Restos de Colecção: Barbearia Campos

3 de janeiro de 2024

Barbearia Campos

A "Barbearia Campos", foi fundada, em Setembro de 1886, por José Augusto de Campos (1856-1922), e teve como primeira denominação "Cabelleireiro Lisbonense". Esteve localizada na Praça do Loreto (ex-Largo das Duas Egrejas e actual Largo do Chiado), nº 20 (a partir de 1900, Rua Paiva d'Andrada, nº 20), em Lisboa. 


"Barbearia Campos" com o "Ramiro Leão & C.ª " à esquerda na foto


José Augusto de Campos (1856-1922)

"Barbearia Campos" com o "Ramiro Leão & C.ª " à esquerda na foto


"Barbearia Campos" aquando do incêndio no "Ramiro Leão & C.ª " em 24 de Abril de 1927

Pelo que consegui apurar (e foi difícil ...) primeiramente, e em 1885, não aparecia cabeleireiro ou barbearia alguma nessa área, tendo aparecido pela primeira vez, no "Almanak Comercial de Lisboa" de 1886, referido como "Cabelleireiro Lisbonense" na Praça do Loreto. Não indica o nº de porta mas nesse ano o nº 19 ainda fazia parte da Praça do Loreto. O nº 19 era vizinho do "Café Madrid", já na Rua do Outeiro. Contudo, só no "Almanaque Palhares" para 1903, e editado em 1902, é que aparece este estabelecimento referido como "Campos & Costa", apesar da morada indicar, erradamente, rua do Loreto em vez de Praça. Aliás, devia já aparecer como localizado na, já, nova Rua Paiva d'Andrada (ex-Rua do Outeiro desde 1890).



"Almanak Comercial de Lisboa", 1885


"Almanak Comercial de Lisboa", de 1886


"Anuario del comercio, de la industria, de la magistratura y de la administración" de 1886


"Almanaque Palhares" para 1903 (editado em 1902). Neste ano já devia referir Rua Paiva d'Andrada, 20 ...

"Anuario del comercio, de la industria, de la magistratura y de la administración" de 1910


Os vizinhos "Cabelleireiro" e o "Café Madrid"

Como já referi anteriormente, a Rua Paiva d'Andrada chamava-se, até 1890, Rua do Outeiro, e segundo o livro de Júlio de Castilho (1840-1919) "Lisboa de Antigamente", de 1912 ... «Também aqui esteve o afamado Andrilliat, cabeleireiro do grande mundo por 1820 e tantos ou 30, de quem foi sucessor Monsieur Godefroy, em 1842, no largo das Duas Igrejas, com entrada pela rua do Outeiro nº 9, hoje estabelecido no Chiado, 80 a 86» .

1842

Este cabelleireiro e barbearia estava localizado na zona mais nobre da cidade que, o mesmo livro de Julio de Castilho assim a descrevia:

«Aí triunfaram vários nomes, que ainda hoje se proferem: o do mencionado botequineiro Marrare, que, sem ser académico, manteve uma quási Academia; o da modista francesa Madame Elisa; o do cabeleireiro Baron, com as suas mesuras ridentes, e a sua conversação noticiosa de parisiense amável; o do cabeleireiro e perfumista Godefroy, grave, loiro, e cortes; o do alfaiate Airoles; o do aristocrático e bondoso Strauss; o da modista Real, Madame Levaiant, que na esquina oriental do seu 1º andar para a rua de S. Francisco ostentava um trofeu internacional de brasões e bandeiras de táboa; o do quinquilheiro José Alexandre, protótipo do que havia melhor em Londres e Paris; o do quinqllilheiro Seixas, simpático, hospitaleiro como poucos; o do quinquilheiro Magalhães, em cuja loja riquíssima passou a afluir a elegância depois de fechado o Marrare!; o do apurado sapateiro Manuel Lourenço; o do mercieiro Martins; o nome quási literário dos honrados livreiros Bertrands; e quantos mais, que não sei! (...)»

Entretanto, em 1910, a sociedade "Campos & Costa" é dissolvida e a barbearia passa a pertencer exclusivamente a José Augusto Campos, e passa a denominar-se "Barbearia Campos", apesar de a tabuleta exterior ter permanecido sempre "Cabelleireiro". Por morte deste em 1922, assume a gerência do estabelecimento Artur Ribeiro dos Santos (1890-1974), natural de Tábua, que viria a casar com uma das filhas do fundador, D. Berta da Conceição Campos.

Artur Ribeiro dos Santos (1890-1974)

Em 1975, Jorge Mário Elder Sá-Chaves (1906-1989) natural de Lisboa, casado com Cristina da Conceição Campos, filha mais nova de José Augusto de Campos assumiu a gestão e propriedade da "Barbearia Campos" após o falecimento de seu cunhado Artur Ribeiro dos Santos.

Jorge Mário Elder Sá-Chaves (1906-1989)


Foram «mais de 130 anos a tornar os lisboetas mais aprumados e garbosos, dos anónimos que não reza a história, a uma longa lista de personalidades da nossa praça. O mural de fotografias de gente célebre, muito bem penteada, denuncia o orgulho de terem ajudado a brilhar - bigode, barba e cabelo - personalidades da vida portuguesa como Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro, Almada Negreiros, António Ferro, Vasco Santana entre muitos outros.» in: "Lojas com História".



Da esquerda para a direita: Costa, Duarte, Artur dos Santos (gerente e herdeiro) e Sampaio, nos anos 50 do século XX


1976


Antiga tabela de preços, em escudos


Esta, e as duas fotos seguintes, são já do século XXI, e antes das obras de restauro

Em 2014, o prédio onde estava instalada a "Barbearia Campos", entrou em obras profundas de recuperação, que implicou a total demolição do interior do mesmo e posterior reconstrução. Os proprietários da barbearia e a nova proprietário do edifício, a empresa "Coporgest - Companhia Portuguesa de Gestão e Desenvolvcimento Imobiliário, S.A.", com intermediação da CML, acordaram em novo contrato e na recuperação e permanência do estabelecimento no "novo" edifício. Em virtude deste facto, em Março de 2015, a "Barbearia Campos", então dirigida por José Lopes, teve que se mudar, temporariamente, para umas instalações provisórias e 200 metros desta.


Instalações provisórias

Depois de um ano e meio, em 2016 a "Barbearia Campos" retorna ao seu lugar de origem. A empresa, que terminou a reabilitação do edifício - "Coporgest, S.A." -, aumentou o valor da renda para 1.000€, que seriam gradualmente aumentados anualmente em 27 por cento, revelou a "Time Out". As lâmpadas fluorescentes foram substituídas por lustres, os móveis foram restaurados, preservou-se a bancada e lavatórios em mármore de Carrara, os tectos estucados segundo a traça original e o chão original de mosaico. Os toques de charme eram as cadeiras de barbeiro do início do século XX, cromadas e com as plataformas para os pés ricamente decoradas com arabescos, e os espelhos italianos.


"Barbearia Campos" já instalado no "novo" edifício





Contudo, em 2021 verificam-se dificuldades no negócio, que foram ampliadas com a pandemia. Apesar de ter sido anunciado o fecho deste estabelecimento no final do ano passado, a "Barbearia Campos" ainda resistiu até às vésperas do Natal de 2023. A barbearia mais antiga do país encerrou definitivamente. Segundo a "Coporgest, S.A." que arrendava o espaço, o contrato terminou «por incumprimento do arrendatário» que pagava 2.900 € mensais de renda. 


Encerrado definitivamente

Nota: Também neste mês de Dezembro de 2023, outro estabelecimento centenário, a "Livraria Férin", fundada em 1840 encerrou as suas portas definitivamente, ao fim de 183 anos !! ... é caso para dizer, infelizmente, e lembrando o título de um filme célebre, "As lojas centenárias também se abatem" ...

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca Nacional DigitalArquivo Municipal de Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional de España, Barbearia Campos-Cabelleireiro (Facebook), On the Grid, Lisboa S.O.S.

1 comentário:

Anónimo disse...

Vim aqui durante anos!... A Ferin também mas menos. Se não é um incêndio é um terramoto, se não é este é a especulação! Pobre Lisboa minha.
Cumprimentos,
G.