Restos de Colecção: "Grande Café Nacional"

28 de outubro de 2025

"Grande Café Nacional"

O "Grande Café Nacional" foi inaugurado em 9 de Junho de 1924, na Rua 1º de Dezembro, 55 a 65, esquina com a Calçada do Carmo, em Lisboa. Propriedade da firma "Sociedade de Cafés 1º de Dezembro, Lda.", foi projectado pelo arquitecto Deolindo Leite Pereira Vieira (1877-1965), com as obras a cargo do mestre de construção civil António de Carvalho.


No espaço que este café veio ocupar, portas 55 a 65, tinha funcionado desde 1901 o estabelecimento de «pharmaceuticos droguistas» da firma "José Feliciano Alves de Azevedo & C.ª". 

1909


Loja da "José Feliciano Alves de Azevedo & C.ª" à direita na foto

Entretanto em Março de 1919, abre no nº 59 ao "Club Internacional". Propriedade de José Móra, era um club elegante, com a sala decorada ao estilo japonês, «enfim uma maravilha de bom gosto; um conto de fadas.»

«Soavam, duas horas quando se deu principlo á segunda parte do delicioso programma e que se compunha de variedades, entre os quaes é de justiça destacar a gentil e formosa baillarina Rozario Marcellino nos seus caracleristicos bailes flamengos. Já o sol ia alto e os vtolinos ganiam os ullmos accordes n'uma estonteante valsa quando terminou esta memonavel festa, depois d'uma ceia deliciosa, onde não faltavam tal allegria e enthusiasmo, tendo-se trocado ao «toast» affectuosos brindes, onde ficou.bem patente que a par de toda a animação hayja taiem um cunho inaudivel de sinceridade e amizade para com a maioria dos convidados.


1 de Abril de 1919

A Direcção d'este confortavel o elegante Club que não se cança em prorporcionar aos seus inumeros associados, tudo que é bello, decerto não se fará esperar muito em prorporcionar a todos os seus socios a amigos uma nova festa, para assim termos onde passar umas horas de prazer e alegria que nos façam esquecer os aborrecimentos da vida real.».

Este club viria a encerrar em 1922, altura em que é adquirido em conjunto com as lojas contiguas entre as portas 55 e 65, para aí se instalar o "Grande Café Nacional".

No dia da inauguração do "Grande Café Nacional" o jornal "Diario de Lisbôa" relatava:

«O maior café de Portugal

As pessoas que estão acostumadas a frequentar os grandes centros do estrangeiro olharam hoje como um acontecimento de caracter sensacional em cosmopolitismo, a inauguração do Grande Café Nacional, na rua 1.° de Dezembro.
Fica, de facto, sendo o grandioso estabelecimento um ponto de passagem agradavel para os frequentadores estrangeiros de Lisboa - que noutra casa lisboeta não encontraríam as condições, de grandeza, de bizarria e de alacridade tão gratas a quem esta habituado ao convivio dos grandes cafés no estrangeiro.
O Grande Café Nacional, que tem uma formosa, viva e harmoniosa decoração em motivos luzitanos dispõe de uma grande cave «Bar», onde os provadores de cerveja se refugierão, defendidos de todo o calor. Um serviço de Restaurant e um «tea-concert» são dirigidos ali por pessoas competentíssimas, que têm ás suas ordens pessoal habilitado e delicadissimo. Nao podem ser melhores os recursos de exito deste empreendimento que veiu honrar a vida de comunicação na grande arteria de Lisboa.»

Igualmente o jornal "A Capital", noticiava o acontecimento:

«Uma Esplendida Instalação de "café"

E' o que se observa na rua 1.° de Dezembro, 55 a 65, onde hoje se inaugurou o Grande Café Nacional. Na visita que lhe fizemos ontem, ficámos deslumbrados com o lançamento grandioso das linhas das portas e do enorme pé direito, invulgares nas construções na nossa Baixa e admirámos a inteligencia com que os construtores procuraram obter, por tolas as fórmas, e luz maxima. Com esta grandeza e esta luz resultantes de um projecto magnifico é que o novo estabelecimento é uma esplendida instalação de calé - sem se adulterar o adjectivo «esplendido», como soe fazer-se para aí.»


Arquitecto Deolindo Leite Pereira Vieira (1877-1965)

Quanto à sua decoração interior ...

«Toda a modulação decorativa - motivada em cardos e em folhas de carvalho - tem uma patine bronzeada e a estrutura geral do tecto, continente dessa decoração, é sustida por dois pilares e mísulas que ostentam escudos das principais cidades portuguesas. Os fundos das paredes são revestidos por painéis de azulejo, emoldurados nos referidos arcos envolvidos e encimados por "cartouches" decoradas com esferas armilares - insígnias dos estilos nacionais. Esses painéis, a azul e branco, devem-se à arte de Jorge Colaço e são em número de oito, representando Trás-os-Montes, por um pelourinho dos mais nobremente antigos; o Minho pelo castelo de Guimarães; o Douro, por um trecho do rio sob a ponte D. Maria Pia; a Beira Alta, pelo parque do Fontelo; a Beira Baixa por um pedaço da grande lagoa da Serra da Estrela; a Estremadura, por um fundo azul do Tejo em que se ergue a Torre de Belém; o Alentejo, pelo templo de Diana e o Algarve pelo promontório de Sagres.
A parte inferior das paredes é forrada por um lambri de mármore brunido, de um belo tom castanho claro, esculpido em cordame náutico. Os tons da pintura foram escolhidos entre os claros - alaranjado e lilás - o que aproveita a máxima reflexão de luz e harmoniza perfeitamente com o azul e branco dos azulejos. A iluminação nocturna é constituída por 22 "plafonniers" e 8 candeeiros triplos. Colocados nas pilastras, sob as mísulas.» (*)


Na cave, escavada em toda a extensão do estabelecimento, funcionava uma cervejaria e que além da comunicação interior, tinha outra particular pela Calçada do Carmo. O salão de bilhares, parte integrante do "Grande Café Nacional", funcionava no prédio ao lado, portas nos. 47 a 53.

Quanto ao exterior ...

«As fachadas do café,  são todas de pedra branca. A que olha para a Rua 1.º de Dezembro tem sobre as partes reentrantes os escudos citadinos de Lisboa e Porto, em magníficos relevos. É rasgada por três portas monumentais, com arcos duplos envolvidos. A que dá para a Calçada do Carmo tem esculpido o escudo de Coimbra e é rasgada por dois janelões emoldurados igualmente em arcos envolvidos. Tanto as portas como os janelões são em ferro forjado, trabalhado artisticamente, com "panneaux" de vitrais e com rosáceas que abrem, estabelecendo uma franquíssima e sempre renovada ventilação. A cor dominante dos vitrais é o amarelo- dourado que, com detalhes de azul e de vermelho, dá um equilíbrio suavíssimo à forte luz do ambiente.» (*)


"Grande Café Nacional" à esquerda na foto, com o seu concorrente "Café Madrid", em 18 de Agosto de 1941

Nota: na foto anterior pode-se avistar no andar superior ao "Grande Café Internacional" a tabuleta dos "Armazem de Lanificios Lino" que ocuparam os pisos superiores do edifício desde 1924.


13 de Julho de 1937

Na esquina oposta da Calçada do Carmo e do mesmo lado da rua, jé existia o "Grande Café d'Italia", desde 1921, e que viria a ser substituído pelo "Café Madrid" nos anos 30 do século XX.

"Grande Café d'Italia"

Concebido para uma elite da sociedade lisboeta o "Grande Café Nacional" era um estabelecimento aparte, sendo frequentado por senhoras e grupos familiares que ali podiam assistir ao quarteto musical dirigido pelo professor José Henriques dos Santos quee todos os dias, à tarde e à noite, executavam diversos programas de concerto.


31 de Outubro de 1925


1926



1928


1 de Março de 1930


2 de Dezembro de 1930

No período da II Grande Guerra Mundial (1939-1945), o "Grande Café Nacional" fechou, tendo reaberto em 12 de Junho de 1947, depois de grandes obras ali efectuadas sob a direcção do arquitecto Raúl Francisco Tojal (1899-1969) - que já tinha projectado o café "Palladium" na Avenida da Liberdade -, coadjuvado pelo construtor civil, e seu irmão, Diamantino Tojal (1897-1958). Continuava a pertencer à firma "Sociedade de Cafés 1º de Dezembro, Lda.". Aos sócios-gerentes fundadores Alberto de Assis Camilo e José Eduardo David Paiva, juntaram-se Augusto Rodrigues, Fernando José Ferreira, Luís Ferreira de Carvalho e Joaquim Martins.

12 de Junho de 1947

Quanto às alterações efectuadas na decoração do "Grande Café Nacional", o jornal "Diario de Lisbôa" elucidava:

«(...) No salão principal apenas ficaram os magnificos paineis de azulejo de Jorge Collaço e de duas colunas centrais. Tudo o mais é novo. As colunatas e florões das janelas desapareceram, o que melhorou consideravelmente a iluminação natural da vasta quadra. Aos tons escuros nas paredes, nos ornatos, no mobiliário, sucederam os tons claros, que dão ao conjunto beleza, harmonia e esplendor. Há aquecimento central, ventilação e refrigeração cuidadas, e a iluminação fluorescente permite manter, á noite, o ambiente nocturno.
Anexo ao grande salão de café fica o esplendido restaurante-bar, centro de elegancia e de comodidade, alegrado ainda mais por dois lindos quadros do pintor Julio Santos, e com um balcão de mármore, um excelente frigorifico e toda a aparelhagem moderna. O serviço de cozinha rivalizará com os melhores de Lisboa. A garrafeira marca situação de privilégio, pela qualidade e pela quantidade. O restaurante-bar tem duas portas independentes para a rua.
Ao lado do restaurante-bar há a barbearia, primorosamente montada, com quatro cadeiras modernissimas, muitos cromados e espelhos e uma aparelhagem sem rival. E também esta dependência do estabelecimento possui uma entrada privativa.
A cozinha foi alargada e dotada com um soberbo trem; são modelares os serviços de tiragem de fumo e de ar e a refrigeração e iluminação. A frasqueira é abundante. Estão repletos os armazens e depósitos. Nem, um pormenor foi descurado, para que o Grande Café Nacional se tonasse, no seu género, um estabelecimento modelar; e isso se deve ao notável esforço e tenacidade dos novos sócios da empresa, srs. Augusto Rodrigues, Fernando José Ferreira, Luís Ferreira de Carvalho e Joaquim Martins, e aos antigos sócios gerentes, srs. drs. Alberto de Assis Camilo e José Eduardo David Paiva; á direcção técnica do distinto arquitecto Raul Tojal e ao escrupulo com que Diamantino Tojal, construtor civil, executou os trabalhos.
No salão principal há lugar para 500 pessoas, em condições magnificas de conforto e de comodidade. Na cave é o amplo e arejado salão de bilhares, óptimo no Verão, porque é fresco, e óptimo no Inverno, porque tem, como as outras dependências, aquecimento central. Existem ali dez esplendidos bilhares, de tipo normal, e um para grandes competições de mestres. Vieram da América do Norte, e são de fabrico modelar.»


"Grande Café Nacional" já muito sujo e degradado, em 1975

Quando ainda jovem, cheguei a frequentar ao fim de semana este café, na década de setenta. Era grandioso e muito confortável. Se não estou em erro, e aproveitando o elevado pé direito, já tinha sido construída uma mezanine. Ia lá propositadamente para beber um belíssimo chocolate quente ...

Depois de encerrado uns bons anos, veio a ser adquirido pelo "Celeiro", que já existia na Rua 1º de Dezembro desde 1974, e que para ali se mudou e lhe chamou "Celeiro 1º de Dezembro".


Julho de 2024, via "Google Maps"


(*) - in blog: "Coisasdeantigamente.marr"

fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Hemeroteca Municipal de Lisboa,  Arquivo Municipal de LisboaHemeroteca Municipal de Lisboa,  coisasdeantigamente.marr

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