Restos de Colecção: "Salon Rouge" e as "Fitas d'alta potencia"

10 de setembro de 2023

"Salon Rouge" e as "Fitas d'alta potencia"

O primeiro "Salon Rouge" foi inaugurado em 23 de Fevereiro de 1900, na Rua Ivens 46 e 48, no Chiado em Lisboa. A propósito da sua inauguração o jornal "Vanguarda" noticiava:

«Realiza-se hoje a inauguração d'este luxuoso centro recreativo de novidades e attracções, em sessão especial offerecida á imprensa da capital, com a exposição do gigantesco apparelho de vista estereoscopicas em crystal, denominado Panopticum Universal e os Auto-Estereoscopicos com uma maravilhosa colecção de bellas photographias coloridas e em relevo.
Das 7 horas em deante o Salon Rouge estará aberto ao publico.»


3 de Março de 1900

7 de Julho de 1900

Em 23 de Junho seguinte, o jornal "Diario Illustrado" anunciava: 

«Hoje estreia se n'esta casa de divertimentos uma companhia de variedades chegada ante hontem no "Sud-Express", e que traz numeros da mais completa sensação.»

E em 14 de Julho seguinte, e no mesmo jornal: 

«Attendendo ao grande exito obtido hontem com a cançoneta de transformações a "Pulga" a "chanteuse" Nella Martini, executal-a-ha hoje outra vez. O programa é egual ao de hontem em absoluto.» e ... «Conta as ovações pelas recitas em que canta as suas lindas cançonetas parisienses e napolitanas a distincta chanteuse Nella Martini.»

14 de Julho de 1900

Este primeiro "Salon Rouge" teve uma existência bastante efémera. Existiu apenas nos seis meses após a sua inauguração e despareceria das listas de "Espectáculos" dos jornais diários em Agosto de 1900. Uma última nota acerca das instalações deste recinto: os números 44 e 48 vieram a ser integrados nas novas instalações da casa "Quintão" inauguradas em 9 de Outubro de 1946.



Casa "Quintão" (no rectangulo desenhado a amarelo), na Rua Ivens, em foto de Março de 1965

Mas eis, que em Setembro de 1907, abre um novo "Salon Rouge", na Rua D. Pedro V, nº 105, entre o Bairro Alto e o Príncipe Real, sendo seu proprietário Carlos Silva, que "ousou", pela primeira vez em Portugal, a exibição de filmes de cariz pornográfico, nas novel sessões da meia-noite (outra novidade). Era uma ousadia, para aqueles tempos, a apelidada "Sessão para ingenuos", com as exibições de "Fitas d'alta potencia" ...


Localização da entrada do "Salon Rouge" (dentro da área contornada a amarelo) em foto dos funerais do Rei D. Carlos I e Príncipe D. Filipe, em 8 de Fevereiro de 1908


30 de Setembro de 1907


13 de Dezembro de 1907

Mas não só de "fitas d'alta potencia" vivia o "Salon Rouge" ...


21 de Dezembro de 1907

Em espectáculos promovidos por «varios rapazes conhecidos na boa roda de Lisboa», os filmes exibidos nessas noites, de imagens inéditas e sensações pecaminosas, proporcionadas pelo animatógrafo eram mudos e de muito curta duração ("quadros"), e deviam ser de origem francesa. Ou eram trazidos de  Paris de onde na altura chegavam a Portugal os livros, as revistas, as ideias, as modas e os luxos, ou então eram encomendados juntamente com os títulos destinados ao grande público.



Foto erótica do início do século XX

Vistas eróticas e esteroscópicas do final do início do século XX


"J. Eusebio dos Santos" na Travessa da Fábrica das Sedas, 18-1º em Lisboa

Já em 6 de Maio de 1882 a revista francesa "La Caricature"  fazia da sua capa o assunto "La Grande Epidémie de Pornographie" com uma caricatura de Albert Robida (1848-1926)

6 de Maio de 1882

Na Europa, este tipo de filmes (stag film, blue movie ou smoke) eram frequentemente assistidos em bordéis, ou sessões exclusivas em animatógrafos fora de horas. O termo smoke advém de casas reservadas ao consumo de charutos e tabacos em geral, até hoje clubes um tanto quanto fechados. As películas também eram «oferecidas» em festas de despedida de solteiro - stag party -, daí a origem mais provável do termo.

Uma amostra  do catálogo ...

28 de Novembro de 1908

A propósito do "Salon Rouge", no livro "Lisboa Desaparecida" (Volume 7)  de Marina Tavares Dias, pode-se ler:
«(...) Também ele foi pioneiro a seu modo, instituindo as chamadas "sessões da meia-noite" em que, com os condicionamentos da época, fazia o possível por apresentar "sessões para ingénuos" ou seja, uma espécie de filmes mudos pré-pornográficos, (...) .O sucesso era grande e o Salon Rouge chegou a ter "filiais", como o Chalet Rotunda, na Feira de Agosto

"Chalet Rotunda" que a horas normais ... a 11 e 25 de Agosto de 1908 ...



Bem publicitava o semanário "A Risota", de Casimiro Rocha: 
«O Carlos Silva não se cança de lá ter sempre as melhores novidades em fitas que apparecem no estrangeiro.
  Fazei uma visita ao Salon Rouge.»

«O Carlos encommendou no estrangeiro as maiores novidades em pelliculas.
  Ao Salon Rouge, Rua D. Pedro V.»

«Bellos espectaculos  com lindas fitas, tudo por 60 réis.»

E até em verso ...

O Silva sempre lá tem
Em fitas variedades
Como elle não ha ninguem
Em apresentar novidades 


3 de Maio de 1908

E até o "Salão Chiado", propriedade de Raúl Lopes Freire, e que tinha sido inaugurado em 25 de Dezembro de 1906 no nº 116 (no lado da Rua Nova do Almada) do edifício dos "Grandes Armazéns do Chiado", também aderiu "à festa", e ...


5 de Dezembro de 1908

O "Salon Rouge", Nação", terá encerrado no final de 1908. Isto apesar de noutros jornais, só desaparecer no 1º trimestre de 1909. Mas as listas dos jornais não eram actualizadas com regularidade, sendo publicadas cópias de uns meses para os meses seguintes, até uma nova actualização, pelo que penso que a que publico será a mais correcta.


Na lista de "Animatographos" do jornal "A Nação" de 19 de Fevereiro de 1909

Antes de terminar, passo a publicar um pequeno excerto da revista "Cosmos", de 1907 de Adolpho de Mendonça:

«Mas nenhum triumpho theatral conseguiu desthronar os animatographos. Até que se encontrou uma fórma de arte que consegue interessar os alfacinhas! Uma casa quasi sem luz, um lençol onde tremem figuras pardas, meio tostão de entrada - e está o alfacinha como quer. A’s vezes ha pateada ás photographias animadas, mas estas mostram-se indifferentes e insensíveis, continuando a tremelicar e a chamar espectadores que junto dos bilheteiros se acotovellam ás centenas, na ancia de entrar n’um recinto que tem o seu tanto de mysterioso. 
Sim; decididamente as emprezas começam a conhecer o publico. O que elle queria era theatros ás escuras, com actores impalpáveis e espectadoras ... palpaveis.»


Aspecto actual da antiga entrada do "Salon Rouge" (montra à direita do BMW azul escuro)

Já na sétima década do século XX, e em Lisboa, ficou célebre um cinema por exibir exclusivamente (a partir de 12 de Novembro de 1975) filmes pornográficos: o "Cinebolso" . Foi inaugurado na Rua Actor Taborda em 8 de Março de 1975, encerrou definitivamente em 1 de Agosto de 2018, e cuja história poderá consultar neste blog, clicando no seguinte link: "Cinebolso".


E com isto tudo ... «Os músicos de capela, de tão seculares tradições, transferiram-se para os teatros e animatógraphos e os cantores das prosas divinas prostituem as vozes nos cafés concertos vocalisando obsenidades com mulheres duvidosas. Mais dia menos dia acaba-se o ofício divino.» in: "A Catedral" de Manuel Ribeiro.

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca Nacional Digital, Meisterdrucke

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