O "Cine Pátria" foi fundado na, então, Rua Direita do Grilo, 46 no Bairro do Beato, em Lisboa, no ano de 1917 por José Perdigão, funcionário da "Companhia Cinematographica de Portugal" (fundada em 17 de Dezembro de 1912), ainda como "Animatographo do Beato", e anunciava-se como «o mais distinto cinema, proporcionando rendez-vous elegantes».
Instalou-se na muralha do "Palácio dos Duques de Lafões", - cuja construção foi iniciada em 1777 por iniciativa de D. João Carlos de Bragança, 2º Duque de Lafões, co-fundador da "Academia das Ciências" - numa época em que este bairro era densamente povoado, para o mesmo espaço no qual se chegou a projectar um edifício que devia integrar cinema e habitação. Norberto de Araújo, em 1937, escrevia: «(...) a seguir vê-se a muralha sobre a qual assentavam os jardins, (do Palácio) e foi essa muralha escavada há cerca de trinta anos, e nela se construíram estabelecimentos que antecederam o Animatografo popular.»
Já em 1908 tinha existido na Rua Direita do Grilo (actual Rua do Grilo), no número 98, um animatógrafo de seu nome "Salon Biographe" pertencente a Carlos Joaquim Maria dos Santos. Esta sala teve uma existência muito curta. E para comprovar ...
Acerca dos animatógrafos/cinemas de bairro nas primeiras décadas do século XX, vou de seguida expor algumas considerações.
A difusão do animatógrafo levou ao aparecimento dos cinemas de bairro, correspondentes, de certa maneira, aos antigos teatrinhos particulares e às salas dos clubes recreativos locais. Os primeiros surgiram logo em 1907, em Alfama, na Estrela, em Alcântara, na Mouraria, em Santos, no Rato, no Intendente, na Madragoa, na Ajuda, etc. O movimento prosseguiu ao longo dos anos, podendo considerar-se de bairro 56% dos cinemas existentes na capital em 1930. Tal como o seu congénere teatral, o cinema de bairro era geralmente mais pequeno do que o grande cinema do centro da cidade e limitava-se a reprises. Visava sobretudo um público pequeno burguês e operário.
Quanto a animatógrafos de bairro em 1932, o panorama era o seguinte: na Mouraria - "Salão Lisboa"; nas Avenidas Novas - "Trianon Palace"; no Alto do Pina - "Max Cine"; na Penha de França - "Cine Oriente"; na Graça - "Royal Cine", "Salão Recreio" e "Gil Vicente"; no Beato e em Marvila - "Cine Pátria" e "Palais Cinema"; em Campolide - "Cine Tortoise"; em Campo de Ourique - "Paris" e "Europa Cinema"; na Ajuda - "Portugal"; em Alcântara - "Eden Cinema" e "Promotora"; em Belém - "Belém Cinema"; no Bairro da Bélgica (ao Rego) - "Cine Bélgica"; na Praça do Chile - "Pathé Cinema"; no Rato - "Teatro Joaquim de Almeida". À excepção das salas "Salão Recreio", "Palais Cinema" e "Gil Vicente" as histórias de todos estas salas de espectáculos podem ser consultadas neste blog.
Voltando ao "Cine Pátria", em 1928, este é adquirido por José Manuel Ginja que o venderia em 1931 depois à firma "Mendonça & Soares", e da qual era sócio maioritário Baldomero Gonçalves Charneca. Nos anos seguintes foram promovidas significativas melhorias na sala e na fachada, tendo nessa altura o cinema capacidade para acomodar quatrocentos e quarenta e sete espectadores.
Em finais da década de 40 e 50 do século XX a lotação deste «cinema de bairro» era de 490 lugares, que esgotava principalmente nas tardes de Domingo. Os arrumadores colocavam uns bancos corridos na frente da primeira fila, para satisfazer mais uns quantos clientes. Em outras ocasiões o cinema encontrava-se esgotado, só restavam aquelas cadeiras que apanhavam as colunas da sala. A sala era composta de uma plateia, ligeiramente inclinada, acontece que motivado à pouca altura e à falta de adequada ventilação, durante os meses quentes de verão, com a casa lotada, os espectadores sofriam com o calor ali produzido. Devido ao facto da sala não ter altura adequada, a cabina de projecção situava-se abaixo do nível normal, pelo que, com a sessão já iniciada, os retardatários eram obrigados a curvar-se para evitar que a sua sombra fosse projectada no ecrã.
Bilhete para 1 de Junho de 1954
Em 1948 Baldomero Charneca funda a empresa "Edecine - Empresa de Cinemas, Lda.", tendo como sócios Baldomero Gonçalves Charneca e sua mulher Isaura da Luz Mendonça Charneca, e cuja actividade cinematográfica se prolongou até 1985 tendo atingido as 18 salas, em território nacional (Moscavide, Forte da Casa, Alenquer, Mafra, Azambuja, etc ...). Assume, em 1950, a gerência desta sala de cinema, função que viria a exercer nas três décadas seguintes.
Foi, igualmente, proprietário do "Cinema Popular", na Rua Direita de Marvila, no bairro de Marvila e que abriu as suas portas em 1935 no lugar do extinto "Palais Cinema" de 1929 e propriedade de José Rodrigues Thomaz. Este já com plateia e primeiro balcão, num total de 432 lugares e um pequeno bar. Eram exibidos dois filmes por sessão com desenhos animados no intervalo.
Depois de encerrado em definitivo, nos finais da década de 80 do século XX e posterormente demolido, foi construído no seu lugar o quartel provisório da "Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Beato e Penha de França", inaugurado em 23 de Novembro de 2024.
Entretanto, em 1968, o "Cine Pátria" encerraria as suas portas temporáriamente, para voltar a abri-las no início da década de 70 do século XX, após terem sido ectuadas obras de recuperação e de remodelação. Nesta altura, eram projectados filmes indianos e de cowboys, sendo que na última sessão eram exibidos filmes pornográficos ...
"Cine Pátria" em foto de 1974 (in: "Vamos ao Nimas" de Lauro António)
Com a D. Isaura da Luz Mendonça Charneca - «A esposa do Sr. Charneca era efectivamente uma brasa, para dar forma a tanta beleza o marido abriu-lhe uma casa de roupa de senhora em frente ao Cinema, e as peças mais exibidas nas montras eram lingerie» - e seu marido como proprietários e gerentes, o "Cine Pátria" viria a encerrar em definitivo no final da década de 80 do séc. XX. Depois de restaurado, passou a funcionar como igreja de uma confissão religiosa que não católica, por alguns anos. Actualmente as suas instalações encontram-se devolutas.
Foto de Agosto de 2024, via "Google Maps"
Bibliografia:
blog "Ruas de Lisboa com Alguma História"
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Ruas de Lisboa com Alguma História, Cinemas do Paraíso
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