Restos de Colecção: Panificação do Chiado e C.ª de Panificação Lisbonense

7 de janeiro de 2024

Panificação do Chiado e C.ª de Panificação Lisbonense

A "Panificação do Chiado", teve a sua origem na "Padaria Lisbonense", que foi fundada na Calçada do Sacramento, 24 a 32, em Lisboa, em 1879, e era propriedade de Estevão Ribeiro da Silva. Mantinha seu depósito e ponto de venda na Rua Nova do Carmo, 24.




Tabuleta e entrada da "Padaria Lisbonense" à direita na foto (2º prédio), na Calçada do Sacramento


14 de Dezembro de 1879


c.1850


4 de Janeiro de 1880


24 de Outubro de 1880

O jornal "Diario Illustrado" de 8 de Junho de 1883 «noticiava» ...

«A padaria estabelecida na calçada do Sacramento é uma das que melhor fabrica o pão e por isso os caixeiros não têem mãos a medir.
Os 'Croissants' e 'Mignons' assim como os 'Bébés' e 'Mascottes' proprios para chá e café, verdadeira novidade d'aquelle estabelecimento são sempre muito procurados, tendo muitas vezes o proprietário de mandar fazer nova fornada para satisfazer os pedidos.»

11 de Maio de 1884

No "Diario Illustrado" do anúncio anterior, pode-se ler a seguinte nota:

«Recommendamos o annuncio que vem hoje da padaria Lisbonense, de que é proprietario o sr. Estevão Ribeiro da Silva. Annuncia duas novidades: broas de milho á moda do Minho, para o fabrico da qual mandou vir homem proprio, e uns magnificos pãesinhos para lunch, a 10 réis.
O mesmo senhor resolveu que todos os distribuidores da sua fabrica trouxessem uma fita metalica no bonet com o titulo Padaria Lisbonense, para de alguma maneira evitar a fraude de alguns distribuidores e vendedores de pão que se inculcam da sua fabrica.»


26 de Setembro de 1886

A propósito da "Padaria Lisbonense" o mesmo jornal escreveu uma pequena nota, em 2 de Junho de 1894, acerca da mesma, aquando da introdução de água filtrada no fabrico do pão, e que passo a transcrever:

«Não nos propomosa fazer a descripção minuciosa da padaria Lisbonense, mas é tal o estado de engrandecimento attingido nos ultimos annos pela casa, sem contestação alguma a mais notavel do seu genero em Lisboa, que não podemos deixar de nos referir a algumas das suas condições.
Sabe-se as qualidades de pão ali fornecido são do que ha de mais superior, que a alta sociedade é a principal fregueza, e que o seu proprietario, o sr. Estevão Ribeiro da Silva, um cavalheiro filho de familia distinctissima desenvolveu, n'aquelle ramo, um tal gosto, estudo, e aperfeiçoamento, que não só veiu a preencher uma lacuna, mas tambem prestar um serviço porque obrigou muitos industriais a imital-o, sendo a somma de tudo isso um certo numero de vantagens para o consumidor.
A especialidade da casa é o pão de Vienna d'Austria, que é o que mais se usa em Paris. E' realmente um producto de primeira ordem, sendo aquella fabrica a unica que o produz em Lisboa.
Ha, alem d'esta especialidade, outras qualidades que merecem menção, taes como os 'Pistoletes', 'Mascottes', etc.
A novidade ultima, introduzida n'aquella padaria, é de summa importancia para o publico.
Todo o pão é ali fabricado com agua filtrada com o filtro Chamberland. Mas, convença-se o publico d'esta verdade: não se annuncia o uso do filtro como simples reclamo; só, absolutamente só com agua filtrada é ali amassado o pão. Pode n'isso haver inteira confiança.»


Início da utilização da água filtrada através do filtro Chamberland em anúncio de 30 de Maio de 1894



Loja dos "Filtre Chamberland - Systéme Pasteur" na Rua Nova do Almada, 79

Aproveito para lembrar outra panificação importante de Lisboa e sediada bem perto desta, e que também aderiu na mesma altura ao "Filtro Chamberland": a "Padaria de S. Carlos".

10 de Setembro de 1894

A "Padaria de S. Carlos", situada na Rua Capello, ao Chiado, e que contava com mais 6 sucursais em Lisboa e uma em Sintra, era propriedade da firma "Mendes & C.ª ", constituída pelo sócio fundador Francisco Rufino d'Almeida e Antonio da Silva Mendes. Esta padaria também viria a integrar a "Companhia de Panificação Lisbonense, S.A.R.L." que tratarei de seguida.

«Ultimamente introduziram-lhe os seus proprietários um aperfeiçoamento notavel, adquirindo um Filtro Chamberland de 1:500 litros para a manipulação do pão, apparelho que pode ser visto a qualquer hora e em qualquer dia, no referido estabelecimento.»

Entretanto, e poucos anos mais tarde, é fundada a "Companhia de Panificação Lisbonense, S.A.R.L." por escritura pública de 15 de Março de 1902, tendo a sua sede na Rua da Palma, 272 1º andar, em Lisboa. Foi constituída, inicialmente, por 109 accionistas, que entraram com os seus estabelecimentos, e com um capital social de 3.922:000$000 réis. Os seus maiores accionistas eram Antonio Castanheira Moura (1865-1952), José Alvarez e Francisco Cruces Curtinhas. O seu primeiro conselho de  administração foi composto por: Antonio Castanheira Moura, Serafim Alvarez y Rivera, Antonio da Silva Mendes, Francisco Cruces Curtinhas e João Ferreira.

1907


Anúncio da constituição no "Diario do Govêrno" de 22 de Março de 1902

A "Padaria Lisbonense" seria integrada nesta nova Companhia como activo entregue pelo seu proprietário Estevam Ribeiro da Silva, na sua participação accionista, no valor de 80:000$000 réis.

Como primeiro acto de gestão a "Companhia de Panificação Lisbonense, S.A.R.L", submetia um projecto à Câmara Municipal de Lisboa, para a construção num logradouro, sito na então, Rua de S. João dos Bemcasados (actual Rua Silva Carvalho) em Campo de Ourique, de uma «casa de fornos», Este projecto viria a ser autorizado, e lá se construiria a "Fabrica Mechanica de Pão". Outra seria construída. a "Fabrica Mechanica de Pão" de Alcântara, além do "Laboratorio Químico".

De referir que a "Fabrica Mechanica de Pão" de Campo de Ourique, depois de absorvida pela "Nova Companhia Nacional de Moagem", em 1914, seria transformada em padaria. Em 1942 seria adquirida por uma sociedade constituída para o efeito a "Panificação Mecânica, Lda." daria lugar à padaria "Panificação Mecânica", em estilo Art-Noveau, e decorada com azulejos de Raphael Bordallo Pinheiro. Uma curiosidade: esta padaria é vizinha da "Sociedade Filarmónica Alunos de Apolo", fundada em 26 de Maio de 1872, e cuja história pode consultar neste blog, no seguinte link: "Sociedade Filarmónica Alunos de Apolo". Publicarei outro artigo acerca da "Panificação Mecânica, Lda." , brevemente.

"Panificação Mecâsnica" actualmente

Para se ter uma noção da indústria de panificação no início do século XX, transcrevo, um pequeno excerto de uma entrevista dada a «um importante jornalista» do jornal "O Século", em Fevereiro de 1913, por Antonio Castanheira de Moura, que na qualidade do Presidente da Direcção da "Companhia de Panificação Lisbonense, S.A.R.L". e divulgada no livro "Ao Povo Portuguez - Pão Barato", de 1913.

« ... A industria do pão, antes de 1899, havia descido á miseria extrema: nem hygiene, nem fiscalisação, nem resultados económicos. A esse tempo as padarias eram, salvo raras exceções, antros sem higiene e capacidade suficiente, em que se misturavam, n’uma vergonhosa amalgama, as farinhas e as camas do pessoal, os utensilios da panificação e os que serviam aos usos domésticos dos operarios. N’estes «cochichos» laboravam os operarios, miseravelmente pagos, desprovidos de qualquer instrução profissional.
No ultimo grau de decadencia financeira a que chegara esta industria era, sobretudo, necessário produzir barato e vender pelos preços correntes. E mesmo dentro d’este criterio, taes emprezas não equilibravam as suas finanças, apesar de aumentarem, periodicamente, o preço do pão comum.
O regimen iniciado em 1893, e sucessivamente modificado capertado quanto â panificação, em 1899 e 1905 transformou completamente a industria do pão. E com honra quero dizer que a Companhia a que pertenço, conseguiu, dentro d’esse regimen, dotar a cidade de Lisboa com alguns estabelecimentos que, sem desdouro para ninguém, podem ser comparados com os melhores de Viena, Berlim, Bruxelas e Londres. Na industria do pão, lá fóra, não se trabalha melhor do que em Lisboa. (...)
... E compreende facilmente a situação da industria panificadora na cidade de Lisboa. Como ha de ella fazer face ás despezas provenientes do avultado custo da con.struçãc dos seus predios e instalação de algumas das suas padarias; da renda exorbitante dos predios onde se instalam outras; da manutenção do seu pessoal operario, de harmonia com as reivindicações das classes proletarias; das maquinas apropriadas para o fabrico do pão, consoante as indicações recentes da ciencia; da execução, em todas as suas minucias, do regulamento de 24 de junho de 1911? Com o lucro proveniente da superprodução de 1 kilograma de farinha e do reduzido desconto que a moagem lhe pode fornecer!! (...)
... Ou reformam a lei dos cereaes - a autêntica lei da fome - ou o povo continuará a pagar, com grotas do seu sangue, por 90 réis am kilograma de pão qae em Liège custa 48 réis.» 




Lembro que Antonio Castanheira Moura (1865-1952) iniciou a sua actividade industrial e comercial em Lisboa, com uma modesta padaria no Alto da Palmeira. Pouco tempo depois já estava instalado com as suas "Padaria Taboense" e "Pastelaria Taboense", ambas localizadas na R. D. Pedro V, em Lisboa.


6 de Dezembro de 1902


"Pastelaria Taboense" na área delimitada a vermelho


25 de Setembro de 1907


1908


1909

Entre os anos de 1905 e 1908, fruto de uma vaga de fusões e aquisições, foram criadas num primeiro momento a "Nova Companhia Nacional de Moagem S.A.R.L.", em Lisboa em 28 de Junho de 1907, e a "Companhia de Moagem Invicta, S.A.R.L.". no Porto , em 18 de Março de 1908.


1909


Fábrica de moagem da "Nova Companhia Nacional de Moagem", na Avenida 24 de Julho, inaugurada em 1909


Fábrica de massas alimentícias  e bolachas da "Nova Companhia Nacional de Moagem", na Avenida 24 de Julho, e inaugurada em 20 de Julho de 1910

Também em termos de número de linhas de produto, se verificou um acréscimo relativamente à situação vigente no início da década de 1880. Para além da moagem de cereais também estava envolvida no descasque de arroz, no fabrico de biscoitos, bolachas e massas alimentares e na panificação, num claro processo de integração vertical. Neste âmbito, é aprovada em Assembleia Geral da "Companhia de Panificação Lisbonense, S.A.R.L.", realizada em 29 de Dezembro de 1913, a fusão com a "Nova Companhia Nacional de Moagem. S.A.R.L.", que se verificaria em 1914. Revelou-se significativa a aquisição da maior empresa de panificação, a "Companhia de Panificação Lisbonense, S.A.R.L.", que seria dissolvida em 18 de Julho de 1914. As obrigações por ela emitidas surgem como responsabilidade da companhia de moagem. Por outro lado, na entrada relativa a esta companhia no "Anuário Comercial" de 1917, é indicada uma secção de padarias da qual são responsáveis antigos administradores da empresa de panificação.

29 de Dezembro de 1913

Pela tabela, que publico de seguida, «para o rateio do trigo nacional e exótico para o ano cerealífero de 1914-1915», publicada no "Diario do Govêrno" de 6 de Agosto de 1914, podemos concluir da dimensão das principais fábricas de moagem e transformação de cereais em Portugal.

«Tabela para o rateio do trigo nacional e exótico para o ano cerealífero de 1914-1915»


"Padaria Lisbonense" já com a identificação da "Nacional" na montra

No final deste processo de concentração industrial, baseado em fusões e aquisições, que se prolongou até aos anos vinte do século XX estavam criadas duas grandes organizações empresariais: a "Companhia Industrial Portugal e Colónias" e a "Sociedade Industrial Aliança"

A "Companhia Industrial de Portugal e Colónias", constituída em em 17 de Dezembro de 1919, resultava da fusão da "Nova Companhia Nacional de Moagem" e da "Companhia Nacional de Alimentação". Foi uma das mais importantes de Portugal, senão mesmo da Península Ibérica, por volta dos anos 30,40 e 50 do século XX. À época tinha mais de 15 fábricas, todas relacionadas com a indústria alimentar - moagens, massas alimentares, bolachas e biscoitos, produtos congéneres, malte, rações e gelo.

Durante a sua existência a "Panificação Lisbonense" passou por várias mãos. Foi detida pela "Nacional", que a vendeu, mais tarde, a uma família que a modernizou nas práticas de fabrico, diversificação de serviços (café, pastelaria, etc.) e da oferta de produtos.




Edifício da "Panificação do Chiado" à esquerda no projecto de recuperação

A "Panificação do Chiado" encerrou definitivamente no dia 4 de Julho de 2012. Depois do edifício recuperado, o estabelecimento daria lugar, em 2016, a uma loja de calçado, roupa e acessórios de seu nome "The Festing Room". Conta, igualmente, com o coffe-shop "SO Coffee Roasters".




Bibliografia:

Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Doutor em História Económica e Social - "Grandes Empresas Industriais de um País Pequeno: Portugal da Década de 1880 à 1ª Guerra Mundial" - José Marto Neves - UTL - ISEG (2007)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Como nos tem habituado, mais um interessante postal com Panificações Lisbonenses.
Julgo que as datas ou 1865-1952 ou 1873 não estarão correctas, ou então com oito anos já se poderia considerar '...início de uma actividade industrial e comercial...'.

Bom Ano 2024 com saúde como deve ser.
Valdemar Silva

José Leite disse...

Muito grato pelo seu comentário e pela pertinente chamada de atenção.
Os anos de nascimento e morte de Castanheira Moura estão correctos.
O ano de 1873 é que não pode estar certamente.
Terá sido resultado da compilação de diversas notas, e esqueci de apagar o 1873 de alguma que nada tinha a ver.
Agradeço e retribuo os votos de Bom Ano de 2024 e como diz, e bem, «com saúde como deve ser»
Cumprimentos
José Leite

Bic Laranja disse...

Tarde mas ainda a tempo, espero, li só hoje o comentário que me deixou em 23 de Dezembro. Dou-lhe aqui nota do agradecimento pela sua generosa simpatia comigo e desejar um feliz 24, com interessantíssimos Restos de Colecção como este e todos, sempre, que o tornam já uma instituição na blogosfera nacional.
No mais é como lá diz, infelizmente ou felizmente, conforme a má intenção na apropriação do mérito alheio ou a boa fé na divulgação desinteressada (e sem necessidade marcas de água) da nossa memória colectiva.
Ano bom e, obrigado!

José Leite disse...

Caro "Bic",
Muito grato pelo seu amável e generoso comentário.
Um Bom Ano de 2024 e cumprimentos
José Leite