Restos de Colecção: Hotel Alliance no Chiado

12 de outubro de 2023

Hotel Alliance no Chiado

O "Grande Hotel Alliance", também conhecido e apelidado pela sua primitiva denominação, de "Hotel Alliança", terá aberto as suas portas, pela primeira vez,  no início de 1863. na Rua do Secretario da Guerra (incorporada na Rua Nova da Trindade em 1 de Junho de 1863), esquina com a Rua do Chiado (actual Rua Garrett) - Largo das Duas Egrejas. Ao seu lado, na Rua do Chiado, viríamos a encontrar o "Hotel Borges", ali inaugurado em 31 de Outubro de 1882 

O "Hotel Alliance", que passou a esta denominação a partir de 1897, tinha sido fundado na Rua do Alecrim, por volta de 1855, conforme atesta uma passagem do livro "Apontamentos de um folhetinista" de Julio Cesar Machado: «Escolheu a actriz o Hotel Alliança", que era, n'esse tempo, na rua do Alecrim.». Mudaria para o Largo do Loreto no início de 1863. Em 1897 era propriedade da firma "Rodrigues & Egreja".


22 de Janeiro de 1863


1863

Este hotel nunca foi muito falado nem publicitado, apesar se ter instalado na principal e mais in zona de Lisboa oitocentista, o Chiado. Começou por ocupar o primeiro andar do edifício onde já se encontrava a famosa tabacaria "Casa Havaneza", fundada em 1861. Mais tarde estender-se-ia ao 2º andar. Creio que nunca chegou a ocupar o edifício todo, mas apenas os primeiro e segundo pisos.

1881

1888



10 de Abril de 1897

Entretanto, em 1902, abria na Rua da Assumpção, nº 42 outro hotel com um nome muito idêntico: o "Alliança Hotel".


1903

Em 1904 o "Hotel Alliance" pertencia a Caetano Eiró Rodrigues. Nesse mesmo ano, o Par do Reino, Gonçalo Xavier d'Almeida Garrett (1841-1925), sobrinho paterno de Almeida Garrett (1799-1854), vivia no "Hotel Alliance".

Quanto à qualidade do "Hotel Alliance", Maria Letizia Rattazi (Marie-Lætitia Bonaparte-Wyse) (1831-1902), expressando a sua opinião acerca dos hotéis lisboetas, no seu mui polémico livro "Portugal de Relance" - "Le Portugal à vol d'oiseau; Portugais et Portugaises" -, de 1879, comentava, em relação ao "Hotel Alliance" :
«O Hotel Alliança, no Chiado, tem menos ratos mas muitos mais percevejos e percevejos belliciosos. N'este hotel cozinha-se uma só vez cada anno; durante os outros 364 dias ou 365, quando o anno é bissexto, come-se a reprodução da mesma sopa, do mesmo caldo e da mesma gallinha.» 


"Hotel Alliance" aquando da vista do Rei Eduardo VII de Inglaterra a Lisboa, em 1903


1907


1913

Mas, quanto a hotéis, o mal era geral, já que Maria Rattazi em relação ao "Hotel de Lisboa"  de João Matta ...
«O Hotel de Lisboa, próximo ao Correio Geral, occupa um antigo palácio. Grande numero de ratos e morcegos alli celebram congresso todas as noites. Affirmaram-me alguns maldizentes que não só se come muito mal no hotel de Lisboa, como não se dorme.» Quanto à comida uma nota de rodapé afirmava: «Parece que os alludidos maldizentes desfiguraram a verdade. O Hotel de Lisboa funcciona sob a superintendência do sr. Matta, afamado cozinheiro e auctor de uma Arte de cosinha muito apreciada.»

Já agora, para ela o melhor hotel era o "Hotel Bragança" ou "Braganza Hotel" ": 
«O Hotel Bragança, erguido n'uma das eminências da cidade, com uma admirável vista de mar, é excellente e muito bem administrado, mas caríssimo; é incomparavelmente o melhor de todos. Todavia as camas são ahi tão duras como em qualquer outro; parecem cheias de rolhas de garrafas.»

Recordo que na sequência da publicação deste livro, levantaram-se contra Maria Letizia Rattazi tantos protestos e antipatias que ela nem teve coragem de dedicar o livro a alguém ... 

«Que nome posso eu escrever no frontispicio d'este livro tão discutido?
A quem heide dedical o?
A Portugal? Não ouso fazel-o. (...)
Resolvo-me, por conseguinte, a pedir aos meus inimigos que se dignem acceitar a humilde dedicatória que lhes endereça
a sua obediente e innocente serva.»

O certo é que, em 15 de Março de 1908, o jornal "A Risota" publicava o seguinte poema assinado por Antinio Ericio:

No livro "Os Maias" de Eça de Queiroz (1845-1900) e publicado em 1888, o "Hotel Alliance" é várias vezes mencionado. Aqui fica uma das referências ao mesmo:

«Ega não quis subir.
- Até logo — disse ele. - Vou talvez procurar o Simão Craveiro e falar-lhe da Revista.
Subiu lentamente o Chiado, leu os telegramas na Casa Havaneza. Depois à esquina da Rua Nova da Trindade, um homem rouco, sumido num paletot, ofereceu-lhe uma “senhazinha”. Outros, em volta, gritavam na sombra do Hotel Alliance:
- Bilhete para o Ginásio! Mais barato... Bilhete para o Ginásio! Quem vende?...
Havia um cruzar animado de carruagens com librés. Os bicos de gás do Ginásio tinham um fulgor de festa. E Ega deu de rosto com o Craft que atravessava do lado do Loreto, de gravata branca e flor no paletot.»

Igualmente no livro "Manhãs de Cascaes" de Alberto Pimentel (1849-1925) publicado em 1893, é referido por vários momentos o "Hotel Alliance":

«Logo que eu chegar, vou hospedar-me no Hotel Alliance para me lavar e descançar. A meia noite pouco mais ou menos, mando um criado do hotel alugar um dominó preto ao Cruz da rua Larga de S. Roque. Dirijo-me em seguida ao theatro da Trindade, vou direito ao camarote onde estiver a familia de v. ex." e proponho-me intrigal-a, com casos certos, durante uma boa hora.»

O jornal "Diario Illustrado" durante a passagem pelo "Theatro do Gymnasio" da medium e «somnambula» Ema Zannardelli e o dr. May (magnetismo) entre de 1 e 10 de Maio de 1883, noticiava em 9 de Maio:

«E' hoje que o dr. May offerece á imprensa de Lisboa uma sessão de magnetismo no Hotel Alliança.»

O "Hotel Alliance" encerrou, definitivamente, no ano de 1936, ao fim de cerca de 82 anos de existência. O seu último proprietário foi Pierre Espinosa.


1933

Já com a seguradora francesa "La Preservatrice" instalado no lugar do "Hotel Alliance" em foto de 1939


1965

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