Restos de Colecção: outubro 2025

28 de outubro de 2025

"Grande Café Nacional"

O "Grande Café Nacional" foi inaugurado em 9 de Junho de 1924, na Rua 1º de Dezembro, 55 a 65, esquina com a Calçada do Carmo, em Lisboa. Propriedade da firma "Sociedade de Cafés 1º de Dezembro, Lda.", foi projectado pelo arquitecto Deolindo Leite Pereira Vieira (1877-1965), com as obras a cargo do mestre de construção civil António de Carvalho.


No espaço que este café veio ocupar, portas 55 a 65, tinha funcionado desde 1901 o estabelecimento de «pharmaceuticos droguistas» da firma "José Feliciano Alves de Azevedo & C.ª". 

1909


Loja da "José Feliciano Alves de Azevedo & C.ª" à direita na foto

Entretanto em Março de 1919, abre no nº 59 ao "Club Internacional". Propriedade de José Móra, era um club elegante, com a sala decorada ao estilo japonês, «enfim uma maravilha de bom gosto; um conto de fadas.»

«Soavam, duas horas quando se deu principlo á segunda parte do delicioso programma e que se compunha de variedades, entre os quaes é de justiça destacar a gentil e formosa baillarina Rozario Marcellino nos seus caracleristicos bailes flamengos. Já o sol ia alto e os vtolinos ganiam os ullmos accordes n'uma estonteante valsa quando terminou esta memonavel festa, depois d'uma ceia deliciosa, onde não faltavam tal allegria e enthusiasmo, tendo-se trocado ao «toast» affectuosos brindes, onde ficou.bem patente que a par de toda a animação hayja taiem um cunho inaudivel de sinceridade e amizade para com a maioria dos convidados.


1 de Abril de 1919

A Direcção d'este confortavel o elegante Club que não se cança em prorporcionar aos seus inumeros associados, tudo que é bello, decerto não se fará esperar muito em prorporcionar a todos os seus socios a amigos uma nova festa, para assim termos onde passar umas horas de prazer e alegria que nos façam esquecer os aborrecimentos da vida real.».

Este club viria a encerrar em 1922, altura em que é adquirido em conjunto com as lojas contiguas entre as portas 55 e 65, para aí se instalar o "Grande Café Nacional".

No dia da inauguração do "Grande Café Nacional" o jornal "Diario de Lisbôa" relatava:

«O maior café de Portugal

As pessoas que estão acostumadas a frequentar os grandes centros do estrangeiro olharam hoje como um acontecimento de caracter sensacional em cosmopolitismo, a inauguração do Grande Café Nacional, na rua 1.° de Dezembro.
Fica, de facto, sendo o grandioso estabelecimento um ponto de passagem agradavel para os frequentadores estrangeiros de Lisboa - que noutra casa lisboeta não encontraríam as condições, de grandeza, de bizarria e de alacridade tão gratas a quem esta habituado ao convivio dos grandes cafés no estrangeiro.
O Grande Café Nacional, que tem uma formosa, viva e harmoniosa decoração em motivos luzitanos dispõe de uma grande cave «Bar», onde os provadores de cerveja se refugierão, defendidos de todo o calor. Um serviço de Restaurant e um «tea-concert» são dirigidos ali por pessoas competentíssimas, que têm ás suas ordens pessoal habilitado e delicadissimo. Nao podem ser melhores os recursos de exito deste empreendimento que veiu honrar a vida de comunicação na grande arteria de Lisboa.»

Igualmente o jornal "A Capital", noticiava o acontecimento:

«Uma Esplendida Instalação de "café"

E' o que se observa na rua 1.° de Dezembro, 55 a 65, onde hoje se inaugurou o Grande Café Nacional. Na visita que lhe fizemos ontem, ficámos deslumbrados com o lançamento grandioso das linhas das portas e do enorme pé direito, invulgares nas construções na nossa Baixa e admirámos a inteligencia com que os construtores procuraram obter, por tolas as fórmas, e luz maxima. Com esta grandeza e esta luz resultantes de um projecto magnifico é que o novo estabelecimento é uma esplendida instalação de calé - sem se adulterar o adjectivo «esplendido», como soe fazer-se para aí.»


Arquitecto Deolindo Leite Pereira Vieira (1877-1965)

Quanto à sua decoração interior ...

«Toda a modulação decorativa - motivada em cardos e em folhas de carvalho - tem uma patine bronzeada e a estrutura geral do tecto, continente dessa decoração, é sustida por dois pilares e mísulas que ostentam escudos das principais cidades portuguesas. Os fundos das paredes são revestidos por painéis de azulejo, emoldurados nos referidos arcos envolvidos e encimados por "cartouches" decoradas com esferas armilares - insígnias dos estilos nacionais. Esses painéis, a azul e branco, devem-se à arte de Jorge Colaço e são em número de oito, representando Trás-os-Montes, por um pelourinho dos mais nobremente antigos; o Minho pelo castelo de Guimarães; o Douro, por um trecho do rio sob a ponte D. Maria Pia; a Beira Alta, pelo parque do Fontelo; a Beira Baixa por um pedaço da grande lagoa da Serra da Estrela; a Estremadura, por um fundo azul do Tejo em que se ergue a Torre de Belém; o Alentejo, pelo templo de Diana e o Algarve pelo promontório de Sagres.
A parte inferior das paredes é forrada por um lambri de mármore brunido, de um belo tom castanho claro, esculpido em cordame náutico. Os tons da pintura foram escolhidos entre os claros - alaranjado e lilás - o que aproveita a máxima reflexão de luz e harmoniza perfeitamente com o azul e branco dos azulejos. A iluminação nocturna é constituída por 22 "plafonniers" e 8 candeeiros triplos. Colocados nas pilastras, sob as mísulas.» (*)


Na cave, escavada em toda a extensão do estabelecimento, funcionava uma cervejaria e que além da comunicação interior, tinha outra particular pela Calçada do Carmo. O salão de bilhares, parte integrante do "Grande Café Nacional", funcionava no prédio ao lado, portas nos. 47 a 53.

Quanto ao exterior ...

«As fachadas do café,  são todas de pedra branca. A que olha para a Rua 1.º de Dezembro tem sobre as partes reentrantes os escudos citadinos de Lisboa e Porto, em magníficos relevos. É rasgada por três portas monumentais, com arcos duplos envolvidos. A que dá para a Calçada do Carmo tem esculpido o escudo de Coimbra e é rasgada por dois janelões emoldurados igualmente em arcos envolvidos. Tanto as portas como os janelões são em ferro forjado, trabalhado artisticamente, com "panneaux" de vitrais e com rosáceas que abrem, estabelecendo uma franquíssima e sempre renovada ventilação. A cor dominante dos vitrais é o amarelo- dourado que, com detalhes de azul e de vermelho, dá um equilíbrio suavíssimo à forte luz do ambiente.» (*)


"Grande Café Nacional" à esquerda na foto, com o seu concorrente "Café Madrid", em 18 de Agosto de 1941


6 de Junho de 1944

Nota: nas 2 fotos anteriores pode-se avistar no andar superior ao "Grande Café Internacional" a tabuleta dos "Armazem de Lanificios Lino" que ocuparam os pisos superiores do edifício desde 1924.


13 de Julho de 1937

Na esquina oposta da Calçada do Carmo e do mesmo lado da rua, jé existia o "Grande Café d'Italia", desde 1921, e que viria a ser substituído pelo "Café Madrid" nos anos 30 do século XX.

"Grande Café d'Italia"

Concebido para uma elite da sociedade lisboeta o "Grande Café Nacional" era um estabelecimento aparte, sendo frequentado por senhoras e grupos familiares que ali podiam assistir ao quarteto musical dirigido pelo professor José Henriques dos Santos quee todos os dias, à tarde e à noite, executavam diversos programas de concerto.


19 de Dezembro de 1924


31 de Outubro de 1925


1926



1928


1 de Março de 1930


2 de Dezembro de 1930

No período da II Grande Guerra Mundial (1939-1945), o "Grande Café Nacional" fechou, tendo reaberto em 12 de Junho de 1947, depois de grandes obras ali efectuadas sob a direcção do arquitecto Raúl Francisco Tojal (1899-1969) - que já tinha projectado o café "Palladium" na Avenida da Liberdade -, coadjuvado pelo construtor civil, e seu irmão, Diamantino Tojal (1897-1958). Continuava a pertencer à firma "Sociedade de Cafés 1º de Dezembro, Lda.". Aos sócios-gerentes fundadores Alberto de Assis Camilo e José Eduardo David Paiva, juntaram-se Augusto Rodrigues, Fernando José Ferreira, Luís Ferreira de Carvalho e Joaquim Martins.

12 de Junho de 1947

Quanto às alterações efectuadas na decoração do "Grande Café Nacional", o jornal "Diario de Lisbôa" elucidava:

«(...) No salão principal apenas ficaram os magnificos paineis de azulejo de Jorge Collaço e de duas colunas centrais. Tudo o mais é novo. As colunatas e florões das janelas desapareceram, o que melhorou consideravelmente a iluminação natural da vasta quadra. Aos tons escuros nas paredes, nos ornatos, no mobiliário, sucederam os tons claros, que dão ao conjunto beleza, harmonia e esplendor. Há aquecimento central, ventilação e refrigeração cuidadas, e a iluminação fluorescente permite manter, á noite, o ambiente nocturno.
Anexo ao grande salão de café fica o esplendido restaurante-bar, centro de elegancia e de comodidade, alegrado ainda mais por dois lindos quadros do pintor Julio Santos, e com um balcão de mármore, um excelente frigorifico e toda a aparelhagem moderna. O serviço de cozinha rivalizará com os melhores de Lisboa. A garrafeira marca situação de privilégio, pela qualidade e pela quantidade. O restaurante-bar tem duas portas independentes para a rua.
Ao lado do restaurante-bar há a barbearia, primorosamente montada, com quatro cadeiras modernissimas, muitos cromados e espelhos e uma aparelhagem sem rival. E também esta dependência do estabelecimento possui uma entrada privativa.
A cozinha foi alargada e dotada com um soberbo trem; são modelares os serviços de tiragem de fumo e de ar e a refrigeração e iluminação. A frasqueira é abundante. Estão repletos os armazens e depósitos. Nem, um pormenor foi descurado, para que o Grande Café Nacional se tonasse, no seu género, um estabelecimento modelar; e isso se deve ao notável esforço e tenacidade dos novos sócios da empresa, srs. Augusto Rodrigues, Fernando José Ferreira, Luís Ferreira de Carvalho e Joaquim Martins, e aos antigos sócios gerentes, srs. drs. Alberto de Assis Camilo e José Eduardo David Paiva; á direcção técnica do distinto arquitecto Raul Tojal e ao escrupulo com que Diamantino Tojal, construtor civil, executou os trabalhos.
No salão principal há lugar para 500 pessoas, em condições magnificas de conforto e de comodidade. Na cave é o amplo e arejado salão de bilhares, óptimo no Verão, porque é fresco, e óptimo no Inverno, porque tem, como as outras dependências, aquecimento central. Existem ali dez esplendidos bilhares, de tipo normal, e um para grandes competições de mestres. Vieram da América do Norte, e são de fabrico modelar.»


24 de Dezembro de 1960


"Grande Café Nacional" já muito sujo e degradado, em 1975

Quando ainda jovem, cheguei a frequentar ao fim de semana este café, na década de setenta. Era grandioso e muito confortável. Se não estou em erro, e aproveitando o elevado pé direito, já tinha sido construída uma mezanine. Ia lá propositadamente para beber um belíssimo chocolate quente ...

Depois de encerrado uns bons anos, veio a ser adquirido pelo "Celeiro", que já existia na Rua 1º de Dezembro desde 1974, e que para ali se mudou e lhe chamou "Celeiro 1º de Dezembro".


Julho de 2024, via "Google Maps"


(*) - in blog: "Coisasdeantigamente.marr"

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Hemeroteca Municipal de Lisboa,  Arquivo Municipal de LisboaHemeroteca Municipal de Lisboa,  coisasdeantigamente.marr

23 de outubro de 2025

Club dos Patos

O "Club dos Patos" abriu as suas portas pela primeira vez, no Largo do Picadeiro, 10 , em Lisboa, antes da I Guerra Mundial (1914-1918), provavelmente por volta de 1913, bem perto do "Teatro Nacional de S. Carlos". Outro club, o "Maxim's" abriu como  "Club dos Restauradores" antes da I Guerra Mundial , mais concretamente em 1908. Ambos abriram como casinos, diversificando gradualmente os seus serviços de modo a conquistar mais público e de certa forma a camuflar a sua actividade original, embora esta se mantivesse.

Apesar da concentração de clubs na Rua Eugénio dos Santos, actual Rua das Portas de Santo Antão, Praça dos Restauradores e Rua da Glória, locais de outros estabelecimentos comerciais, espaços de diversão, teatros, cinemas, cafés e restaurantes aí existentes, acentuando o seu carácter de zona dedicada ao lazer e à filosofia de vida para aí promovida, o caso relativamente isolado do "Club dos Patos", na zona do Chiado tem no entanto uma justificação funcional, uma vez que se situava na convergência de vários equipamentos culturais, como os teatros, ópera, restaurantes, cafés, pastelarias, e comércio elegante. Historicamente, era também nas proximidades deste club que se situavam as assembleias e clubes dedicados a práticas de sociabilidade mundana públicas ou semi-públicas - "Turf- Club", "Grémio Literário", "Club Tauromaquico" -  para as classes mais altas que se impuseram ao longo do século XIX.

A seguir transcrevo parte de um artigo publicado no "Diario de Lisbôa" de 5 de Maio de 1928, aquando do encerramento do "Club dos Patos" e respectivo leilão do seu recheio, que ilustra bem o ambiente desta casa de jogo, dança e espectáculo:

«Inicialmente, foi apenas uma «tertulia» intima e amavel, «garconniére» de rapazes de «meia idade» que acenavam ás «demi-mondaines» com as prometidas generosidades que o titulo de «Patos» deixava antever, como bom chamariz. 

Depois foi-se alargando a frequencia, sempre elegante e escolhida, e a presença agradavel de espiritos fulgurantes veiu aumentar o interesse das noites dos «Patos» - a eloquencia exaltada dum orador de génio, as «blagues» bizarras dum artista do lapis ...

Depressa se introduziu o veneno do jogo no que, inicialmente, fôra apenas Jogo da Rosa, torneio de alegria e desenfadado amõr. E os «Patos» passaram a sê-lo no pano verde, tomando o Club um novo aspecto de «cabaret», sempre intimo mas ja com caracteristicas semelhantes a do parisiense «Rat-Mortn, e destacando-se dos seus similares lisboetas, encerrados ainda em bacanais secretas e escondidas no anonimato das ultimas letras do alfabeto.


"Slot Machine"

Pelo «Largo do Picadeiro» desfilaram então as mais lindas bailarinas de S. Carlos e as mais graciosas «tiples» da zarzuela do D. Amelia, os teatros visinhos que permitiam as suas contratadas saltarem do palco para o «Patos», «vivinhas a saltar», muitas vezes com os fatos de scena.

Lá começaram os passos ainda indecisos das suas carreiras artisticas de tanta fama como Tereza Espana, Isabelita Ruiz e Rosita Rodrigo, preparando-se igualmente para a consagração publica, com o prestigio do exito no «cercle», cantadoras tão populares como as desventuradas Julia Mendes e Maria Vitoria, Filomena Lima, actual «estrela» de revista, e Maria Rapaz, a melhor «fadista» de hoje.


30 de Dezembro de 1925


8 de Dezembro de 1926


10 de Dezembro de 1926

Na «jeunesse dorée», frequentadora dos «Patos» surgiam, por vezes, tentativas de deserção pela porta do matrimonio. E era fatal a ceia de despedida, com protestos de definitiva retirada, nostalgicos adeus, rupturas tragicas, lagrimas de dor ... e de «champagne».

Celebrava-se o casamento e, passadas poucas semanas, malograva-se a tentativa de deserção, frustrados os respeitaveis propositos pela atracção que os «Patos» exerciam nos seus frequentadores, reaparecendo o filho prodigo para novas noites de alegria, então toldadas pelo espetro da infidelidade.
E, por tudo isto, eram fatidicas em todos os lares domesticos as cinco letras, odiadas pelas esposas e temidas pelas maes receosas dos seus perigos, afinal, menos graves do que elas supunham.
E a verdade é que, durante muitos anos, foi necessario o consentimento de parentes autorisados para que os rapazes entrassem no Club, e, quando tal acontecia era o acontecimento interpretado pelos familiares frequentadores como indicação do tempo, significando-lhes que uma nova géraçao se preparava para os substituir. E a renovação foi-se dando, pouco a pouco.
Por este criterio de necessaria autorização de parentes dos menores candidatos á frequencia do Club, aconteceu o caso bem conhecido dum «sobrinho» que ainda hoje passa por sê-lo dum «tio ... con tôa la barba».
«Aprés la guerre» mudaram os aspectos das coisas e os «Patos» não resistiram á mudança. Ampliou-se o criterio de selecção e jovens de todas as idades puderam passar a dizer esta frase, outróra privativa de raros apenas:
- Passei a noite nos «Patos»!
Os «maiores», irritados por vezes, marcavam ainda a sua qualidade por gestos irrequietos que chegavam a atingir ares de batalhas campais.
Mas «le monde marche» e os «Patos» nao podiam resistir ao paralelo com os grandes «dancing's» modernos, amplos como o não podia ser a «boite» do Largo do Picadeiro.
E ámanhã lá vão a leiloar, que o mesmo é que «a enterrar», os tristes despojos dum Club que marcou uma época, mais alegre e mais franca que esta em que vivemos, os sobreviventes daquela.»


5 de Maio de 1928

Quanto ao recheio a leiloar, no mesmo artigo podia-se ler:

«A simples leitura dos artigos a leiloar basta como motivo de nostalgicas recordações para os que um dia frequentaram as salas dos «Patos»: - um auto-piano e um «jazz-band», marcando duas idades musicais na diversão coreografica do «Club»; scenarios de Jorge Barradas e muitos artigos para festas de Carnaval e Santos populares, evocando festas inolvidaveis em que dos «dominós» se passava aos mangericos, das noites frias de inverno aos calores do verão; e, finalmente, a nota bizarra da «cabine acolchoada para telefone», a cabine de onde partiram tantas chamadas misteriosas, tantas justificações de maridos que se diziam em «assembleias gerais», tantas coisas, tantas ...»

Os fadistas Estanislau Cardoso, Fortunato Coimbra, Maurício Gomes, e Julio Duarte, fadista e irmão de Alfredo Duarte "Marceneiro", cantaram no "Club dos Patos". Este último, também cantou nas cervejarias "Boémia" (antiga "Jansen"), "Rosa Branca", "Chagas", "Vitória", cafés "Portugal", "Sul América", "Anjos", "Júlio das Farturas" (no "Parque Mayer"), "Solar da Alegria" (quando da gerência de Alberto Costa), "Salão Artistico de Fados", nos cabarets "Alhambra", "Olimpia Club", no "Clube Tauromáquico, e " Club Montanha".

E, agora, falando de jogo no "Club dos Patos" ... Em 11 de Outubro de 1925, no "Domingo Ilustrado" ...

«E o Marquez perdeu hontem nos «Patos» dezoito contos!» e ... 

«Parece haver qualquer relação entre a batota e a fidalguia.
Todos os clubs de Lisboa estão instalados em casas de nobre, os mais acerrimos jogadores teem nome de costela ilustre e quasi todos os empregados das casas de jogo, são fidagos ! »


30 de Junho de 1920

Outro facto interessante é a acusação de dados viciados no "Club dos Patos" veiculadas na imprensa, Aqui fica o exemplo de "O Riso d'A Vitoria", de 30 de Janeiro de 1920:

«Num club de Lisboa, cujo nome entra na família dos palmípedes aquáticos e é sinónimo de velho palerma, deu-se há dias um caso muito engraçado. Foi o dito que por um desastre não previsto no programa, quando um ilustre banqueiro da banca francesa deitava os dados, um destes, com certeza um “amarelo” entre a classe, abriu-se e uma gota de mercúrio branca e linda como a Lágrima do sr. Guerra Junqueiro, veio mostrar aos indígenas que havia grande marosca naquela indústria, e que o club tanto podia estar em Lisboa, como no Pinhal da Azambuja.
Grande alarido, os pontos buscam um pouco de indignação ao fundo das algibeiras e vá de procurar os mais dados da casa e de os partir. Pois senhores!
Quinze jogos completos estavam endrominados e postos à bica para o primeiro endinheirado que aparecesse.
Afirmaram alguns dos directores do Club que como tinham mandado fazer uma análise aos dados e esta tinha dado positiva, fora lembrança dar-lhes aquelas injecções de mercúrio por conselho do médico!
O caso porêm, mais engraçado é que o dito Club continua aberto e que até lá vao ministros!
E matou a justiça o Diogo Alves o José do Telhado e o João Brandão! Esses coitados, à vista do presente, não passavam de uns inocentes ... patos ...»

Não por esta razão, mas por outra que veremos de seguida, em 19 de Fevereiro de 1926 ... lá se foi o proprietário Mazzolini Ercole ...


Na revista "Diário Ilustrado" de 28 de Fevereiro de 1926

«O caso do dia foi a morte do italiano Ercole Massalinni, ocorrida ontem á noite, em circunstancias misteriosas.
Como se sabe, a policia, logo que teve conhecimento do caso, prendeu as 47 pessoas que se encontravam no «club» - e entre elas cinco «papillons» e a caixa do «restaurant», sobrinha do morto.
Conduzidos todos ao Governo Civil, foram encerrados nos calaboiços e nos quartos particulares.
Como, porém, poucos momentos depois, se tivesse apresentado á policia o sr. Francisco Ramalho, declarando que a morte se dera em consequencia duma scena violenta com ele, o sr. dr. Teixeira Direito, adjunto do director da Policia de Investigacao Criminal, mandou - e muito bem - que todos, a excepção de três, fossem restituidos á liberdade.
A' saida, houve scenas comoventes. As «papillons», uma a uma, fugiam, estonteadas, gritando:
- Que horror! Que horror!
Nao admira. Se era a primeira vez que viam as grades dum calabouço - do lado de dentro !... (...)

Ercole Massalinni, ha muito que vinha perdendo nos negocios. Isto pô lo de mau humor.
Depois, um socio fugiu-lhe com alguns milhares de francos. E, para cumulo do azar, havia contra ele um mandado de captura, por causa duma falsificação de «champagne».
Massalinni começou a andar irritado. E essa irritação cresceu depois do Carnaval, manfestando-se constantemente.
Ontem á noite, Ercole, provavelmente no intuito de armar qualquer conflito, ordenou que o sexteto, que sempre tocara no segundo andar do club, viesse fazê lo para o bar,
instalado no primeiro andar.
O regente protestou e foi contar o caso a Francisco Ramalho, dizendo-lhe que não tocaria no bar.
Francisco Ramalho subiu ao andar superior, e, num corredor, a poucos passos da sala, censurou o italiano:
- Os musicos teem que tocar aqui. Nem que eu tenha que pagar. Você o que è é um malandro !...
Ercole Massalini puxou por um pistola. Ramalho que é forte segurou-lhe os braços. Houve luta. Partiu um tiro e Ramalho, ao vêr o italiano ferido, fugiu desvairado.
Esta é a explicacão que Francisco Ramalho da e que as testemunhas confirmam.». in: "Diario de Lisbôa" de 20 de Fevereiro de 1926.

De referir que Ercole Massalinni tinha sido gerente do "Cafe Suisso" no Largo Camões (actual Praça Dom João da Câmara), a partir de 1925.

Com clientela mais ou menos sofisticada, jogava-se em quase todos os clubes de Lisboa. Os menos bem frequentados, de acordo com as fontes consultadas, seriam o "Ritz Club" e o "Club dos Patos", e os mais elitistas, como o "Maxim's" ou o "Majestic Club" futuro "Monumental Club" a partir de 1923, geravam receitas mais avultadas.

Anúncios em 29 de Fevereiro de 1920, no "ABC a Rir"

O ambiente nas salas de jogo dos clubes noturnos contrastava com o da zona do divertimento. Salas de luz pálida onde o silêncio reinava por contraste à área de dança onde o barulho ensurdecedor da jazz-band animava as frenéticas coreografias do charleston e foxtrot, alimentadas pelas luzes elétricas coloridas. Por outro lado, os jogadores eram também dos primeiros clientes a chegar e os últimos a abandonar os clubes noturnos.



Mas em 13 de Janeiro de 1921 ...

E cinco anos mais tarde, com a queda de I República de 1910 e a implantação do Governo da Ditadura Militar a partir de 28 de Maio de 1926, mais conservador e de princípios morais mais vincados, é promulgado o Decreto n.º 14643, de 3 de Dezembro de 1927., que  regulamenta os «Jogos de fortuna ou azar, forma, lugares e época da sua exploração», donde retirei o Artigo 2º:

«Art. 2.° Nas zonas estabelecidas no artigo 3.° e nos termos do presente decreto são permitidos casinos de jogo, nos quais poderão funcionar apenas os jogos de fortuna ou azar seguintes:

Roleta com trinta e seis números e um zero.
Banca francesa com dados transparentes.
Trinta e quarenta.
Bacara bancado.
Petits ehevaur e suas variedades.
Bacara chemin de fer.
Écarté. »


15 de Janeiro de 1920

Em consequência, e até 1928 (inclusivé) encerrariam o "Club dos Patos", "Monumental Club", "Bristol Club", "Avenida Palace Club", e "Club Montanha". Em 1929 encerra o "Ritz Club", mantendo-se em funcionamento o "Maxim’s" até 1939 - o leilão do seu recheio realizou-se em 21 de Junho de 1940. O "Olímpia Club", na Rua dos Condes,  possivelmente pela reputação que havia conquistado e de acordo com as licenças de jogo emitidas em Lisboa, em 1929 ainda mantinha atividade de casino. Como club nocturno funcionou até ao Carnaval de 1959.

Actualmente no edifício onde funcionou o "Club dos Patos" estão instalados o "Centro Nacional de Cultura", fundado em 13 de Maio de 1945, e o restaurante "Café no Chiado".


E para terminar num ambiente mais musical ...


Esta diva Adelina Patti já foi referida no artigo "João da Matta - Cozinheiro e Hoteleiro", neste blog.

fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa,Arquivo Municipal de Lisboa, Casa Comum, Biblioteca Nacional Digital

19 de outubro de 2025

Hotel Eborense

O "Hotel Eborense" remonta a 1882, altura em que Aurelio Jose Lopes instalou no "Solar de Monfalim", localizado no Largo da Misericordia, 1, em Évora um hotel de seu nome "Eborense".  Tornar-se-ia numa das mais antigas unidades hoteleiras desta cidade. Nesse ano existiam outras sete e que publico de seguida a lista disponibilizada no "Anuario del comercio, de la industria, de la magistratura y de la administración" de 1882.


1882

O "Solar de Monfalin" tem origem numa antiga residência senhorial, construída  em meados do século XVI e que pertenceu a um fidalgo da casa real, D. Gonçalo de Sousa, que mais tarde passou para a família dos Cogominhos, que tinham paço na actual freguesia de Torre dos Coelheiros, a cerca de 12 quilómetros da cidade. Com o extinção desta família, foram os Monfalins, seus descendentes, que ficaram na posse do solar. Habitaram-no até à segunda metade do século XIX, altura em que, por dificuldades financeiras, decidiram vendê-lo, tendo sido transformado em hospedaria/hotel pelo seu primeiro proprietário Aurelio Jose Lopes.

Em 1896, já como "Hotel Eborense" pertencia ao comerciante local Jose Augusto Annes. Apresentava-se «como o melhor da província do Alentejo, com estabelecimento de banhos, sala de visitas e bons aposentos para famílias». E realmente era! ...

Foi este que no início do século XX viria a instalar, na rua contígua ao Largo da Misericórdia, num barracão anexo ao seu hotel o primeiro animatografo de Évora, o "Salão Central Eborense" inaugurado em 23 de Setembro de 1916, e cuja história pode ser consultada neste blog no seguinte link: "Salão Central Eborense".

"Salão Central Eborense" em 1933

"Salão Central Eborense", em 1945


1887


1888


30 de Julho de 1896


Outra actividade comercial de Jose Augusto Annes em anuncio de 29 de Outubro de 1896

O "Solar de Monfalim" foi depois adquirido por um negociante, de nome Luis Gonzalez, que o herdou, entre muitos outros bens, do casamento estéril de sua tia, uma espanhola refugiada da Guerra Civil, com o abastado proprietário eborense António Paquete, praticamente dono de quase toda a Rua de Valdevinos. Mas a sua exploração turística manteve-se sempre concessionada a outros. (*)

1915

E no ano de 1915, publicidade a um concorrente .,. "Hotel Chiado" fundado por Antonia Tomásia Correia e que em 1909 tinha passado para a propriedade de Manoel Duarte d’Almeida.


1915

Mas num pequeno comentário a este hotel no livro "A Wayfarer in Portugal" de Marden, Philip Sanford, (1874-1963) de 1927 ...

«Acabámos por ser largados na única pequena estalagem local, que se autodenomina, de forma clássica, o Eborense. (...)
Por exemplo, os portais do Hotel Eborense. Se essa modesta estalagem estivesse à altura da sua antiga escadaria de entrada, que conduz através de uma arcada exterior e por entre um caramanchão de verdura, seria quase o melhor hotel do mundo. Mas não está; e embora fosse injusto chamar ao Eborense o "Pior do Mundo", deixa tanto a desejar que não se pode elogiar muitas coisas para além deste imponente vestíbulo. Revelou-se limpa - o requisito essencial numa terra onde nem todos os quartos são imaculados - mas no que toca à comida, estava longe do ideal. Espera-se alguma rusticidade nas terras altas portuguesas, onde os turistas são poucos, mas um proprietário com imaginação e verdadeiro conhecimento do mundo poderia facilmente transformar os encantos do Eborense numa atracção irresistível para os viajantes do seu tempo, e Évora seria mais procurada do que é. Quase que gostaria de tentar eu próprio.»
(tradução do texto original).

Em 1929, já o "Hotel Eborense" era gerido de João Guerra, que promoveu a profundas obras de remodelação, vindo de encontro ao comentário anterior .... A propósito o "Album Alentejano" de 1931 num pequeno apontamento acerca desta unidade hoteleira referia:

«E o mais antigo hotel de Evora, é o Eborense. Durante muitos anos porém, êste hotel não correspondia as exigencias dos forasteiros. Para se poder aguentar necessitava de uma reforma radical de forma a que o hospede se sentisse bem, com comodidades, apreciando uma cosinha esmerada.
De facto, o Hotel Eborense sofreu uma grande transformacao. Tomou a gerência dêsse hotel um homem muito conhecido por todos os individuos que viajam no Alentejo. É João Guerra, o antigo arrendatário dos restaurantes das estações e carruagens dos rápidos para o Algarve; é o conhecido hoteleiro da Praia da Rocha e das Caldas de Monchique.
A casa de jantar foi ampliada; os quartos mobilados com um certo luxo e muito conforto, e, no que diz respeito a cosinha, devemos informar que é esmeradissima, motivo porque tem, permanentemente, um servico de restaurante muito concorrido.
Sim, Evora, presentemente, já pode receber os forasteiros mais exigentes porque ja tem dois bons hoteis, e um é, sem receio de contestação o afirmamos, o Hotel Eborense, dirigido, como fica dito, por um homem prático, o sr. João Guerra, que, não sendo alentejano, está, com o seu esforco, prestando um grande serviço à capital do Alentejo.
O Album Alentejano não se esquecera de mencionar todos os valores que, não sendo nascidos no Alentejo, ao Alentejo prestam serviços.
E o sr. João Guerra, gerente do Eborense, esta nêsses casos.»


15 de Junho de 1929




1931

Em 1939, o "Hotel Eborense" já aparecia referido como Pensão-Restaurante "O Eborense", no Guia de "Hoteis e Pensões de Portugal" de 1939 ... «esplêndida casa de jantar com linda vista. Ótimos quartos. Serviço permanente de restaurante. - Gerência de João Guerra.»

Quartos:  24
Pequen-Almoço:  2$50
Almoço:  10$00
Jantar:  12$00
Diária:  entre 22$00 e 30$00

Nesse mesmo ano e no mesmo Guia apareciam mencionados os seguintes equipamento hoteleiros em Évora:

- "Hotel Alentejano", instalado no antigo Palácio da Inquisição e com 39 quartos. «O mais confortável e higiénico de toda a província».
- Pensão-Restaurante "Carolina",
na Rua Serpa Pinto, 74. Propriedade de António dos Santos Manços.
- "Casa de Hópedes Jacinto", na Rua da República, 46. Propriedade de Jacinto dos Reis Tecelão.
- "Estalagem 1º de Maio".


1942

Em 1949 o "S.N.I. - Secretariado Nacional de informação", criado em 1933, promoveu o "Primeiro Concurso da Cozinha Regional". «Nele se inscreveram bastantes concorrentes, de diversos pontos do país, com as suas ementas "à portuguesa", nas quais os melhores petiscos da região profusamente representados.» E a Pensão-Restaurante "O Eborense" concorreu em representação de Évora, conforme recorte seguinte.

Em 1956 a Pensão "O Eborense" já tinha uma filial na cidade a "Pensão Alentejo".

30 de Maio de 1956




Fotos e etiqueta de bagagem dos anos 50 do séc. XX


No Guia Turístico "Fodor's Portugal" de 1982


No Guia Turístico "Cardogan Guides - Portugal" de 1990

Com o passar dos tempos o velho solar entrou em decadência e degradação, até que, em meados da década de 90 do século XX, a empresária do ramo de hotelaria e restauração Ana Ramalho Serrabulho decidiu tomar conta dele e recuperá-lo, devolvendo-lhe o encanto e a graciosidade perdidas, tendo sido reclassificado como albergaria. (*)

Actualmente funciona o "Hotel Solar de Monfalim", classificado com 2 estrelas.

«Passa-se do rés-do-chão ao primeiro andar subindo uma dupla escadaria de granito ladeada por muitos vasos com plantas de médio porte. A maioria dos quartos possui janelas de sacada que dão para um pátio interior. Todos possuem ar condicionado, casa de banho privativa, televisão, telefone directo, mini-bar, wifi e cofre.» (*)







(*) -  blog "Viver Évora"   

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Delcampe.net, Biblioteca Nacional DigitalArquivo Minicipal da Câmara Municipal de Évora