante da Burnay, havia, em 1827, a modista Madame Sardin, ocupando todo o 1º andar do prédio que defronta com a moderna praça Luiz de Camões (então rua da Horta Sêca), rua do Alecrim e rua das Flôres. Em 1831, mudou-se para o Arco do Bandeira, nº 231 moderno 1º andar, contíguo ao arco e com outra fachada para o Rossio. A Sardin faleceu em 1835, pobre e desiludida. (...)
Madame De Latour elegantizava as filhas do idealismo 1830 e Madame Perrin fôra costureira da Despeaux, célebre modista do Primeiro Império e da Restauração. Em 1827, a Perrin ocupava a sôbre-loja e o 1º andar do grande prédio da rua do Carmo, nº 43 moderno, prédio em cuja loja nº 41 moderno existia, desde 1824, o estabelecimento de Joaquim Deniz da Costa, o Bemfica, sapateiro da alta elegância nessa longíqua época. (...) A Perrin tem jús a um cliché da crónica, porque os seus escaparates magnetizavam a atenção das evaporadas, que cultivavam o sensibilsmo à Rosseau, tinham ses papillons noirs, estilavam penteados à Girafa e à Navarino, jaspeavam as caritas com Branco de Sultana, gastavam espartilhos de ganga da Índia e seios postiços de Madame Villaret - "Modista e Costureira de Paris", vivia num 1º andar da rua do Loreto. Escreveu o folheto Esbôço sôbre os espartilhos ou arte de dissimular as imperfeições da natureza -, dormiam com touca, principiavam a usar calçinhas - as pantalonas, usadas pelas mulheres, foram subsituídas por calçinhas em 1828 -. tocavam guitarra nas salas e cantavam, ao som do cravo, a modinha predilecta das meninas da Baixa, sucessoras das sécias e antecessoras das meninas das Avenidas Novas. (...)
Madame Levaillant Tinha vindo trabalhar para o atelier da ilustre Madame Mariana Burnay - que em 18 de Agosto de 1824, obteve o alvará da modista de D. Maria da Assunção, com permissão de ter à sua porta as armas reais -, como costureira, acabando por criar o seu próprio negócio. A partir de 1830, a modista aparece ter rivalizado com a sua congénere. O marido Madame Clementine Levaillant, Pedro Estalisnau Levaillant, intitulava-se como modisto, que podia ter dois significados: aquele que confeccionava roupas femininas profissionalmente ou dirigia um atelier de costura ou, ainda, marido ou companheiro de modista.
... um ponto de confluência dos cavaqueadores superfinos, os que elevavam o dandismo, às alturas de um dogma. Era junto ao prédio em que se estabeleceu a modista Madame Levaillant, no Chiado, nº 29 moderno, esquinando para a rua Ivens, prédio em cujo 1º andar, ou Quarto Nobre, se instalou a modista Madame Hermann em 1825, à qual sucedeu Pedro Adrião Levaillant, que figura assim no Livro de Décimas de 1832: - "Pedro Levaillant, com Fabrica de Modas". Êste homem tivera uma vida acidentada e passou a casa a Madame Levaillant. (...)
A Levaillant, senhora magríssima, feia e de origem belga, veio como costureira para o atelier de Madame Burnay. Amistou-se com o velho visconde do Paço do Lumiar, que, segundo ela se queixava, lhe desbaratou grande parte da sua fortuna. Intitulou-se "Modistade S.M.F. a Senhora D. Maria II, de S.M.I. a Senhora Duqueza de Bragança e de S.A.S. a Senhora Infanta D. Ana de Jesus Maria". Foi quem maior quantidade de modas vendeu a D. Maria II.
A Duprat, a Burnay e a Levaillant iam, pessoalmente, provar a s toilettes a D. Maria II no Paço. Transportavam-se nas seges do segeiro Coqueijo, pagas pela Casa Real mas a Levaillant utilizou-se do seu caleche desde 1850. (...)
Tocada de um desalento linfático, a Levaillant chegára a uma dessas horas de vida, em que, na frase de Byron, os destinos mudam de cavalos. Abandonando o armazém de modas, trespassou-o à Compagnie Parisienne, J. Jourdan et Cte., em 1857. A esta firma sucedeu o quinquilheiro Seixas. Depois de liquidar os negócios, a distinta modista assentou residência no seu palacete da Ameixoeira, falecendo octagenária, anteriormente a 1880, e deixando um nome que volteou sôbre o horizonte de tôdas as crónicas elegantes. (...)
D. Maria II também adquiriu confecções de Madame Marie Joséphine Olivier Boto, a Costureira Franceza, comerciante de modas na rua Nova do Almada, nos. 91 e 93 modernos (actual Pastelaria Ferrari), sôbre-loja e 1º andar do prédio 95 moderno. Nos últimos tempos de D. Miguel, ocupava também o 2º andar. A Boto conseguia fixar o sorriso das elegâncias lineares, dava o fini du soin a tôdas as suas obras, tinha o gôsto "cette ligne invisible qui sépare le distingué du vulgaire", no parecer de Alphonse Daudet. (...)
Acerca dos fins a que se destinava o 1º andar do armazém da Lavaillant, circularam atoardas que se tornaram extensivas ao 1º andar do armazém de Olivier Boto. Em torno daqueles dois andares, criou-se uma atmosfera de misterio elegante e sugestivo. Propalou-se que várias damas casadas iam ali reeditar o flirt de Eva com a serpente edénica. Também Madame Joséphine Neuville, sobrinha da Levaillant, atacada de literaturite aguda, publicou um escandaloso livro de recordações, no qual deixa perceber que as costureiras francesas de sua tia eram outras tantas femeas encharcadas no pecado. O livro intitulava-se "Memórias da minha vida", e, segundo correu, brotára do tinteiro de Sant'Ana e Vasconcelos, um Aquiles sem calcanhar vulnerável. (...)
Outra modista conseguiu hiperbolizar-se em dictadora do trapo. Aludimos a Madame Lombré, sucedânea de Madame Moreau - que estivera em 1830, no 1º andar por cima da Pastelaria Ferrari, na Rua Nova do Almada, andar depois ocupado pela Olivier Boto - instalada no Chiado, nos 32 e 34, e 1º andar do nº 35, defronte da Rua Ivens. Depois da sua morte, seu filho trespassou a casa ao Adolfo Marsoo.» (1) No 1º andar da esquina da Rua Nova do Almada com a Ruado Chiado, existiu entre 1828 e 1830, o modisto Bazílio Duarte.
Madame Aline Neuville montou armazém no Chiado, nº 17 moderno, 1º andar, em 1849, e nas lojas nos 21 e 23 modernos, em 1852. Matrimoniou-se com Charles Neuville, irmão da escritora Joséphine Neuville, e era prima de Jules Grévy, presidente da república francesa em 1879. Revelando-se modista de génio, patenteando-se entre as artistas das confecções, como caso anómalo de diferenciação progressiva, (...) A sua primeira coupeuse ou contra-mestra, Madame Olivier, tinha, por assim dizer, o senso musical da toilette. Esta parisiense amancebou-se com o Narciso de Freitas Guimarães (filho de um dos Contratadores do Tabaco), que a estabeleceu no 1º andar do prédio da Pastelaria Ferrari, na rua Nova do Almada. E a Olivier só voltou para França, depois do marquês de Niza lhe dourar a sua juba de leoa amorosa.
De referir que foi esta modista Aline Neuville que forneceu o enxoval para o baptizado do príncipe D. Carlos (futuro Rei D. Carlos I), ao que a Casa Real lhe chegou a dever 66 contos de réis, dívida esta coberta por letras. Forneceu, igualmente, o enxoval para o casamento da 3ª duquesa de Palmela, que ascendeu a 28 contos de réis. «Andados anos, aquela fidalga mandou-a citar judicialmente, por causa de certa questiúncula. Mas a modista, em revindicta, coscuvilhou à Princeza Rattazi alguns malignos pormenores, referentes a essa ilustre titular e depois reproduzidos no Le Portugal à vol d'oiseau.»
A partir do momento em que as modistas recebiam novas mercadorias diretamente de França ou Londres, apressavam-se a anunciá-las. Mas não se limitavam a receber as mercadorias. Iam, uma ou mais vezes, a Paris ou Londres abastecer-se, trazendo para os seus armazéns de moda e ateliers, novos modelos para futuras confecções. Comunicavam que, quem quisesse os seus serviços para todo o país, ou mesmo para o Brasil, podê-lo-ia fazer, também, através de encomendas.
Muitas delas estavam associadas ao estabelecimento comercial do marido, que poderia ser cabeleireiro, alfaiate ou um mero lojista, tal como Madame Huguet, modista, fabricante dos coletes para a Casa Real, cujo marido ... «Huguet, Cabelleireiro Largo das duas Igrejas (vulgo do Loreto) nº 7 com armazem de perfumarias, luvas do Porto e varias fazendas (...) Madame Huguet continua egualmente com casa de modas fabrica de gravatas e coletes».
Muitas destas modistas chegavam a Portugal acompanhadas de outros elementos familiares, como o caso de Madame Sardin, que veio acompanhada por duas filhas, Atanasia e Cecilia Gerard, criando a firma "Sardin, Filhas & Companhia" ou Madame Hermann que chegou de Paris acompanhada de duas senhoras das mais competentes. Outras criavam a sua prória firma como Madame Josephine Olivier Botto, neste caso após a morte do marido, Manuel Maria Donas Botto ... «No armazem de modas de Madame Olivier Botto e Companhia, rua nova do Almada Nº 28, junto ao Pote das Almas (...)». Estas modistas, com regularidade, empregavam costureiras que confeccionavam o trabalho mais penoso, pelo que alguns avisos (anúncios) também eram usados para recrutar outros profissionais, como costureiras.
Pelo que anúncios evidenciavam, os estrangeiros, tentavam apoiar-se reciprocamente, abrigando ou mesmo dando emprego a muitas colegas de profissão e compatriotas, sem prejuízo de, mais tarde, se emanciparem e tentarem estabelecer-se por conta própria: «Madame Josephine, modista Franceza, tendo-se retirado da casa de Madame Perren, offerece o seu prestimo pelo tempo que persistir nesta Cidade as Senhoras (...)». Era usual recorrerem ao nome do antigo empregador, para lhes dar credibilidade, quando estes já celebrizavam as suas confecções ao vestirem as figuras de maior notoriedade na sociedade.
Conto de Mário de Sá Carneiro (1890-1916)
Retirei do livro "Os Miseraveis da Aristocracia", de A. Varela editado em 1868, o seguinte excerto:
- Ficou muito boa, respondeu a Marqueza. E verdade, continuou ella, depois d’um momento de silencio, o Marquez já pagou o importe? ,
- Ainda não, minha senhora, respondeu a modista.
- Quanto é? perguntou apressadamente José Pereira, mettendo a mão no bolso do colete.
- Eu vou saber, respondeu a madama. Tenham a bondade de descer ao magasin, que eu já vou ter com Vossas Excellencias.
A Marqueza e José Pereira desceram para a loja, e quasi no mesmo instante a dona da casa, apparecendo e aproximando-se dos dois freguezes, disse-lhes:
- São dez libras.
José Pereira tirou promptamente o dinheiro da carteira e entregou-o á modista franceza, a qual lhe fez uma rasgada mesura, ao mesmo tempo que abria a mão, terminando estes rapa-pés com um forte e sonoro:
- Muito agradecida»
A movimentação de algumas modistas famosas em Lisboa, foi resumido neste pequeno texto retirado do livro "Lisboa d'outros tempos" de Pinto de Carvalho (Tinop), de 1898:
«Mathias Ferrari, veiu estabelecer-se na rua Nova do Almada, na loja onde estivera a modista Madame Olivier Botto, tão notável confeiçoadora de toilletes como Madame Justine, na mesma rua ; Madame Sardin, «primeira e única modista da infanta regente D. Izabel Maria», com atelier na rua da Horta Secca ; Madame Maria Anna Burnay (avó do actual conde de Burnay), "modista da Sereníssima Infanta D. Maria d'Assumpção", cujo estabelecimento era na rua do Alecrim, 10, mas que também vendia relógios d'alabastro, de bronze, com chafarizes fingindo agua, painéis com relógio e musica, lamparinas com e sem relógio, vasos neveiros, louças, e os jornaes francezes Petit Courrier de Dames e o Journal de Modes; e Madame Hermann, que chegara em 1825, e se estabeleceu na rua de S. Francisco da Cidade, n.° 1, (loja e primeiro andar) á esquina do Chiado, onde, de 1827 em deante, esteve a Levaillant; e a Duprat, na rua da Prata.»
Algumas modistas recebiam, por herança, as casas de moda dos seus familiares como, por exemplo, uma das modistas mais em voga na segunda década do século XIX, e já mencionada anteriormente, Madame Ana Octavia Duprat, ... «(...) sucessora de Madama Martin tem a honra de partecipar a todas aquellas pessoas que costumão sortir-se do seu armazem de fazendas (...)»
Muitas destas profissionais intitulavam-se e anunciavam a sua atividade acrescida da honoravel distinção da Casa Real, Sua Alteza Serenissima a Senhora Infanta D. Isabel Maria, de Sua Alteza Real, Modista da S.A. Serenissima Infanta D. Maria d’Assumção e mais Serenissimas Infantas, etc., o que demonstrava que tinham conseguido atingir a notoriedade a que se propunham: servir os elementos femininos da Casa Real. Algumas modistas até tiveram o privilégio da utilização das armas reais nas suas casas ou estabelecimentos. Madame Sardin, Cecilia Gerard, Madame Levaillant, Madame Burnay ou Madame Huguet, foram entre outras, as que viram reconhecidas os seus serviços.
De salientar que a designação de fornecedor ou detentor das armas reais só podia ser divulgado por quem tivesse recebido o respectivo alvará régio, sendo totalmente proibida a sua utilização abusiva. Alguns conseguiam estes privilégios em Portugal, recorrendo a influências junto da corte, nomeadamente representantes diplomáticos ou consulares. A exteriorização dos privilégios concedidos estendia-se à utilização das armas reais, que podiam ser multiplicadas em diversos materiais gráficos, como caixas, folhetos, facturas, cartões, catálogos, placas nas fachadas das suas lojas, como o caso de Madame Burnay ou Madame Levaillant.
A sobrinha da modista Madame Levaillant, Josephine Neuville, referindo-se ao ambiente do atelier e armazém de sua tia onde circulavam muitas costureiras e onde se convivia com intrigas e maledicências, descrevia-as como mulheres de conduta duvidosa, que ambicionavam uma vida melhor, suportada pelas opulências de homens riquíssimos que não conseguiam resistir às suas seduções. Estas casas de modas e ateliers, por vezes, também serviam para proporcionar encontros de algumas clientes casadas com os seus amantes, como a da modista Madame Olivier Botto.
As costureiras e as modistas eram alvo das conquistas dos janotas, «As portas da modista Levaillant, da modista Aline, a janotaria sustentava nutrido fogo paras as janelas da modista Lombre, (...) do cabeleireiro Baron, onde Madame Baron servia de alvo e para as da modista Levaillant, onde mademoiselle Pauline era o ponto de mira da buliçosa mocidade»
Segundo o "Almanach Commercial de Lisboa", de 1885, a lista de modistas e lojas de fazendas (principais) era a seguinte:
Com o início do século XX, três páginas de um pequeno apontamento da revista "Illustração Portugueza" de 12 de Agosto de 1912, desta vez dedicado às costureiras:
Júlio Castilho no seu livro "Lisboa Antiga", de 1903:
Quando todo o transito se fazia pelos Paulistas, Loreto, e rua Nova do Carmo, esta serventia entre as duas egrejas e o Espirito Santo (hoje palácio Barcellinhos) foi o boulevard des Italiens, a Regent Street; a puerta del Sol, o unterden Linten, o Corso, de Lisboa.
Ahi, começaram a ver-se lojas grandes, claras, rutilando de bronzes e crystaes.
Ahi triumpharam vários nomes, que ainda hoje se proferem: o do mencionado botequineiro Marrare, que, sem ser académico, manteve uma quasi Academia; o da modista franceza Madame Elisa; o do cabelleireiro Baron, com as suas mesuras ridentes, e a sua conversação noticiosa de parisiense amável; o do cabelleireiro e perfumista Godefroy, grave, loiro, e cortez;o do alfaiate Airolles; o do aristocrático e bondoso Strauss; o da modista Real Madame Levaillant, que na esquina oriental do seu 1º andar para a rua de S. Francisco ostentava um tropheo internacional de brasões e bandeiras de taboa; o do quinquilheiro José Alexandre, prototypo do que havia melhor em Londres e Paris; o do quinquilheiro Seixas, sympathico, hospitaleiro como poucos; o do quinquilheiro Magalhães, em cuja loja riquíssima passou a affluir a elegância depois de fechado o Marrare ; o do apurado sapateiro Manuel Lourenço; o dô mercieiro Martins; o nome quasi lilterario dos honrados livreiros Bertrands ; e quantos mais, que não sei!»
Bibliografia:
- Foram retirados, ou adaptados, alguns excertos de textos de «Alfaiates e as modistas em Lisboa (1775-1850): subsidio para aHistória do traje e da Moda» - Maria Antonieta Lopes Vilão Vaz de Morais - "Revista de Artes Decorativas nº 6" de 2012-2014 - Universidade Católica Editora - Porto
- Todos os parágrafos em itálico, e dentro de aspas, foram transcritos do livro "Lisboa de Outrora" Vol II, de João Pinto de Carvalho (Tinop) - Publicação póstuma coordenada, revista e anotada por Gustavo Matos Sequeira e Luiz de Macedo - Edição "Amigos de Lisboa" (1938).
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital
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