O "Hotel de Francfort" funcionou, a partir dos anos 60 do século XIX, num edifício que foi construído, em 1851, na Rua de D. Pedro, nº 21 no Bairro do Laranjal, actual Praça da Liberdade, na cidade do Porto. Este edifício foi mandado construir pelo abastado negociante portuense, Luis Domingos da Silva Araújo.
O terreno onde se ergueu o imóvel tinha má fama, pois tinha siso usado para cemitério de cães, já que a cidade do Porto foi uma das primeiras cidades da Europa a ter um terreno para o exclusivo enterramento de cães. Era um pedaço de terra em forma de cunha pois fazia gaveto entre duas das mais movimentadas artérias do Porto do século XIX: a rua do Laranjal que tomou o nome de uma quinta com esse nome, e a rua de D. Pedro (D.Pedro IV) que primitivamente se chamara rua do Bispo, por ter sido aberta em terrenos que eram da Mitra, ou seja, da diocese, e à qual, após a implantação da República em 1910, deram o nome do jornalista, político e engenheiro do exército, republicano Elias Garcia, José (1830-1891).
Por altura da exposição inaugural do "Palácio de Crystal Portuense", aque ocorreu a 18 de Setembro de 1865 abria o "Hotel do Louvre", que era considerado o de maior classe da cidade. Foi fundado por D. Henriqueta Alvellos, e instalado no edifício da Rua do Rosario, hoje ocupado pela sede do "Cinceclube do Porto", tendo acolhido o imperador do Brasil D. Pedro II, em 1872.
Também no "Handbook for Travellers in Portugal", mas de 1864, já o "Hotel Frankfort"
Os dois hotéis mais famosos do Porto eram o "Hotel Inglez", na Rua da Reboleira e propriedade de Mary Castro, tendo-se mudado mais tarde para a Travessa de Sá da Bandeira (actual Rua de Sampaio Bruno). Foi neste hotel que esteve hospedado o arquiitecto inglês Barry Parker, responsável pelo projecto da Avenida das Nações Aliadas. Quanto ao "Hotel de Francfort" era considerado « ... ser o hotel prferido pelos estrangeiros, pelas celebridades de todos os géneros e pelos endinheirados. Frequentar o Francfort dava o tem ...» in: "O Tripeiro" por António Lança.
Na loja no topo do edifício, fazendo bifurcação com as duas ruas e D. Pedro e do Laranjal., estava instalado o conhecido "Café do Chaves", que foi inaugurado em 10 de Março de 1900, sendo propriedade de Aníbal Chaves, e que tinha vindo do Jardim da Cordoaria, onde tinha aberto com o nome de "Novo Café Portuense".
«Após uma permanência de dezassete anos neste local e por motivos relacionados com a abertura da Avenida dos Aliados - que obrigou à demolição do edifício onde estava instalado -, acaba por ser transferido, em 24 de Dezembro de 1917, para o Chalet do Jardim da Cordoaria. Os seus clientes eram dos mais “selectos” da cidade. Segundo Armando Gomes Ferreira “a um lado agrupavam-se, em acalorada polémica, Pádua Correia, Duarte Solano, Simões de Castro, Vaz Passos, Atosto Silva, Adriano Pimenta, Júlio Vitória, Queirós Magalhães, Ribeiro Seixas, Virgílio Ferreira, assim como Leonardo Coimbra. Noutra extremidade era certo encontrarem-se os artistas José Maria Soares Lopes, Armando de Basto, João Peralta, Manuel Martins, Carlos de Sousa, Virgílio Angelo, José Cassagne e os drs. Jaime de Almeida e Neto Cabral. Durante o período em que esteve sediado na Praça de D. Pedro, este café alcançou grande notoriedade devido, fundamentalmente, ao facto de ter sido frequentado, assiduamente, por filósofos, artistas e poetas boémios.
E na mesma rua ...
Em 6 de Agosto de 1904 abriu, na antiga Rua do Laranjal, o Café Recreio, inicialmente com o nome de República. O seu proprietário era o Senhor José Luís do Couto Querido. Este café foi um dos primeiros estabelecimentos que se notabilizaram, no âmbito de uma característica particular, que alcançou grande popularidade naquela época, o café-concerto, com espectáculos de música e dança, que se realizavam frequentemente. O café tinha nas suas instalações mesas para tomar café ou beber vinho a copo ou à caneca e um espaço para espectáculos de música e/ou dança. Aqui actuaram, durante sensivelmente treze anos, diversas bailarinas espanholas e músicos variados. Acabou por encerrar em 1917, face às obras realizadas para abertura da Avenida dos Aliados.» in: blog "Aprender Porto".
Regressemos ao "Hotel de Francfort" e que melhor descrição, senão transcrever uma passagem do livro "Le Portugal Á Vol d'Oiseau" de Maria Rattazzi, traduzido como "Portugal de Relançe", e publicado pela "Livraria Editora de Henrique Zeferino", em 1882:
Resolvi partir no dia immediato, persuadida que a cozinha corresponderia ao resto e que o habito e o monje eram dignos um do outro.
Oito dias depois ainda eu estava no Porto!
O convite era verdadeiramente irresistivel. Deixei-me convencer, fascinada não só pela amabilidade da natureza como pelo bom acolhimento dos portuenses. Manda a verdade que se diga que o Hotel de Francfort valia mais do que a primeira vista apparentava. (...)
Brillat-Savarin, de pantagruolica memoria, o poeta das gallinhas gordas e tenras, dos rostbeefs apropositadamente crus, nào duvidaria approvar estes menus simples o hiygienicos. A minha surpreza diminuiu sensivelmente quando soube que o marido da nossa hospedeira ora um antigo director dos Irmãos Provençaes.
A casa, em resumo, parecia mais um cottage inglez do que uma hospedaria, e merecia a muitos respeitos a sua boa fama e numerosa freguezia. Nào irei nunca, se voltar ao Porto, senão para o Hotel de Francfort. A senhora Hardy deixou-me em definitivo uma boa impressão indelével, idêntica á que me produziu a segunda capital do reino, proveniente da physionomia original e nitida dos habitantes, que reflecte nas suas construcçoes, no seu espirito e na sua organisação social.
A senhora Hardy conta approximadamente sessenta annos; é uma mulher baixa, gorda, ágil, esperta, trabalhadora infatigável, o typo característico da sua espécie. Antigos locatários habitam a sua casa ha quinze annos. Todos os quartos andam alugados com antecedência. A excellente hospedeira conhece a cidade em peso, e parece que um telegrapho invisível lhe leva instantaneamente toda as noticias dos quatro cantos do Porto. O nome da senhora Hardy acorda sempre uma idéa ou uma lembrança. Ou se esteve em casa d'ella ou se tenciona estar. Assim, dedico-lhe gostosamente estas linhas e concluo repetindo que ou por influencia da sua boa estrella ou das liberalidades da princeza Oronzoff, a senhora Hardy soube juntar uma pequena fortuna, demonstrando assim a sua atilada penetração e provando que a sorte favorece mais facilmente os pacientes do que os audaciosos.»
O hotel era procurado, especialmente, por gente ligada ao Teatro: atores e músicos, na sua maioria. Uma das celebridades que por lá passou foi a atriz Elise Hensler (1836-1929) - Condessa de Edla - que veio a casar com o rei D. Fernando II (1816-1885). Mas foi procurado, também, por políticos daquele tempo, como o Dr. António José de Almeida (1866-1929), muito assíduo, e por brasileiros de torna viagem. No regresso do Brasil era lá que se hospedavam antes de rumarem à terra natal. Um deles, foi o conde de Alves Machado ficou no "Hotel de Francfort" durante mais de quarenta anos, tendo feito dele sua residência permanente, na cidade do Porto.
Era neste hotel que, em 1900, vivia o cônsul de Hespanha no Porto, D. Mariano Bruzola Tellez. Por sua vez o consulado no Porto funcionava na Rua Cancella Velha, 70 -2º. Já agora, o vice-cônsul, por sua vez, D. José Tarouji Español, vivia no "Grande Hotel de Paris", na Rua da Fábrica.
Foram vários os suicídios que tiveram lugar nos seus quartos. O mais célebre foi o da namorada de um filho do célebre Urbino de Freitas, lente da Escola Medico Cirúrgica do Porto que a Justiça condenou ao degredo, por envenenamento de um sobrinho, supostamente para que a mulher fosse a única herdeira da grande fortuna dos sogros, ricos comerciantes da Rua das Flores.
O último falecido que saiu do "Hotel de Francfort" foi o do médico e político Dr. Teixeira de Sousa (1857-1917), chefe do Partido Regenerador e chefe do último Governo (desde Julho de 1910) da monarquia. Não cometeu suicídio mas morreu amargurado pelos acontecimentos do 5 de Outubro de 1910 ...
A morte deste e a morte do proprietário François Babel, aliadas à deslocação da classe política para o "Grande Hotel do Porto", na Rua de Santa Catharina, aceleraram o processo de decadência deste estabelecimento, que culminaria com a sua demolição para a abertura da Avenida das Nações Aliadas.
O Hotel já estaria em "condenado" ao encerramento (mas ainda em funcionamento) em 1913, visto já não aparecer anunciado no "Guia Official dos Caminhos de Ferro de Portugal" desse ano, onde estavam representados todos os outros. Ainda tinha hóspedes quandoa sua demolição teve início. Ao noticiar a demolição, um jornalista da época escreveu que «algo de saudoso lhe custava a desprender-se do sítio onde estava».
O "Hotel de Francfort" viria ser demolido em 1916. O local do antigo hotel, é mesmo à entrada da, então, Avenida das Nações Aliadas, onde agora se encontra a estátua da menina nua, uma das obras primas do escultor Henrique Moreira, Foi demolido para possibilitar a abertura da avenida que começou por se chamar das Nações Aliadas, já que, quando aquele espaço começou a ser urbanizado a primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) tinha terminado e o nome dado à nova artéria constituiu uma homenagem às nações vencedoras.
A abertura desta Avenida e as demolições necessárias ao alargamento da parte da Rua do Bonjardim, que viria a ser incorporada na Rua de Sá da Bandeira, forçaram ao encerramento, a partir de 1916 dos cafés Lisbonense, Madrid, Moreira, Chaves, Camanho, República e Primavera.
Bibliografia:
- "O Hotel Francfort" - "Histórias Portuenses" da autoria de Germano Silva, para a revista "Visão" em 8 de Dezembro de 2018.
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Municipal do Porto, Aprender.Porto, Monumentos Desaparecidos
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