Restos de Colecção: Real Opera do Tejo

28 de janeiro de 2024

Real Opera do Tejo

A "Real Caza da Opera", ou "Real Opera do Tejo", projectada pelo arquitecto italiano e natural de Bolonha, Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena (1717-1760), foi inaugurada em 31 de Março de 1755, ou em 2 de Abril de 1755 - segundo o manuscrito "Historia politica economica do reinado de S. Rey D. Jozé I" que afirma que o dia do aniversário da Rainha caiu naquele ano na semana santa, pelo que se adiou o evento para o dia 2 de Abril de 1755 (reprodução a seguir) - junto ao Paço Real, onde é hoje o Terreiro do Paço, em Lisboa. O seu desmesurado custo, ascendeu a «ciento ochenta tres millones noventa nueve mil cuatrocientos setenta y tres reís (183:099$473 réís)».


"Real Opera do Tejo" em gravura de 1757


A inauguração no manuscrito "Historia politica economica do reinado de S. Rey D. Jozé I" (séc. XVIII) 


"The City of Lisbon as before the dreadful Earthquake of November 1. st 1755" = Ville de Lisbon d... / J. Couse sculp. - London : Rob. t Wilkinson, [entre 1755 e 1760?]


Recriação virtual da "Real Opera do Tejo" coordenada por Gago da Câmara

A sua localização poderá ser descrita da seguinte forma: A nascente, o limite possível é o Palácio da Ribeira; a norte, situa-se o complexo da Patriarcal; a sul, a Ribeira das Naus e, a poente, o Palácio do Infantado. «Ao beco da fundição segue a caza da Opera q(ue) tem de extençáo pella Sua frente athe o Arco do Ouro ou da Ribeira das Naus, cento outo varas quatro palmos e quatro decimos». Devido a estas limitações, foi construído para a "Real Opera do Tejo" um edifício demasiado longo, e de eixo paralelo ao rio Tejo.


Recriação virtual da "Real Opera do Tejo" (à esquerda na imagem) coordenada por Gago da Câmara

«A construção da Ópera do Tejo acontece no reinado de D. José I, mas ,Portugal já contava com algumas salas de música adaptadas nos palácios reais, desde o reinado de D. João V, por influência de sua esposa a Rainha Maria Ana de Áustria. D. Maria Ana de Áustria tem papel fundamental para redesenhar o panorama artístico e cultural das primeiras décadas do reinado joanino. O movimento de abertura cultural à Europa estava em sintonia com a nova vida na corte introduzida por D. Maria Ana, o interesse pela ópera italiana surge como símbolo dessa renovação. A corte imperial de Viena era o principal centro da Europa para a produção da ópera italiana, dessa forma D. João V queria a representação de uma ópera para os festejos das núpcias reais, sendo talvez está a primeira vez que uma ópera italiana foi encenada em Lisboa. Em 1719 D. João V contrata músicos e coreógrafos e assim a representação de óperas italianas passou a festejar os dias de aniversário e onomásticos de D. João V e D. Maria Ana de Áustria. Conforme a ocasião, alternativamente, uma das salas dos apartamentos do rei ou da rainha transformavam-se em teatros. Pela paixão e pela frequência com que se executava música na corte da rainha, os seus apartamentos tornaram-se o lugar privilegiado para encenações e serões musicais.
Já como rainha-mãe D. Ana Maria de Áustria, presenciou a construção de teatros ou a adaptação de salas para audições e encenação no Palácio Real da Ribeira, no Palácio de Salvaterra de Magos, no Palácio de Belém e no Palácio da Ajuda.
No Palácio Real da Ribeira uma sala foi destinada as apresentações teatrais, seria a "Sala dos Embaixadores", já que o local permanece ligado à memória teatral ao longo do reinado, e é o local escolhido para a construção do primeiro teatro construído por Giovanni Carlo Sicinio Bibiena. Este primeiro teatro no Palácio da Ribeira, era um teatro em menor escala enquanto não se construía o grande teatro real, a "Real Opera do Tejo".
Se o terramoto não tivesse mudado o curso dos eventos, o teatro do torreão da Ribeira teria ficado como segunda sala teatral utilizada para celebrações festivas de menor importância. O palácio imperial de Viena servia de modelo, onde o Grosses Hofburgtheater de Francesco Bibiena se destinava à encenação de óperas italianas durante as principais ocasiões celebrativas e festivas (aniversários e onomásticos do casal imperial; celebração do carnaval), e uma sala teatral de menor dimensão utilizada para ocasiões músico-teatrais de menor investimento e fausto» in:
vide 2ª fonte referenciada em Bibliografia, no final deste artigo.

O "Real Teatro de Opera de Salvaterra de Magos" deveu a sua existència ao facto da Corte portuguesa, que para ali se deslocava no início de cada ano. Assim, este Teatro projectado por Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena foi inaugurado em 21 de Janeiro de 1753, com a ópera “Didione e Eneida” de David Perez. «De 1753 a 1792, foram representadas em Salvaterra 64 produções operáticas e ali actuaram os mesmos artistas dos restantes teatros régios»


Alçado do "Palacio Real de Salvaterra de Magos" assinado pelo arquitecto Carlos Mardel (1695-1763)



Estudo cenográfico para a representação da ópera "L'Amore Contadino" no "Real Teatro de Salvaterra de Magos", em 1764


Ellogio ao Ill[ustríssi]mo e Ex[celentíssi]mo Senhor Conde de Oeyras recitado na Corte de Salvaterra em 27 de Janeiro de 1775. Por seu muito humilde servo Leonardo Jozé Teixeira de Carvalho

Assim, D. José I (1714-1777) amante de ópera e concretizando um antigo sonho de seu pai, o rei D. João V (1689-1750), manda construir um magnífico e grandioso teatro para ópera em Lisboa, contratando os melhores arquitectos e artistas para que o prédio ficasse marcado na lembrança de quem o visitasse. E assim aconteceu, pois alguns viajantes, membro de governos, e outros fidalgos relataram a grandiosidade na "Real Opera do Tejo".


"Dom Joze Rey Fidelissimo de Portugal e dos Algarves" (1714-1777)




Legenda da planta anterior


Sobreposição da secção longitudinal e planta da primeira ordem do projecto da "Real Opera do Tejo"


Sobreposição da secção transversal espelhada do projecto da "Real Opera do Tejo"

Os administradores desta obra, que apenas demorou sete meses a ser construída, foram:

João Pedro Ludovice (arquitecto) - Provedor (administrador)
Giovanni Carlo Sicinio Galli Bibiena - arquitecto
Estevão Pinto de Moraes - Tesoureiro «Official Mayor da Secretaria de Estado»
Jose da Costa Patrão - Apontador das reaes obras particulares do rey
Pedro Gualter da Fonseca - Apontador

António de Sousa Bastos (1844-1911), no seu belíssimo livro "Diccionario do Theatro Portuguez" de 1908 descreveu este fabuloso teatro assim:

«Chamava-se assim o grandioso theatro, edificado junto aos PaçosTda Ribeira e que foi inaugurado a 31 de Março de 1735 com a opera de David Perez, Alessandro nell'Indie. Não havia em toda a Europa theatro de taes dimensões e tão fabulosa riqueza. Foram seus architectos e decoradores os illustres artistas Bibiena, Marcos, Paulo, Berardi, Bernardes. Azolini, Narciso e Lourenço da Cunha. Foi machinista Petronio Manzoni e scenographo Nicolau Servandoni.
Os primeiros cantores do mundo ali estavam contractados: Elisi, Cafarelli, Manzuoli, Giziello, Veroli, Balbi, Luciani, Raaf, Raina, Guadagni e Babino. Cada um d'estes artistas recebia por dois mezes dez e doze contos de réis, o que n'aquella epocha era espantoso.
O director era o celebre David Perez. Na opera Alessandro nell'Indie, letra de Metastasio, entrava um esquadrão de cavallaria; a phalange macedonica era representada por 400 homens. Havia uma grande marcha para manejar em scena o cavallo de Alexandre, o celebre Bucephalo. Para nada faltar ao luxo de tal theatro, até havia gravadores celebres para illustrar os librettos das operas, que eram distribuidos aos espectadores.
Sete mezes depois de concluida esta monumental obra, que não tinha rival em todo o mundo, um terrível incêndio e o terramoto a reduziram a um montão de ruinas.»


Parte do libretto da opera de inauguração



Estudo cenográfico de átrio com colunas salomónicas (1755)


Dois cenários do I Acto da opera "Alessandro nell'Indie"


Dois cenários do II Acto da opera "Alessandro nell'Indie"


Dois cenários do III Acto (cenário da cena final à direita) da opera "Alessandro nell'Indie"

Segundo o manuscrito "Historia politica economica do reinado de S. Rey D. Jozé I", o interior da "Real Opera do Tejo" «e assim descrito:

«Contava o theatro de hua sumptuosa varanda para as pessoas reaes e outras galerias. Para as damas do Paço dois magníficos camarotes na boca dos proscênios, para quando El Rey quisesse ver as danças de mais perto seis grandiozos camarote destinados para os Cardeais = Senhores da Palavra, Mordomo Mor = Embaixadores= Officiaes da Caza = e Camaristas.
O Segundo andar de oito camarotes, foi destinado a hum para os Inviados, outros para os Officiaes da Caza da Rainha e os mais para Senhores da primeira grandeza da corte.
No 3º andar havia outros camarotes que se repartirão por pessoas particulares tuda a eleição do Mordomo Mor. A platéa acomodava 600 pessoas, nella estavão destinadas 10 ou 12 bancos para a corte, os mais para Ministros de Beca, Officiaes Militares de Capitão para cima, e para o que tivessem o foro de fidalgo. Os camarotes chamados = forcuras = erão para os creados da Caza Real de todos od foros athe o de goara roupa.»


Vista do interior da sala, a partir do lado da entrada, da recriação virtual da "Real Opera do Tejo"


Vista do interior da sala e tecto, a partir do lado do palco, da recriação virtual da "Real Opera do Tejo"


Vista do interior da sala, a partir do lado do palco, da recriação virtual da "Real Opera do Tejo"

Nota: todas os desenhos de recriações virtuais, foram obtidas a partir da Dissertação indicada em primeiro lugar, na secção de Bibliografia no final deste artigo.

Durante os, apenas, sete meses de existência da "Real Opera do Tejo" ali foram representadas três grandes óperas sérias, todas com libreto de Pietro Metastasio, grande reformador da poesia dramática graças à meticulosa atenção que dava à língua italiana e à estrutura dos textos em função do conteúdo musical.

- "Alessandro nell' Indie", de Pietro Mestatasio - inauguração
- "La Clemenza di Tito", de Antonio Maria Mazzoni - estreia a 6 de Junho de 1755 (aniversário de D. José I)
- "Antigono" de Antonio Maria Mazzoni - estreia a 16 de Outubro de 1755

Mas cerca das nove horas e trinta minutos de 1 de Novembro de 1755 (Dia de Todos-os-Santos), um sismo de magnitude entre 8,7 e 9 da escala de Richter, seguido de marmoto, destruindo quase por completo a cidade de Lisboa, provocando milhares de mortos. Nesta tragédia o sonho do rei D. João V (1689-1750), concretizado por seu filho D. José I, foi completamente destruído e não mais foi reerguido.


1756


Gravura de Miguel Tiberio Pedegache (1730-1794) de 1757


Pequeno novo teatro mandado construir pelo rei D. José I no «sitio do Palacio de Nossa Senhora da Ajuda». Excerto do manuscrito "Historia politica economica do reinado de S. Rey D. Jozé I" (séc. XVIII) 

Bibliografia:

- "Ópera do Tejo - Investigação e reconstituição tridimensional" de Eduardo Francisco Durão Antunes - Dissertação de natureza científica para obtenção do grau de Mestre em Arquitectura - Faculdade de Arquitectura de Lisboa (2015)

- "Ópera do Tejo: o prelúdio de uma pesquisa" de Maria Aparecida Stelzer Lozorio - Graduanda em História Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil) - (2015)

- "Lisboa e a Real Ópera do Tejo: Um módulo Iluminado, entre Atlantes e Tritões" de Luís Alves da Costa (Professor na Escola Superior de Artes Decorativas, Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva)  

2 comentários:

APS disse...

Agradeço-lhe este seu belíssimo trabalho de reconstituição histórica e iconográfica.
E desejo-lhe um bom resto de Domingo.

José Leite disse...

Eu é que agradeço a gentileza do seu comentário.
Um bom resto de Domingo também para si.
Melhores cumprimentos