Restos de Colecção: João da Matta - Cozinheiro e Hoteleiro

3 de setembro de 2023

João da Matta - Cozinheiro e Hoteleiro

João da Matta era filho do velho cozinheiro João da Matta, rival dos mais célebres cozinheiros do seu tempo: Domingos Carena e Manoel Jose Barreiros, o "Manoel do Lumiar". Curioso é que a sua origem e a vida privada fossem incógnitas já no seu tempo. Como se escrevia num jornal de então, «João da Matta nasceu no primeiro dia em que pegou na caçarola, que mais tarde o iria tornar imortal e que lhe abria o caminho para o Olimpo, ao lado dos semideuses». A morte do pai levou a família à penúria, pelo que sua mãe pediu a um capitão de navios, que o levasse para o Brasil, onde se tornaria empregado de comércio. Porém assustado com a ideia e a viagem, recusou-se a emigrar para o Brasil e ao amanhecer saiu da casa do capitão e foi sentar-se no Rossio, só e em lágrimas. «Mas um cozinheiro amigo do pai Mata, passou por ali, em direcção à praça da Figueira, e encontrou-o. (...) O bom homem ofereceu-se, então, para o empregar, como marmiton, na casa onde servia, ao que o rapazito anuiu.» Ou seja, para lavar pratos e fazer tudo o mais que fosse necessário.


«Ascendendo das modestas funções de bicho de cozinha à categoria de cordon bleau, trabalhou nas primeiras casas lisboetas, a última das quais foi a do Visconde da Várzea da Ordem. Em 1848, estabeleceu-se com restaurante num 1º andar da rua do Alecrim, esquinando para o Cais do Sodré e que apelidou de "Restaurant á la Carte".
No ano de 1851, o imortal cozinheiro renovou-o "com todo o gôsto parisiense", anunciava êle no Diário do Govêrno.» in: "Lisboa de Outrora" Pinto de Carvalho (1939 edição do Grupo Amigos de Lisboa).


"Restaurant á la Carte" esteve no 1º andar do edifício, à direita na foto da Praça Duque de Terceira


"Novo Guia do Viajante em Lisboa e Arredores" de 1853

Este restaurant, instalou-se no "sitio dos Remolares" João da Matta, além de cozinhar servia às mesas e era ele quem, logo pela manhã, percorria todas as bancas da "Praça da Figueira", a fim de escolher e adquirir os melhores géneros. Segundo Pastor de Macedo « em 1851 já ele tinha ganho algum dinheiro servindo jantares diplomáticos e deliciosos piqueniques, segundo nos é dado concluir de certo anúncio estampado no Diario do Govêrno: "João da Matta, estabelecido com caza de pasto no Caes do Sodre, grato a todos os seus freguezes, que se teem dignado peferil-o para o serviço de jantares diplomaticos e pariculares, e pique niques, a que teem concorrido as principaes famillias de Lisboa, participa que reformou a sua caza toda ao gôsto parisiense, e continua tanto nella como nos jantares para fora, a empregar todo o seu desvello para o melhor serviço"»

No seu livro "A Ribeira de Lisboa: descripção historica da margem do Tejo desde a Madre-de-Deus até Santos-o-Velho» Júlio de Castilho (1840-1919) descrevia o lugar onde se situava o restaurant: 
« (...) sitio dos remolares, um pequeno largo regularissimo, ao topo da bella Rua do Alecrim, limitado sobre o Tejo pelo caes supramencionado. A architectura dos edificios ficou subordinada ao plano de Eugenio dos Santos. (...)
Começou a obra de empedramento da praça dos Remolares em Janeiro de 1850» e Júlio de Castilho continuava ...
«Em 1860 havia ao centro da praça uma escadaria circular de poucos degraus, e de 2 metros de diâmetro, tendo ao centro, sobre um pedestal, uma meridiana, ou relogio de sol. Essa meridiana (como tantas coisas inoffensivas e uteis!) tornou-se alvo dos epigrammas, mais ou menos agudos, do Lisboeta. Ha uns certos sujeitos inúteis, que só sabem rir, rir de quem trabalha, epigrammar a quem serve. A meridiana era proveitosa; fazia o seu serviço, e cumpria-o bem; andava ás ordens do sol, e obedecia-lhe ponctualissima, em beneficio dos proprios ociosos que a desprezavam. Pois era moda dizer mal d elia. (...)
A meridiana foi emfim substituída (e com vantagem) pelo monumento do Duque da Terceira, cuja primeira pedra se assentou em 24 de Julho de 1875. A estatua, obra do nosso correcto escultor, e meu amigo, o snr. José Simões de Almeida Junior, ergueu-se em 4 de Julho, e foi inaugurada em 24 do mesmo mez, em 1877, 44º anniversario do desembarque do Duque em Lisboa com as tropas constitucionaes do seu commando.»


Praça dos Remolares" e a "Meridiana" ao centro. Restaurant Matta no 1º andar do prédio de esquina, à esquerda na gravura 


A "Meridiana" e o famoso "Hotel Central", que terá aberto por volta de 1855. Na loja à esquerda o não menos famoso "Café do Grego"

Quanto ao restaurant, o olissipógrafo, João Pinto de Carvalho (Tinop) relatava no seu livro "Lisboa de Outrora" :
«Ao Manoel Hespanhol cabe a gloria de haver creado o primeiro restaurant fino de Lisboa. Estabeleceu-o no primeiro andar do prédio que torneja do Caes do Sodré para a rua do Alecrim. Ahi lhe succedeu João da Matta, em 1848, com o seu primitivo restaurant, annunciando então que "offerecia uma sala decorada com um gosto totalmente novo, e ainda não visto em Lisboa." Tornou-se a casa favorita da roda chic. Teve uma clientella magnifica. Janotas e litteratos, politicos e bohemios, todos vinham á jube domine do marechal dos cozinheiros nacionaes, do principe dos manipuladores d'acepipes, que - d'avental e barrete branco - dictava a lei em assumptos culinarios.
Os principaes restaurants da epocha foram o do Matta, o do Chapellier - um inspirado, um bruxo! como lhe chama Benalcanfor - , e o do Simão Molle, primeiramente no largo do Pelourinho e depois no Corpo Santo. O visconde de Benalcanfor prestou a merecida homenagem a todos estes eminentes discípulos de Brillãt-Savarin no seu espirituoso folhetim, As Necropoles do estômago, inserto no Diário de Noticias de 1882.
O Matta mudou o estabelecimento para a rua do Oiro, omde hoje está o Monte Pio Geral, dahi passou para a rua Nova do Carmo, depois abriu um hotel no Chiado, tendo, ao mesmo tempo, um restaurant na do Outeiro, ainda depois transferiu o hotel para o Calhariz, e, por fim, para a Avenida da Liberdade. Pôde, francamente, dizer se que nenhum portuguez comprehendeu melhor do que elle toda a philosophia. . . pantagruelica, que se encerra na nossa quadra popular: 

Comer e saber comer
são dois pontos delicados,
Os que comem são sem conto,
Os que sabem são contados.


23 de Dezembro de 1860


"Novo Guia do Viajante em Lisboa e Arredores" de 1863


1863


Edifício do "Montepio Geral" na Rua do Ouro em foto dos anos 50, onde funcionou o "Restaurant Matta" nas lojas e 1º andar,  entre 1863 e 1873

Em 1871, abre o "Grande Hotel de João da Matta" na, então Rua do Chiado, actual Rua Garrett, nº 72 1ºandar, no palácio que tinha pertencido ao Marquês de Niza, e no qual se instalou, posteriormente, o "Turf -Club" - defronte à "Livraria Bertrand".


22 de Outubro de 1871


Praça do Loreto e "Grande Hotel de João da Matta" no 1º andar do edifício dentro do rectângulo desenhado.


Edifício do "Grande Hotel de João da Matta" (1º andar) dentro do rectângulo desenhado. Foto passagem da Rainha D. Amélia por ocasião do desfile do carnaval.


7 de Abril de 1872


13 de Setembro de 1873

Mas em 14 de Setembro de 1873, inaugura o seu novo hotel: "Grand Hotel du Matta", no Largo do Loreto, no "Palácio do Loretto", cujo último proprietário tina sido o empresário e presidente da "Associação Commercial de Lisboa", José Ferreira Pinto Basto (1774-1839) e que seria o fundador, em 1824 da "Fábrica de Porcelana da Vista Alegre". Mantinha, no entanto, em funcionamento o da Rua do Chiado, 72 -1º andar.


Acerca do passado deste Palácio até 1873, passo a transcrever uma passagem da revista "Olissipo"  de Julho de 1957:

«A sua origem, posterior a 1830, deve-se ao abastado negociante e industrial José Ferreira Pinto Basto (1774-1839), que mandou levantar o airoso edifício sobre os antigos alicerces dum casarão que aí existia desde 1791, pertencente a outro rico negociante, de nome Francisco Higino Dias Pereira (director da "Companhia de Seguros Commercio de Lisboa" fundada em 18 de Março de 1874), em cujo primeiro andar residiu até 1801, data do seu falecimento. As duas ruas que ladeiam o Palácio, primitivamente chamadas do Tesouro Velho e do Oiteiro, dão hoje pelos nomes de António Maria Cardoso e Paiva de Andrada. Nos seus jardins situou-se o palácio de Pedro Álvares Cabral de Lacerda e suas dependências, e no mesmo lugar, em 1820 ou 1822, Pinto Basto estabeleceu um pequeno laboratório químico, tendente ao descobrimento de barros com os requisitos necessartos para fabricar porcelana. Só em 1824, depois de porfiados esforços, fundou a Fábrica de Vista Alegre. (...)


José Ferreira Pinto Basto (1774-1839)


Largo das Duas Egrejas, palácio e chafariz do Loreto


José Ferreira Pinto Basto e sua família


"Palácio do Loreto" após a Companhia de Seguros "A Mundial" ali se ter instalado em 1914

O Hotel de Italia, pertencente a Barradim, que "dava uns finíssimos jantares de peixe às sextas-feiras, e tinha o melhor cognac conhecido em Lisboa", já em 1850 ocupava o rico imóvel, onde se realizou o banquete oferecido a Constantino, rei dos floristas, a primeira vez que esse notável artista voltou a Portugal, tendo presidido Almeida Garrett. Aí se hospedou em 1852 o poeta castelhano D. Francisco Martinez de la Rosa (1799-1862).


"Hotel de Italia"


"Novo Guia do Viajante em Lisboa e Arredores" de 1863

Seguiu-se-lhe o Hotel Mata, do formidável culinário João da Mata - "príncipe dos cozinheiros portugueses" lhe chamou o professor Mello Breyner - que conheceu e privou com as grandes notabilidades do tempo e que Guerra Junqueiro muito reclamava. João da Matta criou dois pratos que entendeu dedicar à Família Real Portuguesa e à Família Imperial Brasileira, e publicou dois livros de cozinha, um dos quais com prefácio de Alberto Pimentel, datado de 1875 - "Arte de servir á meza ou Preceitos uteis para criados e donnos de casa". Mas a série dos estabelecimentos desse género abriu com o Hotel da Península (1844-1848), que bateu os dois outros em notoriedade e luxo, dizendo-se que estava convertido na mais bela hospedaria de Lisboa. Logo após a inauguração, a 24 de Outubro, deu hospedagem ao enviado do Sultão de Constantinopla, Fuad Effendi, que três dias depois foi apresentado a Suas Majestades e a 24 do mês seguinte foi recebido pelo Duque de Palmela, no Paço do Lumiar, que lhe ofereceu um almoço-dançante, com jogo ide xadrez.». O "Hotel Italia" (1850-1853) terá sido o mais luxuoso dos três hotéis que funcionaram neste Palácio. Seu nome terá tido origem no facto da se localizar perto da Igreja do Loreto, também conhecida por "Igreja dos Italianos".


"Hotel da Peninsula" (1844-1848)


"Guia de Viajantes em Lisboa" de 1845

«A vida mundana das altas classes acompanhava estas expansões publicas. No seu theatro das Laranjeiras o Conde do Farrobo recebia a alta sociedade. No seu palacio do Rato o Marquez de Vianna hombreava com elle. O Club Lisbonense, a Assemblêa da rua da Horta-Secca. o Hotel da Península, a Philarmonica da rua do Alecrim, a Thalia, no campo de Santa Clara, os bonitos bailes do Marquez de Vallada, ao Calhariz. congregavam o que havia de melhor na pléiade elegante.» in: "Amor de Mãe" de Júlio de Castilho (1840-1919).

Voltando a João da Matta, de referir que os seus restaurantes e hotéis eram frequentados por toda a nata da sociedade, local ou em visita, que se deslumbrava com refeições completas e formais ou com os simples, mas afamados petiscos, mencionados em obras de grandes autores da época, todos apreciadores da arte deste chef e cientes da sua notoriedade. Entre os clientes, nada mais, nada menos, que Alexandre Herculano, Guerra Junqueiro, Guilherme d'Azevedo, Rafael Bordallo Pinheiro e muitos outros intelectuais; o imperador do Brasil, D. Pedro II, e a sua filha Isabel; as artistas internacionais Adelina Patti e Sarah Bernhardt e, claro, o mais conhecido bon vivant de Lisboa, o primeiro Conde de Farrobo - Joaquim Pedro Quintela (1801-1869) -, que encomendava o catering do Matta.


Os três restaurants de João da Matta no "Almanach Commercial de Lisboa" de 1880


27 de Setembro de 1879


1 de Maio de 1880


1880

Em finais de 1881, o "Restaurant Matta" da Rua Nova do Carmo já tinha outro proprietário ...


24 de Dezembro de 1881

Quanto a este restaurant tenho a referir o seguinte: No 1º andar da Rua Nova do Carmo, 102, em 1865 estava instalada a hospedaria “Pomba de Oiro”, que, em 1879, já aparecia referenciada nos guias do viajante e almanachs, como “Hotel Pomba de Oiro”. Mas no ano seguinte, 1880 este hotel desparecia da lista de hoteis do "Almanach Commercial de Lisboa", mas no seu lugar o "Restaurant Matta", na rúbrica "Restaurants" do mesmo almanach (ver figura terceira acima). Ou seja o "Restaurant Matta" instalou-se no lugar do antigo "Hotel Pomba de Oiro" - 1º andar do nº 102 da Rua Nova do Carmo. Ficaria por lá até 1887, ano em que no 1º semestre, o galego José Maria Trigo Gonzalez reabre, de novo como hotel, o "Hotel do Universo", mais tarde renomeado de "Hotel Universo".


1º andar do primeiro prédio, à esquerda na foto, onde esteve instalado o "Restaurant Matta"


"Restaurant Matta", da Rua Nova do Carmo, 102 no "Almanach Commercial de Lisboa" de 1886

E quanto ao "Restaurant Matta", na Rua do Outeiro, ao Loreto ... : «Guerra Junqueiro, Guilherme d'Azevedo e o sr. Henrique das Neves, sahiam uma noite do verão de 1874 ou 1875 (...) Depois de subirem o Chiado deram fundo no restaurant do Matta, que então estava na rua do Outeiro, onde ceiaram, principescamente, o bello bacalhau guizado com pimentões assados, uma petisqueira maravilhosa, devida á fértil inventiva d'esse grande chimico culinário.» in: "Lisboa d'Outros Tempos" de Pinto de Carvalho (1898). A rua do Outeiro é a actual rua Paiva de Andrada, que faz esquina com a Rua Garrett.

Entretanto, em 1875 é anunciada a edição e publicação do livro "Arte de Cosinha por João da Matta" que será datada de 1876 a sua primeira edição, pela "Livraria Editora de Mattos Moreira & C.ª " na Praça de D. Pedro IV, 68 (Rossio). Viriam a ser publicadas mais três edições, em 1882. 1888 e 1900.


29 de Dezembro de 1875


Primeira edição de 1876

« (...) Ao rever as receitas observa-se uma forte influência da cozinha francesa, que se demonstra pelas técnicas e apresentação, mas também pela nomenclatura dos pratos, o abundante uso da manteiga e o abandono por completo da combinação de carne com açúcar. O receituário é impressionante, elaborado, harmonioso, e de um teor técnico incrível. João da Matta atingiu um à época o estatuto de super-estrela, e trocava impressões com figuras marcantes da cultura e culinária portuguesa, como por exemplo o Abade de Priscos, criador do inigualável pudim homónimo. Dedicou ao amigo e poeta Bulhão Pato a incontornável receita de amêijoas que hoje todos conhecemos e adoramos. No seu livro constam também umas das primeiras receitas (publicadas) de bolinhos ou pastéis de bacalhau.» por: Maria Sena e Bruno Carvalho

Quanto à utilização generalizada do termo francês «restaurant» em vez de restaurante, José Leite de Vascocellos nas suas "Lições de philologia portuguesa dadas na Biblioteca Nacional de Lisboa" (1911), refere: 
«A não querer substituir-se por casa de pasto, deve dizer-se restaurante, e não restaurant, á francesa. É curioso que no Porto, pelo menos aqui ha uns annos, só se via escrito restaurante ; em Lisboa, com excepção, tanto quanto sei, de um único restaurante, de mais a mais francês, que se intitulava ou intitula assim mesmo, o usual é restaurant; na Figueira da Foz, como cidade intermédia, ora se usa -ante, ora. -ant. Parece que a lingoa se vae debilitando do Norte para o Sul!»

O "Grand Hotel du Matta" encerraria em 1877, e novo hotel de João da Matta se instalaria no "Palácio do Marquez de Souza Holstein" - 1º Duque de Palmela - , no largo do Calhariz, onde hoje está instalada a "Caixa Geral de Depósitos". Apelidado de "Grande Hotel de Lisboa", seria inaugurado em 4 de Outubro de 1877.


25 de Setembro de 1877


3 de Outubro de 1877


"Palácio do Marquez de Souza Holstein" ou "Palácio Souza-Calhariz/Palmela" onde esteve instalado o "Grande Hotel de Lisboa"

Foi neste hotel que a famosa diva Adelina Patti (1843-1919) ficou hospedada aquando da sua estada em Lisboa, e actuação em S. Carlos em 27 de Março de 1886. Tinha sido contratada pelo empresário do "Real Theatro de São Carlos", António de Campos Valdez, em 1885, mas só após alguns adiamentos acedeu em actuar em Lisboa. O anúncio da sua vinda foi de tal forma estrondoso que a bilheteira esgotou em 48 horas.
«Lisboa deve finalmente ao sr. Campos Valdez a honra e a felicidade enormes de ouvir e de applaudir essa cantora hors ligne, que é disputada a peso de ouro por todos os theatros celebres dos grandes centros artisticos.» in: revista "Occidente" (1886)


Adelina Patti (1843-1919)
Guy Little Collection. © Victoria and Albert Museum, London


27 de Março de 1886 (mercado paralelo ...)

«Chegou effectivamente hontem, dando entrada ás seis horas e meia da manhã no Grande Hotel de Lisboa, a notavel cantora Adelina Patti.
Na gare a diva foi esperada pelo emprezario Valdez, Cotogni director de scena Magani e outros cavalheiros.
A celebre diva Adelina Patti andou hontem passeando de carruagem na Avenida.» in: "Diario Illustrado" de 26 de Março 1886.

Por outro lado ... «Já a Patti almoçava no Grande Hotel de Lisboa os filetes que o Matta lhe preparara (…) e na Avenida ainda corria com insistência que a Patti não chegava.»

O último hotel de João da Matta foi o "Hotel Avenida", aberto em 1 de Outubro de 1887, na Avenida da Liberdade nº 65, onde, no 1º andar, funcionou, anos mais tarde, a "Ordem dos Médicos" (fundada como "Associação dos Médicos Portugueses", em 1898). 


25 de Setembro de 1887


Edifício mais escuro com janelas tipo góticas, onde funcionou o "Hotel Avenida"  de João da Matta

O "Hotel Avenida", receberia a cantora lírica e diva Adelina Patti, em 12 de Dezembro de 1887, aquando do seu regresso a Lisboa, para actuar no "Real Theatro Nacional de São Carlos". A propósito o jornal "Diario Illustrado" noticiava, no dia seguinte:

«Esta festejada e celebre cantora chegou hontem a Lisboa, pelas 3 1/4 da tarde. Era acompanhada pelo seu esposo mr. Nicolini, e mais 6 pessoas da comitiva. (...)
Em seguida dirigiu se ao novo hotel Matta, na Avenida, onde vae residir durante o tempo que se demorar entre nós.
Occupa ali todo o segundo andar, que está elegante e ricamente mobilado.
João da Matta tem um grande fanatismo pela celebre cantora que, da outra vez que esteve em Lisboa, se mostrou muito reconhecida pelos cuidados e attenções que João da Matta e sua mulher lhe dispensaram. Tanto a Patti como Nicolini deixaram aos donos do hotel os seus retratos, com amavel dedicatoria.
Na comitiva de Adelina Patti contam se, duas aias, a sua fiel Carolina e uma mulata, Patia, que não abandona nunca sua ama.»


Último anúncio publicitário em 10 de Abril de 1897 (nº de porta errado, era 65 e não 55 como impresso)

"Hotel Avenida" encerraria no final de 1897, e já não apareceria na lista de hotéis lisboetas no "Guia Indispensavel ao Forasteiro" editado no ano seguinte, 1898. Porém, em 1907, era inaugurado o novo "Avenida Hotel" (no mesmo edifício do antigo "Hotel Avenida"), propriedade de Joaquim da Costa Aleixo e do qual o "Diario Illustrado" de 12 de Novembro de 1907, escrevia a seguinte nota:

«Visitamos a a convite do seu proprietario, sr. Joaquim da Costa Aleixo, o magnifico Avenida Hotel, situado na Avenida da Liberdade, 67.
A installação do novo hotel é primorosa, e de um novo genero entre nós, principalmente no que diz respeito ao mobiliario, systema inglez, que é de uma confecção artistica que vem demonstrar mais uma vez o quanto a nossa industria de marcenaria, de prodigios está fazendo.
Todas as obras de mobiliario, foram executadas pelo bemquisto industrial, sr. Manuel Dias de Souza, com officinas na rua do Loureiro.
O novo hotel, acha-se situado no melhor local da formosa Avenida, sendo todas as installações bastantes amplas, arejadas e providas de todas as commodidades, principalmente os quartos de dormir, todos providos de luz electrica e outros melhoramentos hygienicos.
Pode-se dizer que o Avenida Hotel, é hoje um dos primeiros no genero de Lisboa, não só pelo lindissimo local onde se acha installado, como pelas commodidades com que o seu proprietario o dotou.»


Em 12 de Novembro de 1907, mesmo edifício, passando a entrada principal do hotel para o nº 67


Edifício amarelo, onde funcionaram os "Hotel Avenida"  de João da Matta e posteriormente o "Avenida Hotel" de Joaquim da Costa Aleixo

João da Matta faleceu octagenário. Desapareceu um cozinheiro, que podia sem dúvida alguma, figurar na dinastia culinária que principiou com Domingos Rodrigues, cozinheiro de D. João V, Francisco Metrass, cozinheiro de D. Maria I, José da Cruz Alvarenga, cozinheiro de D. João VI, João André cozinheiro de D. Maria II, e terminando com Manoel Ferreira, cozinheiro de D. Luiz I.   

«O Matta teve por succedaneos: o Souza da rua do Outeiro - que já lá vae ha muito - o restaurant Club e o restaurant Augusto, onde as archi-usadas Cleopatras de pacotilha - com habitaculo nos lupanares castilhões de S. Roque - vão devorar as ostras e os lagostins regulamentares, borrifados pelas lagrimas da viuva Cliquot ou pelo ouro potável de Xerez, que ellas seriam capazes de beber com pérolas desfeitas ... »

Outro restaurant famoso no Chiado foi o "Restaurant Club", fundado em 1874 . Propriedade do cozinheiro José Antonio Maria da Silva, um discípulo de João da Matta, fez história na esquina da Travessa Estevão Galhardo (actual Rua Serpa Pinto) com a Rua Garrett. Nos seus gabinetes de madeira polida reuniam-se repórteres e boémios. Vários números do jornal "Gazeta do Chiado" foram ali redigidos. Décadas mais tarde, viria o seu espaço a ser ocupado pelo luxuoso, e famoso, "Restaurante Avis". 


6 de Maio de 1877

Um artigo específico sobre o "Restaurant Club"  já está editado, e publicarei oportunamente.

2 comentários:

Valdemar Silva disse...

Excelente, explicativo e documentado texto.

Cumpts.
Valdemar Silva

José Leite disse...

Grato pelo seu amável comentário.

Melhores cumprimentos
José Leite