Na Rua Direita do Rato, nº 11, ao Rato, em Lisboa, existiu o "Pateo do Ferreira", cuja designação teve origem no actor Ferreira da Silva (1859-1923) «um dos primeiros artistas dramaticos portuguezes», e que lá viveu.
O olisipógrafo Norberto de Araújo (1889-1952) descreve a sua origem e localização, na sua vasta obra "Peregrinações em Lisboa", donde retirei a seguinte passagem:
A Real Fábrica das Sedas foi criada, com organização própria oficial, pelo Marquez de Pombal em 1757, sucedendo à Fábrica fundada, em tempos de D. João V, por Ricardo Godin, um industrial francês que primeiramente instalara o seu estabelecimento fabril na Fonte Santa, de onde transitou para o fundo da Rua de S. Bento e finalmente para o Rato; não foi feliz no empreendimento e já em 1750 o estado deitara a mão à sua Fábrica.
A Real Fábrica conheceu periodos de prosperidade, durante a administração pombalina sendo grande a sua influência na sumptuária portuguesa da época, fornecendo paços, palácios, conventos e igrejas, clientes que crivaram, por vezes, a fábrica de dívidas.
Morto Pombal, a Fábrica decaiu, arrastando-se contudo até 1855, ano em que D. Maria II mandou vender tudo, edificios, oficinas, teares, existência; uma parte foi ainda explorada por um industrial particular, e mais tarde multiplicaram-se mesmo os pequenos industriais da seda, nas Amoreiras, mas sem sinal de desafogo, havendo dessas fabriquetas ainda vestigios como veremos noutro passo.
O prédio da esquina onde estava o armazém de vinhos de Domingos António Martins & Cia Ldª – fundado, como simples botequim, célebre no sitio, por Domingos António Martins em 1855, e renovado em 1914 – integrava-se no corpo do edificio da Real Fábrica. ...
Antes da criação da Real Fábrica, estes terrenos por aqui, entre o Rato e a Rua da Imprensa Nacional (então Travessa do Pombal) até S. Bento faziam parte da Quinta do Morgado dos Soares da Cotovia – a quinta de D. Rodrigo da primeira metade do séc. XVIII – e de que adiante te falarei.
Fez-se então a fábrica com as suas dependências, vendidas do século XIX.
Tudo foi depois parar às mãos de um Francisco Ferrari, de quem transitou para três filhas, duas das quais, que houveram a parte de um sobrinho, filho da outra irmã, casaram uma com o Visconde Silva Carvalho, outra com Guilherme Shindler; foi desta senhora que os imóveis da antiga Real Fábrica passaram para sua filha D. Livia Ferrari Shindler de Castelo Branco viúva do estadista João Franco, propritária de todas estas edificações, correspondentes à desaparecida fábrica, quer as da frente para a Rua da Escola quer as com frente para o Rato.
Mas façamos agora uma pausa, para entrarmos decididamente na Rua da Escola Politécnica, que vale, só por si, um passo de jornada.
... numa das dependências , com entrada pelo pátio viveu o actor Ferreira da Silva, morando ainda a veneranda viúva do ilustre artista.»
«Mas foi no «11» do Largo do Rato, antiga casa de jogo e que o dono transformou em «cabaret» quando os jogos de azar foram proibidos, que o jovem Alfredo começou a ser mais conhecido no meio fadista, sendo frequentemente convidado a cantar alguns «fadinhos», cujos versos ele mesmo improvisava. Outros versos que também cantava, letras de qualidade literária e poética muito fracas, eram adquiridos nos quiosques pelo preço de um vintém.
Aqui travou conhecimento com alguns dos poetas populares e grandes fadistas de nomeada daquela época, nomeadamente, o Britinho, estucador, o Soares, do Intendente, o Júlio Proença, estofador, o João Mulato, o Chico Viana, o Jorge, caldeireiro, (...)»
«Meu pai andou com ele, foram amigos, frequentavam a mesma carvoaria, que é o lugar de vinho onde vendem carvão e onde há um aroma muito particular, um cheiro de carvão, de gasolina, de vinho junto. E, mais a mais, ficavam lá à noite, já de porta fechada, era só o pessoal do fado. Eu era ainda miúdo, colocavam-me sentado no balcão e ficava ouvindo aquela malta toda tocando, com o cigarro ainda aceso atrás da orelha. Era um ambiente bem característico. Havia uma casa de fados no Largo do Rato, a Parreirinha, onde a gente fazia festival de fado corrido, cada um ia cantando uma quadra e depois passava ao outro, homens e mulheres.
E o Fernando também cantava?
Também. Todos nós cantávamos… E o mestre era o Alfredo Marceneiro, ele era semelhante ao grande músico de swing americano, Louis Armstrong. O Armstrong tinha o som de uísque, o Alfredo Marceneiro tinha mais o som do vinho, do barril de vinho, o som de madeira do barril»
Passaram as décadas e, felizmente, " A Parreirinha do Rato" foi resistindo aos tempos e "intempéries", e ainda está a funcionar.
Quanto à "Parreirinha do Rato" , o jornalista Paulo Campos, em 11 de Agosto de 2018, escrevia no site "O Tempo":
Tascas são ambientes familiares, de comida caseira em doses generosas e barata, com toalhas de papel nas mesas e atendimento informal, verdadeiras portinholas onde se servem refeições. O cardápio, escrito à mão, anuncia os pratos do dia, da sardinha assada à costeleta de novilho, ao preço médio de 6,50 euros.»
6 comentários:
Muito bom. Muito bom mesmo!
Cumpts.
Muito grato caro "Bic"
Cumprimentos
Sr. José Leite, grato pelo seu trabalho. Por favor continue!
Muito agradecido caro Rui
Continuarei se ... «Se a tanto me ajudar o engenho e arte.» (Lusíadas)
Cumprimentos
Se posso acrescentar algo ao seu excelente artigo, lembro-me muito bem do sr. Lemos, como era conhecido no bairro, pai do Fernando Lemos. Marceneiro com oficina na rua do Arco a S. Mamede, sempre de cigarro ao canto da boca a plainar madeira. Bom no ofício, segundo se dizia, e o filho (também muito bom fotógrafo) tal como o pai.
"Estiquei-me" um pouco... Parabéns pelo artigo.
Gonçalo.
Caro Gonçalo,
Muito grato pela sua interessante informação adicional.
Cumprimentos
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