Restos de Colecção: agosto 2022

31 de agosto de 2022

Antigamente (167)

 

Carro promocional do filme "A Varanda dos Rouxinóis" realizado em 1939 por Leitão de Barros 



1939


Na foto anterior, à volta da porta pode-se ler: "Antiga Casa Soneca - Vinhos - Cervejas". Pois esta simples porta passaria despercebida, apesar do grande reclame publicitário à "União Vidreira", não fosse a história que ela encerra e que passo a citar um excerto do artigo na revista "Reporter X" do célebre Reynaldo Ferreira:

«Quando foi a inauguração solene da estação de Santa Apolonia entre outros discursos pronunciados com a gran eloquencia da epoca houve um que era rematado assim: "Orgulhosos devemos estar porque o mesmo local onde conta a justiça onde outrora a justiça assassinava na forca assassinos - parte hoje o primeiro comboio. Á crueldade antiga seguiu o grito da civilização! " Recordei esta frase ao passar agora por estes sitios ... Estamos no Largo Chafariz de Dentro. Áquela cada esquina uma mulher piedosa - D. Maria de Sousa - vinha esperar os condenados à morte com o banquete da forca, e lhes oferecia refrescos - se era no verão - ou vinho quente - se era no inverno. Tornou-se celebre essa caridosa senhora - a quem os visinhos alcunharam com o respectivo apôdo de Maria do Alivio."
Mais adeante ficava a outra venda, a do "Soneca" com ja taboleta sumida ainda hoje se pode lêr por debaixo de uma outra de um deposito de vidros. Ali nessa venda do "Soneca" era uso passar a procissão da morte. As forças de El-Rei concediam aos presos de pena ultima a liberdade de satisfazerem um ultimo deseijo: o "Soneca vinha solicito e comovido trazer ao padecente o ultimo copo de bebida, quasi sempre de aguardente para atordoar ...»


Panfleto de 1931


Aviso colonial de 2ª classe "Gonçalo Velho" (1933-1964) no "Arsenal do Alfeite"


8ª Volta a Portugal em Bicicleta, promovida pelo "Diario de Noticias" em 1946

fotos in: Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Horácio Novais)

28 de agosto de 2022

Posto de Turismo da Curia

O "Posto de Turismo" da Curia foi inaugurado em 3 de Setembro de 1967, na Avenida dos Plátanos, na Curia, ainda como "Sede da Junta de Turismo da Curia", tendo sido projectada em 1964, pelo arquitecto Cassiano Branco (1897-1970).



Projecto do arquitecto Cassiano Branco, em 1964



"Sede da Junta de Turismo da Curia", em 1967, em fase de acabamentos

A revista "Turismo" de Maio de 1921, chamava a atenção para as qualidades turísticas da zona onde fica a estância termal da Curia:

«Como estancia de Turismo, a sua posição é egualmente superior, e pode constituir um bom centro d'excursões visto estar ligada e a pouca distancia, quer por estradas, quer pelo Caminho de ferro de interessantes pontos, como sejam: Anadia, a Lagôa de Fermentelos, o Luzo, o Bussaco, Coimbra, Figueira e muitos outros.
Sobretudo pelas estradas a viagem para qualquer d'essas direções especializando o Bussaco, oferece o mais agradavel prazer, tão encantadores são os campos de toda a região da Bairrada.
Eis, pois, uma das mais completas estancias do nosso Paiz, que muito tem progredido pelas dedicações que lhe teem dado vida, alegria - n'uma palavra - que teem feito da Curia um logar aparzivel para curas, descanço e para recreio.»






1958

Neste Posto, o turista sempre pôde obter informações e folhetos informativos, do que de melhor a região Centro do País, principalmente do concelho da Anadia, pode oferecer. Belíssimos lugares como, Curia, Luso, Buçaco, Bairrada, Coimbra, Figueira da Foz, etc.


CURIA ESPERA POR SI !             UM AMBIENTE AGRADÁVEL PARA AS SUAS FÉRIAS





1958

De referir ainda, que o Município da Anadia tornou este equipamento mais dinâmico, pelo que, nos últimos anos, tem vindo a ser palco de várias ações culturais, exposições e alguns momentos de animação.




Posto de Turismo em 2022, via "Google Maps"

Já agora, fica a informação: o "Posto de Turismo da Curia" funciona diariamente, entre as 10h e as 19h.

fotos in:  Arquivo Municipal de Lisboa, Delcampe.net

24 de agosto de 2022

Lence & Viuva Canongia

O "Armazem de Musica, Pianos, Instrumentos e Lytographia de Lence & Viuva Canongia", teve a sua génese na "Lithographia e Armazem de Musica de J.I. Canongia e J.C. Lence" fundada em Lisboa, na rua Nova do Almada, nº 66 em 1849, por Joaquim Ignacio Canongia e João Cyriaco Lence.


5 de Novembro de 1871


26 de Maio de 1872

Joaquim Ignacio Canongia Júnior nasceu a 29 de Julho de 1816 em Lisboa. Era irmão de José Avelino Canongia (1784-1842), que nasceu na vila de Oeiras em 1784. Foi primeiro clarinete na Orquestra do "Real Theatro de S. Carlos", músico da Câmara Real e professor do Conservatório Real.


Capa de partitura de peça para clarinete e orquestra por José Avelino Canongia em 1842

Do livro "Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes", de Ernesto Viera e publicado em 1900 pelo Editôr Lambertini, retirei as seguinte biografias:

«Canongia (Joaquim Ignacio). Irmão mais novo do precedente; foi tambem bom clarinettista mas não attingiu a perfeição nem gosou a fama de José Avelino. Teve porém certa consideração entre os collegas, exercendo varios cargos na irmandade de Santa Cecília, para a qual entrou em 20 de julho de 1815, e do Monte-pio Philarmonico do qual foi um dos fundadores. Assignou tambcm a escriptura lavrada em 1842, primeira lei organica que teve a «Associação Musica 24 de Junho». Nos ultimos annos da sua existcncia perturbouse-lhe a razão, vindo a fallecer de um desastre, quasi suicídio pois se  precipitou de uma janella, em 6 de agosto de 1850.
Teve quatro filhos: Joaquim Ignacio, Thiago Henrique, João Baptista e José Victorino; os tres primeiros tambem se dedicaram á musica e filiaram se na irmandade de Santa Cecília. O quarto, José Victorino, seguiu o officio de ourives, e estabelecendo-se viu prosperar o estabelecimento que ainda existe dirigido por seu filho, o sr. Eustaquio Canongia. Um filho de João Baptista, o sr. João Canongia é tambem ourives e conserva um resto das tradicções de família, tocando violino nas orchestras de amadores musica.
Joaquim Ignacio Canongia Junior, o mais velho dos quatro sobrinhos de José Avelino, não se salientou como musico mas era dotado de grande sagaçicidade ; depois de ter sido copista e ponto no theatro de S. Carlos, estabeleceu em 1850 um armazem de musicas na Rua Nova do Almada, e no anno seguinte acceitou por consocio João Cyriaco Lence que tinha outro estabelecimento identico, conseguindo os dois dar grande incremento ao negocio, installando uma lithographia musical que activamente trabalhou durante muitos annos.
Falleceu da febre amarella em 1857.
Thiago Henrique foi tambem musico pouco notavel; tocava violino, violeta e fagotte. Exerceu o cargo de secretario da sociedade dos «Concertos Populares», e logo depois d'essa sociedade se dissolver em 1862 partiu para o Rio de Janeiro onde estabeleceu um armazem de musicas e lythographia musical. Foi sogro do illustre litterato e poeta brazileiro Luiz Guimarães.»


Album impresso e comercializado pela "J.I. Canongia & Compª " em 1850


Publicidade no jornal "A Revolução de Setembro" de 5 de Agosto de 1853


Publicidade no Jornal "A Nação" de 10 de Junho de 1854

Quanto ao sócio João Cyriaco Lence ...

«Lence (João Cyriaco). Editor de musica em Lisboa.
Era filho de um musico italiano, André Lenzi, natural de Livorno, tocador de trompa e copista. Este André Lenzi assignou o livro de entradas na irmandade de Santa Cecilia em 25 de setembro de 1767.
Aprendeu musica no Seminario Patriarchal, para onde entrou em 1 de maio de 1815, tendo 12 annos de edade. Era natural de Lisboa.
João Lence, que era copista no theatro de S. Carlos, associou-se, cerca de 1836, com um litographo, estabelecendo os dois uma lithographia e armazem de musicas na calçada dos Paulistas nº 8, defronte do Correio Geral. Entre as obras editadas n'esta primitiva casa, conta-se uma edição do celebre methodo de canto de Vaccaj, com o texto em francez e portuguez, bem como um jornal de musicas intitulado «Passatempo Musical».
Depois separou-se do socio, estabelecendo-se na rua das Portas de Santa Catharina nº 13, onde começou a publicar a numerosa collecção de musica para piano intitulada «Lyra de Apollo».
Em novembro de 1849 associou-se com Joaquim Ignacio Canongia, fundando-se então o importante estabelecimento na rua Nova do Almada, que existiu durante muitos annos, girando successivamente sob as seguintes firmas : J. I. Canongia & C.ª; Lence e Viuva Canongia; Lence e Canongia Abraldes; Lence e Viuva Canongia; Serrano e Viuva Canongia.
Esta casa fez imprimir muita musica, tanto para piano como para piano e canto, grande parte d'ella de auctores portuguezes.
Foi quasi toda desenhada por um habil litographo chamado Moreira, o qual depois de ter trabalhado por muitos annos no proprio estabelecimento, foi montar uma officina na rua das Flores.
João Lence foi socio fundador do Monte-pio Philarmonico, sendo muito dedicado a esta instituição, onde desempenhou por muitos annos o logar de thesoureiro.
Foi avô materno do pianista José Antonio Vieira
Falleceu em 1879.»


Capa de pauta de música pela "Lithographia de J.C. Lence na Travessa do Secretário da Guerra, nº 2

Em Novembro de 1849, Joaquim Ignacio monta, na Rua Nova do Almada n.º 66, um estabelecimento de sua designação "Lithographia e Armazem de Musica de J.I. Canongia e J. C. Lence", em sociedade com João Cyriaco Lence, que era igualmente copista no "Real Theatro de S. Carlos" e que já possuía uma litografia, na Travessa do Secretario da Guerra, nº 2.

Depois de a sua denominação ter sido alterada sucessivamente por três vezes - passando a figurar apenas o nome de Ignacio Canongia - a partir de 1851 passa a designar-se : "Armazem de Musicas, Pianos, Instrumentos e Lithographia J.I. Canongia & C.ª ". Possivelmente Joaquim Ignácio teria um investimento superior ao sócio ou o seu apelido seria mais reconhecido perante um público consumidor devido à fama internacional de seu tio, José Avelino Canongia.


Partitura pelo "Armazem de Musicas, Pianos, Instrumentos e Lithographia J.I. Canongia & C.ª"


22 de Dezembro de 1855

A principal publicação musical desta época era o periódico "Lyra de Apollo" que tinha sido iniciado por João Cyriaco Lence, ainda em nome individual, que divulgava as óperas representadas no "Real Theatro de S. Carlos". 

Joaquim Ignacio Canongia morre em 1857, mas a firma continua a sua actividade sob a designação de "Viuva Canongia & C.ª" e cerca de 1860, muda de instalações para os números 94 e 96 da mesma Rua Nova do Almada - que viria a ser ocupada mais tarde pelo Loja "92" de Albino José Baptista após o encerramento do armazém de músicas.

Loja "92" após a sua ampliação ocupando os nos. 94 e 96 da "Viuva Canongia & C.ª"

Excerto do catálogo de participantes na "Exposição Internacional do Porto" em 1863


1873

No ano de 1863, a viúva de Joaquim Ignacio, Carlota Angélica, casa de novo, e com José Pedro Baptista Abraldes, comerciante com loja na mesma rua Nova do Almada nº 100 sobreloja, e, pelo que a razão social, mais uma vez muda para "Armazem de Musica, Pianos, Instrumentos e Lytographia de Lence & Canongia Abraldes", apesar de nos registos das licenças da Câmara Municipal de Lisboa a empresa surge com a designação comercial de "Armazém de Modas e Ornatos para Casa", talvez para manter o contrato de arrendamento do inquilino anterior ...

Neste ano a produção deve ter sido diminuta, já que só se conseguiram recuperar três exemplares, sendo todos de música de salão para piano.

José Pedro Abraldes viria a falecer logo no ano seguinte, 1864, e a viúva Carlota Angelica casa novamente, nesse mesmo ano (!), com o espanhol Manuel Jesus Simão Serrano «de 24 anos solteiro, logista», estabelecido na Rua Nova do Almada n.º 81, tendo sido testemunha do casamento o sócio e já viúvo João Cyriaco Lence. Apesar deste terceiro casamento de Carlota Angélica, na razão social da firma apenas figuram os nomes dos dois sócios iniciais "Lence & Viuva Canongia".

16 de Junho de 1872


1873



1875


Teve início o período mais produtivo da empresa, publicando muita música para piano e também a "Gazeta Musical de Lisboa" que consistia num suplemento musical de um periódico dedicado à arte musical e que divulgou muita música de compositores portugueses da época.


7 de Fevereiro de 1877

e respectiva capa de partitura ...



13 de Agosto de 1879

A 2 de Maio de 1879 João Cyriaco Lence morre, e no ano seguinte a firma passa a ser gerida pelo terceiro marido de Carlota Angélica, passando a designar-se "Serrano & Viuva Canongia", anexando na morada o n.º 100, loja que pertencera a José Pedro Abraldes e que a viúva terá herdado, por sua morte. Mas é a partir desta altura que a gestão deste estabelecimento entra em desgraça. A 28 de Maio de 1885, é alvo de uma citação da firma francesa "A. Lecomte & Cia.", fabricante de instrumentos, devido a dívidas que ascendiam a um milhão de réis. As dívidas foram-se acumulando e a 22 de Dezembro de 1887, o Tribunal do Comércio declara falência à firma. Na queixa de um dos credores, o "Banco do Povo" - fundado em Lisboa em 1874 e tendo falido em 1894 -, é mencionado o seguinte:

«A firma comercial Serrano & Viuva Canongia (…) está há muito em estado de quebra (…) e acha-se por tal forma decaída de menos, que nem pode pagar a renda da sua loja (…) e nem tem outra para onde se mude. Acontece mais que o devedor está vendendo ao desbarato o pouco que lhe resta da fazenda no estabelecimento, e não a proveito dos credores (…) mas para satisfazer as suas necessidades pessoais, sendo até de recear que faça qualquer traspasse e desapareça com o seu produto.
A última informação encontrada sobre a firma é uma sentença do Tribunal do Comércio, datada de 15 de Junho de 1893, na qual se refere que ficou provado que a falência se deveu à má gestão do sócio Manuel de Jesus Serrano e que a sua mulher alheia à má gestão do marido não podia ser culpada. O culpado ficou sujeito a pena de prisão de 3 meses e pagamento das custas. Manuel de Jesus Serrano desapareceu do país e nunca compareceu em julgamento.»

Um irmão de Joaquim Ignacio Canongia, de seu nome Tiago Henrique Canongia, com duas gerações de antepassados músicos (pai português e avô catalão), foi professor de música e diretor de orquestra de salão. Em 1866 inaugurou uma loja de pianos e música, "Lyra de Apollo - Armazem de Musicas e Instrumentos de T.H. Canongia", na Rua do Ouvidor n.º 103 (antigo nº 111), no Rio de Janeiro. Um armazém e litografia de música, o qual, curiosamente, após a sua morte em 1872 adoptou a razão social de "Lyra de Apollo - Armazem de musicas, pianos e aguas mineraes da Viuva Canongia", mais tarde simplesmente "Viuva Canongia e C.ª".




Com a falência do seu editor, a "Gazeta Musical de Lisboa" não desapareceu tendo passado a ser publicada pela "Companhia Propagadora de Instrumentos Músicos" cuja história poderá consultar neste blog, no seguinte link: "Companhia Propagadora de Instrumentos Músicos".


1890


Bibliografia:

Tese de Doutoramento "La edición musical en Portugal (1834-1900): un estudio documental - Volumen 1" de Maria João Durães Albuquerque - Madrid, 2014.

fotos in:  Hemeroteca Digital de Lisboa, Biblioteca Nacional DigitalArquivo Municipal de Lisboa