O "Club dos Patos" abriu as suas portas pela primeira vez, no Largo do Picadeiro, 10 , em Lisboa, antes da I Guerra Mundial (1914-1918), provavelmente por volta de 1913, bem perto do "Teatro Nacional de S. Carlos". Outro club, o "Maxim's" abriu como "Club dos Restauradores" antes da I Guerra Mundial , mais concretamente em 1908. Ambos abriram como casinos, diversificando gradualmente os seus serviços de modo a conquistar mais público e de certa forma a camuflar a sua actividade original, embora esta se mantivesse.
Apesar da concentração de clubs na Rua Eugénio dos Santos, actual Rua das Portas de Santo Antão, Praça dos Restauradores e Rua da Glória, locais de outros estabelecimentos comerciais, espaços de diversão, teatros, cinemas, cafés e restaurantes aí existentes, acentuando o seu carácter de zona dedicada ao lazer e à filosofia de vida para aí promovida, o caso relativamente isolado do "Club dos Patos", na zona do Chiado tem no entanto uma justificação funcional, uma vez que se situava na convergência de vários equipamentos culturais, como os teatros, ópera, restaurantes, cafés, pastelarias, e comércio elegante. Historicamente, era também nas proximidades deste club que se situavam as assembleias e clubes dedicados a práticas de sociabilidade mundana públicas ou semi-públicas - "Turf- Club", "Grémio Literário", "Club Tauromaquico" - para as classes mais altas que se impuseram ao longo do século XIX.
A seguir transcrevo parte de um artigo publicado no "Diario de Lisbôa" de 5 de Maio de 1928, aquando do encerramento do "Club dos Patos" e respectivo leilão do seu recheio, que ilustra bem o ambiente desta casa de jogo, dança e espectáculo:
«Inicialmente, foi apenas uma «tertulia» intima e amavel, «garconniére» de rapazes de «meia idade» que acenavam ás «demi-mondaines» com as prometidas generosidades que o titulo de «Patos» deixava antever, como bom chamariz.
Depois foi-se alargando a frequencia, sempre elegante e escolhida, e a presença agradavel de espiritos fulgurantes veiu aumentar o interesse das noites dos «Patos» - a eloquencia exaltada dum orador de génio, as «blagues» bizarras dum artista do lapis ...
Depressa se introduziu o veneno do jogo no que, inicialmente, fôra apenas Jogo da Rosa, torneio de alegria e desenfadado amõr. E os «Patos» passaram a sê-lo no pano verde, tomando o Club um novo aspecto de «cabaret», sempre intimo mas ja com caracteristicas semelhantes a do parisiense «Rat-Mortn, e destacando-se dos seus similares lisboetas, encerrados ainda em bacanais secretas e escondidas no anonimato das ultimas letras do alfabeto.
Pelo «Largo do Picadeiro» desfilaram então as mais lindas bailarinas de S. Carlos e as mais graciosas «tiples» da zarzuela do D. Amelia, os teatros visinhos que permitiam as suas contratadas saltarem do palco para o «Patos», «vivinhas a saltar», muitas vezes com os fatos de scena.
Lá começaram os passos ainda indecisos das suas carreiras artisticas de tanta fama como Tereza Espana, Isabelita Ruiz e Rosita Rodrigo, preparando-se igualmente para a consagração publica, com o prestigio do exito no «cercle», cantadoras tão populares como as desventuradas Julia Mendes e Maria Vitoria, Filomena Lima, actual «estrela» de revista, e Maria Rapaz, a melhor «fadista» de hoje.
Na «jeunesse dorée», frequentadora dos «Patos» surgiam, por vezes, tentativas de deserção pela porta do matrimonio. E era fatal a ceia de despedida, com protestos de definitiva retirada, nostalgicos adeus, rupturas tragicas, lagrimas de dor ... e de «champagne».
E, por tudo isto, eram fatidicas em todos os lares domesticos as cinco letras, odiadas pelas esposas e temidas pelas maes receosas dos seus perigos, afinal, menos graves do que elas supunham.
Por este criterio de necessaria autorização de parentes dos menores candidatos á frequencia do Club, aconteceu o caso bem conhecido dum «sobrinho» que ainda hoje passa por sê-lo dum «tio ... con tôa la barba».
«Aprés la guerre» mudaram os aspectos das coisas e os «Patos» não resistiram á mudança. Ampliou-se o criterio de selecção e jovens de todas as idades puderam passar a dizer esta frase, outróra privativa de raros apenas:
Mas «le monde marche» e os «Patos» nao podiam resistir ao paralelo com os grandes «dancing's» modernos, amplos como o não podia ser a «boite» do Largo do Picadeiro.
E ámanhã lá vão a leiloar, que o mesmo é que «a enterrar», os tristes despojos dum Club que marcou uma época, mais alegre e mais franca que esta em que vivemos, os sobreviventes daquela.»
Quanto ao recheio a leiloar, no mesmo artigo podia-se ler:
«A simples leitura dos artigos a leiloar basta como motivo de nostalgicas recordações para os que um dia frequentaram as salas dos «Patos»: - um auto-piano e um «jazz-band», marcando duas idades musicais na diversão coreografica do «Club»; scenarios de Jorge Barradas e muitos artigos para festas de Carnaval e Santos populares, evocando festas inolvidaveis em que dos «dominós» se passava aos mangericos, das noites frias de inverno aos calores do verão; e, finalmente, a nota bizarra da «cabine acolchoada para telefone», a cabine de onde partiram tantas chamadas misteriosas, tantas justificações de maridos que se diziam em «assembleias gerais», tantas coisas, tantas ...»
Os fadistas Estanislau Cardoso, Fortunato Coimbra, Maurício Gomes, e Julio Duarte, fadista e irmão de Alfredo Duarte "Marceneiro", cantaram no "Club dos Patos". Este último, também cantou nas cervejarias "Boémia" (antiga "Jansen"), "Rosa Branca", "Chagas", "Vitória", cafés "Portugal", "Sul América", "Anjos", "Júlio das Farturas" (no "Parque Mayer"), "Solar da Alegria" (quando da gerência de Alberto Costa), "Salão Artistico de Fados", nos cabarets "Alhambra", "Olimpia Club", no "Clube Tauromáquico, e " Club Montanha".
E, agora, falando de jogo no "Club dos Patos" ... Em 11 de Outubro de 1925, no "Domingo Ilustrado" ...
«E o Marquez perdeu hontem nos «Patos» dezoito contos!» e ...
Todos os clubs de Lisboa estão instalados em casas de nobre, os mais acerrimos jogadores teem nome de costela ilustre e quasi todos os empregados das casas de jogo, são fidagos ! »
Outro facto interessante é a acusação de dados viciados no "Club dos Patos" veiculadas na imprensa, Aqui fica o exemplo de "O Riso d'A Vitoria", de 30 de Janeiro de 1920:
Com clientela mais ou menos sofisticada, jogava-se em quase todos os clubes de Lisboa. Os menos bem frequentados, de acordo com as fontes consultadas, seriam o "Ritz Club" e o "Club dos Patos", e os mais elitistas, como o "Maxim's" ou o "Majestic Club" futuro "Monumental Club" a partir de 1923, geravam receitas mais avultadas.
Anúncios em 29 de Fevereiro de 1920, no "ABC a Rir"
O ambiente nas salas de jogo dos clubes noturnos contrastava com o da zona do divertimento. Salas de luz pálida onde o silêncio reinava por contraste à área de dança onde o barulho ensurdecedor da jazz-band animava as frenéticas coreografias do charleston e foxtrot, alimentadas pelas luzes elétricas coloridas. Por outro lado, os jogadores eram também dos primeiros clientes a chegar e os últimos a abandonar os clubes noturnos.
E cinco anos mais tarde, com a queda de I República de 1910 e a implantação do Governo da Ditadura Militar a partir de 28 de Maio de 1926, mais conservador e de princípios morais mais vincados, é promulgado o Decreto n.º 14643, de 3 de Dezembro de 1927., que regulamenta os «Jogos de fortuna ou azar, forma, lugares e época da sua exploração», donde retirei o Artigo 2º:
«Art. 2.° Nas zonas estabelecidas no artigo 3.° e nos termos do presente decreto são permitidos casinos de jogo, nos quais poderão funcionar apenas os jogos de fortuna ou azar seguintes:
Banca francesa com dados transparentes.
Trinta e quarenta.
Bacara bancado.
Petits ehevaur e suas variedades.
Bacara chemin de fer.
Écarté. »
Em consequência, e até 1928 (inclusivé) encerrariam o "Club dos Patos", "Monumental Club", "Bristol Club", "Avenida Palace Club", e "Club Montanha". Em 1929 encerra o "Ritz Club", mantendo-se em funcionamento o "Maxim’s" até 1939 - o leilão do seu recheio realizou-se em 21 de Junho de 1940. O "Olímpia Club", na Rua dos Condes, possivelmente pela reputação que havia conquistado e de acordo com as licenças de jogo emitidas em Lisboa, em 1929 ainda mantinha atividade de casino. Como club nocturno funcionou até ao Carnaval de 1959.
Actualmente no edifício onde funcionou o "Club dos Patos" estão instalados o "Centro Nacional de Cultura", fundado em 13 de Maio de 1945, e o restaurante "Café no Chiado".
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa,, Arquivo Municipal de Lisboa, Casa Comum, Biblioteca Nacional Digital
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