David Augusto Corazzi (1845-1896), foi um editor ímpar. Fundou, em 1870, a sua "Empreza Horas Romanticas", que teve a sua sede e oficinas tipograficas na Rua da Atalaya 40-52, esquina com a Travessa da Espera, em Lisboa, e que viriam a ser, a partir de 16 de Setembro de 1886, as primeiras instalações dos "Moveis Olaio".
Primitivas instalações da "David Corazzi - Empreza Horas Romanticas", na Rua da Atalaya, já ocupadas pela "José Olaio" desde 1896.
Selo da "Casa Editora David Corazzi"
Aquando da sua morte, em 28 de Novembro de 1896 «vitimado por uma lesão cardíaca» a revista "Occidente" escrevia em tom de elogio fúnebre:
«Entre os homens de mais iniciativa em o nosso paiz, - poucos são elles valha a verdade - contava-se certamente David Corazzi, o grande editor, que durante dois lustros animou extraordinariamente o pequeno mercado litterario de Portugal, editando grande numero de livros, na maior parte traduções de romances de sensação com que popularisou a sua empreza das Horas Romanticas.
Horas Romanticas! Como este nome teve tanto em voga por um bom par d'annos e com elle o de David Corazzi, impresso em milhares de prospectos que se espalhavam por todo o paiz e pelo Brazil, annunciando e pedindo assignaturas para uma serie ineterrupta de publicações sucessivas, que se accomulavam desde as bibliothecas dos ricos até á modesta casa do pobre, onde talvez, o activo editor recrutava o maior numero de leitores para as sua edições. (...)»
David Corazzi (1845-1896)
David Corazzi nasceu em Lisboa, a 4 de Julho de 1845, era filho de D. Maria da Piedade da Costa Martins Corazzi e David António Caetano Corazzi (1799-1858) de origem italiana. O pai era médico-cirurgião formado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, médico distinto e autor do livro "Novo consultor Medico-Cirurgico". Aos 15 anos de idade ficou orfão de pai e com um pequeno património, de que aos 27 anos só lhe restava a propriedade intelectual do referido livro de seu pai. Foi com essa propriedade intelectual, que vendeu por 70$000 réis que constituiu a sua empresa editora, em 1870, a "Empreza Horas Romanticas" no meio dos seus amigos e colegas da Administração Central dos Correios de Lisboa, onde David trabalhava, e seu tio, seu tutor, era chefe de repartição.
1872
De seguida, Corazzi lançou-se na actividade editorial com a edição em folhas semanais dos então famosos romances franceses de Ponson du Terrail. Para a divulgação da publicação mandou imprimir prospectos em que anunciava as condições de assinatura. O primeiro livro que editou foi uma tradução de "Os Cavalleiros da Noite", em folhas, que o seu velho criado Thiago dobrava e distribuía pelos poucos assinantes «com dedicação de quem se interessava pelo bom resultado da empreza». Porém os resultados não foram animadores nem nesta primeira tentativa nem na segunda "Os herdeiro falsos".
O expediente da
"Empreza Horas Romanticas", nascida e instalada n
uma pequena casa da antiga rua dos Calafates, hoje rua do Diario de Noticias, estava todo a seu cargo; o escritório era o seu quarto numa hospedaria na Travessa do Guarda-Mor. Conta-se que
«nesse tempo, todo o amigo que fosse visitar D. Corazzi era
obrigado a pagar uma pequena contribuição, dobrando umas tantas folhas e ajudando-o no
expediente, o que todos faziam de boa vontade e com espírito despreocupado, que, em geral,
dá a mocidade»
Segundo o livro "Chorographia moderna do reino de Portugal" de João Maria Baptista e João Justino Baptista de Oliveira, em 1874 existiam em Lisboa os seguintes estabelecimentos tipográficos :
« A Imprensa Nacional.
A Typographia da Academia Real das Sciencias.
A Typographia Universal do sr. Thomaz Quintino Antunes, na rua dos Calafates, onde se imprime o Diário de Noticias.
A Franco-Portugueza do sr. Lallemant, na rua do Thesouro Velho.
A Lisbonense (Diário Popular).
A do Jornal do Commercio.
A da Revolução de Setembro.
A do Diário Illustrado.
A das Horas Românticas.
A da Companhia dos caminhos de ferro portuguezes.
A de Castro irmão, na rua da Cruz de Pau.
A do sr. Sousa Neves, na rua da Atalaia.
A do sr. Mattos Moreira A C.*, no Rocio.
A do sr. Mattos, na rua Nova do Almada. »
Mas Corazzi não desanimou e a nova publicação do "Rei Maldito", de Fernandez y Gonzalez, traduzida por António Manuel da Cunha e Sá operou a viragem e projectando o seu nome e da sua "Empreza Horas Romanticas".
Depósito da "Casa Editora David Corazzi", na Rua dos Retrozeiros, em 1884
Descrição das instalações e actividades no catálogo de 1884
31 de Agosto de 1877
31 de Maio de 1878
Ambos os anúncio de 1881
Jornal "A Moda Illustrada" cuja publicação foi iniciada em 1881
Durante o seu percurso, revelou-se um mestre e um pioneiro no uso de técnicas publicitárias, na capacidade de conquistar novos públicos e de abrir novas vias para a divulgação do livro, nomeadamente com a criação de colecções de cariz popular. Entre elas, a «Bibliotheca do Povo e das Escolas» foi a que maior impacto gerou. Era constituída por pequenos volumes de 64 páginas, a preço muito acessível e com tiragens que rondavam os milhares de exemplares, distribuídos localmente por uma rede de agentes em todo o país - os dezasseis números iniciais
tiveram primeiras edições com tiragens iguais ou superiores
a 10.000 exemplares, um facto extraordinário no panorama
editorial português da época. Publicavam-se em séries de oito, em pequeno formato, existindo a intenção editorial de que o leitor encadernasse depois esses volumes em conjunto. Entre Fevereiro de 1881 e 1891, publica 196 volumes, que primeiro saem quinzenalmente, depois mensalmente. É este o seu período de maior impacto. A colecção continuará após a saída do seu mentor, até 1913, mas já com um ritmo irregular. «A “Bibliotheca do Povo e das Escolas”, até 1913, consumou a missão educativa e civilizadora e possibilitou a circulação de um corpus de conhecimentos científicos entre Portugal e Brasil.»
A partir do ano de 1913, o emigrante português Francisco Alves d'Oliveira decidiu comprar "A Editora" - sucessora da casa "Editora David Corazzi" do Rio de Janeiro - e dar continuidade à publicação dos livrinhos da "Bibliotheca do Povo e das Escolas". A sua comercialização no Brasil passaria a ser feita pela "Livraria Francisco Alves" - antiga "Livraria Clássica" fundada, por seu tio, em 15 de Agosto de 1854 - ainda em actividade, actualmente.
"Livraria Francisco Alves" na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. É o próprio Francisco Alves à porta
Em 1882 decide-se a apostar no mercado brasileiro e disso dará conta a revista "Occidente" no seu artigo publicado em 11 de Junho de 1882 que passo a citar:
«O sr. David Corazzi um dos editores mais intelligentes, mais illustrados, e mais arrojados que Portugal tem hoje, e que allia todas as apreciaveis qualidades de um perfeito cavalheiro delicadissimo e brioso, com as d'um negociante laborioso e habil, vae tentar uma empreza corajosa, que estamos certos lhe dará os melhores resultados; explorar em grande escala o mercado literario do Brazil, fundadndo no Rio de Janeiro uma filial da sua acreditada e já importantissima casa editora.
O sr. José Maria de Mello, que vae encarregado de montar no Rio essa filial e de a dirigir, é um rapaz muito intelligente, muito activo a quem a Empreza Horas Romanticas deve, desde os seus principios, uma cooperação leal e solicita e que empregará agora todos os seus esforços para a fazer desenvolver e progredir rapidamente no Brazil.»
Apesar de alguma visibilidade anterior - a "Empreza Horas Romanticas" obteve, por exemplo, uma medalha de ouro na exposição portuguesa do Rio de Janeiro de 1879 - a estratégia para o mercado brasileiro adquiriu, em 1882, uma nova dinâmica, numa altura em que se pretendia, pelo menos legislativamente, diminuir o analfabetismo no país.
E é no Rio de Janeiro que em Maio de 1884 sai, o primeiro número da revista "A Illustração" - Revista de Portugal e do Brazil (1884-1892) , editado e impresso em Paris. Acerca desta revista o site brasileiro "Scielo Brasil" recorda:
« (...) Foi justamente o português Elísio Mendes, homem de negócios que vivia entre Lisboa e o Rio de Janeiro e um dos proprietários do jornal Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro, 1875), que decidiu explorar esse filão e lançar A Ilustração. Revista quinzenal para Portugal e Brasil, por aí antever boas possibilidades de lucros. Para tanto, ele dispunha, nos dois lados do Atlântico, de conhecimentos e contatos no mundo dos impressos periódicos e da circunstância de poder contar com um jovem correspondente do seu jornal em Paris, o também português Mariano Pina, a quem incumbiu de tratar dos aspectos editorais e literários do negócio, enquanto ele respondia pelos custos e pelas questões propriamente empresariais.
Em maio de 1884, veio a público o primeiro número da nova publicação, que, das máquinas do impressor francês, seguia para os porões dos navios que se dirigiam a Lisboa e ao Rio de Janeiro, onde estavam os leitores. A partir dessas cidades eram distribuídos, respectivamente, pela Casa David Corazzi, que desfrutava de prestígio no cenário lisboeta e respondia pela edição da Biblioteca do Povo e das Escolas e pelos Dicionários do Povo, coleções iniciadas em 1881 e que também eram vendidas no Brasil, pois a casa mantinha, desde 1882, sucursal na Corte, com sede na rua da Quitanda, n. 40, e pelo prestigioso matutino Gazeta de Notícias, o que é compreensível tendo em vista que um de seus donos era o idealizador e financiador da nova revista, ainda que essa informação nunca tenha sido divulgada aos leitores do jornal.»
Capa da revista e anuncio seguinte, ambos de 20 de Janeiro de 1887
«Os resultados d'esta succursal foram, durante certo tempo, magnificos e permitiram o largo desenvolvimento que as Horas Romanticas atingiu, até que, em 1884, David Corazzi passou a sua emprez a um syndicato que a tomou por duzentos contos de réis juntamente com a s officinas lytographicas de Justino guedes, e se formou então a actual Companhia Nacional Editora.» in: "Occidente".
"Cancioneiro Musical Portuguez" lançado em 1884
Quanto às novidades de 1884 ...
Ainda no século XIX, são muitas as obras que saem das tipografias de periódicos - "Panorama", "Gazeta de Portugal", "Commercio do Porto", etc. - outras são edições de autor, sem que tal se mencione, surgindo apenas o nome da tipografia. O que dificulta a reconstituição da sua história.
1888
1889
Em 1889 surge a "Companhia Nacional Editora" , fruto da aquisição da "Empreza Horas Romanticas" por parte da "Typographia" Guedes" de Justino Guedes (1852-1934), em Dezembro de 1888. Com esta aquisição, surge com novo nome: "Companhia Nacional Editora", com instalações ainda na Rua da Oliveira ao Carmo, passando pouco tempo depois, para o Largo do Conde Barão, 50 e oficinas na Rua da Rosa. Teve em Justino Guedes o seu sócio principal e administrador. Neste período Alfredo Roque Gameiro fica como responsável pela concepção e orientação gráfica da "Companhia Nacional Editora". Acerca desta empresa consultar a sua história, neste blog, clicando no seguinte link: "Companhia Nacional Editora".
"Companhia Nacional Editora" , no Conde Barão, no primeiro edifício à esquerda na foto
Entretanto David Corazzi retira-se do activo, em 1890, devido aos seus problemas de saúde, falecendo em 28 de Novembro de 1896. «Terminou o seu martyrio; a terrivel doença, que ha annos o atormentava, e que chegou, nos ultimos tempos, a leval-o ao desespero de um projecto de suicidio, teve hontem o seu desenlaçe: 9 horas da manhã entregou a alma a Deus.» in: "Diario Illustrado" de 29 de Novembro de 1896.
Neste mesmo ano de 1895 "José Olaio", fabricante de móveis e que viria a ter um enorme sucesso no mercado nacional com a empreza "José Olaio & C.ª (Filho), Lda." já com instalações em S. João da Talha (Sacavém), já estava instalado nas antigas instalações da "Editora David Corazzi" na rua da Atalaya, 42-50, (ver as primeira e última fotos deste artigo).
2 de Novembro de 1895
Primitivas instalações da "David Corazzi - Empreza Horas Romanticas", na Rua da Atalaya, em foto de 1968 (prédio de 2 andares à esquerda)
Termino este artigo retomando o artigo da revista "Occidente", de 28 de Novembro de 1896 (mesmo dia da sua morte) transcrevendo o seu último parágrafo:
«(...) Foi preciso muito trabalho e muito tino para levar a sua empreza ao estado florescente em que todos a conhecemos - as Horas Romanticas - e essa é a maior gloria do extincto editor, cuja perda todos lamentamos porque todos eramos seus amigos.»
Bibliografia:
- "Educação e Difusão da Ciência em Portugal A “Bibliotheca do Povo e das Escolas” no Contexto das Edições Populares do Século XIX" - Dissertação de Mestrado de Olímpia de Jesus Bastos Mourato Nabo - Instituto Politécnico de Portalegre (2012)
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