A "Ourivesaria Moitinho", foi fundada em 1790 pelo ourives de prata e contrastador da Cidade, Izidoro da Silva Cardoso (1822-1874). Foi provavelmente a mais antiga ourivesaria da capital, senão do País, a velha "Ourivesaria Moitinho", cuja actividade chegou aos dois séculos. Por altura da sua fundação, a loja ocupava as portas 20 e 21 da Rua da Prata, tornejando para a Rua dos Retrozeiros, onde apenas tinha uma montra com o n.° 52.
Por falecimento de Izidoro da Silva Cardoso, que terá ocorrido por volta de 1870, sucedeu-lhe seu genro Luiz Pinto Moitinho (1837-1905), que não só deu nome à casa como muito contribuiu para o seu futuro desenvolvimento, porquanto, após alguns anos de administração, conseguiu tomar conta das oficinas de ourives contíguas ao seu estabelecimento, na Rua dos Retrozeiros, 54 e 56, e para elas alargou as instalações primitivas.
Nem tudo correu bem à filha de Izidoro da Silva Cardoso , pelo que este anúncio de 24 de Fevereiro de 1875 testemunha
«Luiz Pinto Moitinho nasceu em 1837. Foi aprendiz na mesma casa onde estava estabelecido, então propriedade de Izidoro da Silva Cardoso, um dos mais habeis e conceituados ourives d'aquelle tempo.»
Aqui permaneceu entre 1849 e 1854, tendo partido para o Brasil em busca de «melhores dias» o que não se verificou. Regressou pouco tempo depois, vindo a casar com a filha do seu antigo patrão e mestre, D. Maria da Gloria Cardoso, e foi, por morte de seu sogro, o sucessor na administração da ourivesaria.
Luiz Pinto Moitinho (1837-1905)
Em 7 d'Abril de 1877, fundou a Associacao dos Ourives e Artes Annexas, e em Maio do mesmo anno, n'uma casa da rua da Oliveira ao Carmo, sede da Associação dos Artistas Lisbonenses, eram discutidos e approvados os estatutos, cujo relator foi o nosso amigo sr. Antonio Joaquim Simões d'Almeida. (...)» in: revista "Occidente" de 30 de Setembro de 1905.
Luiz Pinto Moitinho funda em 1892 o "Asylo Officina de Santo António de Lisboa", nos Anjos:
A associação foi fundada em 22 de Março de 1891, com 13 associados, realisando-se a primeira reunião em 13 de junho na casa do cartorio da egreja de Santo Antonio da Sé.
Luiz Pinto Moitinho foi o seu principal fundador e a elle e só a elle se deve o progressivo andamento do asylo.
Com uma pertinacia digna do maior elogio principiou a angariar socios para a Associação, e tão bem coroados foram os seus desejos, que em 3o de julho de 1891 já estavam inscriptos 1255 subscriptores.
Pensou-se desde logo na abertura do asylo, que foi inaugurado em 1 de abrii de 1892 com 13 educandas, n'uma casa do largo do Conde de Pombeiro pertencente ao Conde d'Azarujinha.
Encetaram-se logo n'este primeiro periodo os trabalhos de cartonagem, obras de malha de lã, passemanteria e cirgueria, luvaria, alfayateria, ourivesaria, brunido da prata, fabricação de pequenos objectos decorativos e trabalhos de cinzel, e fabricacão de estojos.
O asylo mudou depois a sua séde para uma casa no Paço da Rainha, 21.
O primeiro ensaio de trabalho das alumnas foi lagarmente auspicioso, pois que rendeu 519$845 réis, dando um saldo de 275$880 réis.
Estes resultados mais vieram evidenciar a necessidade de estabelecer o asylo em melhores condições.
Um incansavel trabalhador teve Moitinho logo nos primeiros dias da creação do asylo e nos trabalhos preparatorios.
Foi elle Anfonio Joaquim Simões de Almeida, a quem este instituto deve os mais relevantes serviços, e cujo talento e grande coração está manifesto nas paginas brilhantes dos seus relatorios. (...)
A direccão do asylo entendeu dever nomear Presidente honorario a Sua Alteza o Principe Real, e vice-presidente o filho primogenito dos Marquezes do Fayal, procurando assim encontrar futuros protectores a nascente instituição.» in: revista "Occidente" de 10 de Junho de 1905
Que descance em paz o benemerito e honrado Luiz Pinto Moitinho.
O seu nome ficará gravado em lettras d'oiro e a sua memoria será inolvidavel no coração de todos quantos o conheceram e lhe foram dedicados.»
António Joaquim Simões de Almeida, e a firma "Santos & Pimenta, Lda." foram, depois, os proprietários da "Ourivesaria Moitinho" que, em 1938, passou à posse de "Barbosa, Esteves & C.ª". Esta firma tinha sido constituída em 12 de Junho de 1902, tendo como sócios fundadores Daniel Barbosa, Joaquim Esteves Nogueira, Albano Barbosa e José Joaquim Barbosa. A sua sede fixou-se numa ourivesaria existente na Rua da Prata, nº 295, onde Albano Barbosa tinha trabalhado como empregado. Em 1906 a "Barbosa, Esteves & C.ª" tomaria de trespasse a "Ourivesaria da Moda" instalada na mesma Rua da Prata nº 257, que a remodelou logo de seguida.
"Antiga Ourivesaria Moitinho" em foto de 1945
Por deliberação camarária de 8 de Fevereiro de 1906, a Rua nº 3 que ligava a Avenida Dona Amélia com a Rua Palmira passou a homenagear o fundador do "Asylo-Officinas de Santo Antonio", Luís Pedro Moitinho, 5 meses após o seu falecimento.
Em 8 de Junho de 1944 a já "Antiga Ourivesaria Moitinho de Barbosa, Esteves & C.ª", foi alvo de um assalto, cujo produto do roubo foi avaliado em 400.000$00 (400 contos). Passo a transcrever a notícia publicada no jornal "Diario de Lisbôa" na mesma tarde:
Uma vez ali, abriram a montra e fizeram uma verdadeira limpeza, tendo o cuidado de levar as melhores joias: cordões de oiro e aneis com brilhantes dos mais valiosos. O montante do roubo foi avaliado, num exame rapido, em 400 contos.
Praticado o roubo, sairam pelo sitio por onde entraram, servindo-se dum banco alto para alcançar o buraco feito no tecto da ourivesaria. Pelas dimensões da abertura praticada ne soalho do escritorio da Empresa Transportadora Oceanica conclue-se que os assaltantes são pessoas magras, pois dificilmente um individuo corpulento passaria através dessa abertura.
Foi tambem este o processo pelo qual os gatunos entraram, recentemente, nas ourivesarias da rua da Rosa, da rua Alves Correia, da rua de S. Bento e da avenida da Republica não tendo sido possivel descobri-los.
O guarda-nocturno da area, Antonio Domingos de Almeida Fernandes, ao vêr em frente. do estabelecimento um homem alto, em atitude nervosa, olhando para o predio, suspeitou de que alguma coisa se passava. Entrou na escada do predio onde está instalada a Transportadora Oceanica e verificou que a porta estava aberta. Dirigiu-se ao escritorio e viu, então, que parte do soalho do corredor, que é atravessado por duas grossas vigas, estava levantado numa grande extensão. Entre as vigas tinha sido levantado um pedaço de chapa de ferro de pequenas dimensões, vendo aberto no tecto da ourivesaria um buraco de pouco mais de dois palmos de largura.
Sem querer saber de mais nada, o guarda-nocturno correu a avisar o dono do estabelecimento. A essa hora, era possivel que os gatunos ainda estivessem empenhados no seu trabalho dentro da ourivesaria, uma vez que na rua o tal individuo alto e ennervado parecia aguardar alguem que tivesse entrado no predio.
O proprietario da ourivesaria compareceu imediatamente no local, mas não pôde entrar na loja por não ter consigo a chave, que estava em poder do encarregado. Este só de manhã, quando ia abrir a casa, teve conhecimento do que se passara.
Os gatunos levaram, como dissemos, as joias de maior valor, mas deixaram ainda no estabelecimento muitos objectos de oiro e prata.
No local compareceram agentes da P. I. C., e da P. S. P. , que tomaram conta do caso.»
Um dos proprietários Júlio César Barbosa primeiro à esquerda, seguido dos agentes da "Polícia de Investigação Criminal" , David Mota, Miguel Bernardes, João Sequeira, Manuel Campino e Manuel Alves Salgado
Fernando Pessoa, cujo domínio absoluto da língua inglesa, raríssimo na Lisboa da primeira metade do século, é cartão de visita em qualquer empresa da capital, transforma-se numa ajuda preciosa para a gerência de muitos escritórios. Adianta correspondência, estabelece contactos internacionais, ajuda no expediente geral. Recusa sempre um emprego fixo. A sua prioridade absoluta é, desde muito cedo, a obra literária. Aqui e ali, entre duas traduções, vai aproveitando a máquina para escrever outras coisas: o "Livro do Desassossego", por exemplo, é parcialmente concebido na Baixa, sobretudo no primeiro andar da "Ourivesaria Moitinho", em cujo escritório trabalha ao longo de mais de uma década.
Luís Pedro Moitinho de Almeida relembrando o prédio da Rua da Prata, 71, onde viveu toda a sua família, e onde o poeta Fernando Pessoa (1888-1935) trabalhou na firma "Moitinho de Almeida" instalada no 1º andar ...
... Em princípios do século, todo o prédio se encontrava ocupado pela minha família; nas lojas era a ourivesaria, nos 1.° e 2.º andares viviam meus bisavós Luís Pinto Moitinho e mulher e nos 3.º e 4.° andares viviam meus avós António Joaquim Simões de Almeida e mulher.
Meu pai, Carlos Eugénio Moitinho de Almeida, em 1907, passou a ocupar todo o 1.° andar onde estabeleceu um escritório comercial de comissões, consignações e conta própria.
Meu avô António Joaquim Simões de Almeida trespassara a loja, que todavia conserva ainda hoje, como disse, o nome de Ourivesaria Moitinho.
Porém, um personagem não da família, mas individualidade marcante, havia de passar a fazer parte, e de que maneira, do drama do prédio. Refiro-me a Fernando Pessoa.
E o seu drama situa-se precisamente no 1.° andar onde foi o escritório do meu pai, de quem Fernando Pessoa era correspondente de línguas (Inglês e Francês).
A seguir à sala grande dos empregados, para o lado da Rua dos Retrozeiros, havia uma sala de espera, seguida de um gabinete que Fernando Pessoa usava quando não queria utilizar o dos restantes empregados e onde eu cheguei a ter escritório de advogado, seguindo-se outra sala, onde era o gabinete do meu pai; todas as referidas salas com 4 janelas deitando para a Rua dos Retrozeiros, onde havia ao tempo a tabacaria Havaneza dos Retrozeiros.»
1975
A "Antiga Ourivesaria Moitinho" terá funcionado pelo menos até 2005 ... Actualmente eis a foto seguinte, via "Google Maps" de Março de 2024...