O famoso mestre alfaiate Manuel Amieiro (1861-1933), «alfaiate de reis e rei dos alfaiates» como lhe chamou o marquês de Soveral, reabriu em Outubro de 1894 a alfaiataria de outro mestre, Johan Christian Keil (1820-1890), depois de a ter adquirido, mas doravante com o seu nome: "Casa Amieiro". Estava localizada na Rua Ivens, 45 no 1º andar, em Lisboa, esquina com a Calçada de S. Francisco, oposta e do mesmo lado à do "Grémio Literário".
Na viragem do século XIX para o Século XX, a alfaiataria em Portugal conhece o seu período áureo. Alguns dos seus mestres adquirem renome internacional, para além de Jacinto Augusto Marques, sobressaem mestres como o mestre Simon Strauss, irmão do célebre compositor vienense, o mestre Johan Christian Keil, pai de Alfredo Keil autor da música do hino nacional, o mestre Manuel Amieiro, fundador da "Casa Amieiro" e Adelino Teixeira, cujo nome se ligará à fase mais brilhante desta casa. A esta lista temos que acrescentar, por direito próprio, a "Casa Neves & Osório", "Casa José António Xafredo", "Casa Ferrão", o alfaiate Viana e para só citarmos as alfaiatarias de grande prestígio de Lisboa.
1888
De referir que o alfaiate mestre J. Hans-Christian Keil, veio para a Rua Ivens, 45-1º em 1881 depois de ter estado instalado provisóriamente na Rua Nova do Almada 69 -1º, depois do seu atelier e residência no Palácio Barcelinhos, terem ardido num grande incêndio que atingiu este em 29 de Setembro de 1880.
«O senhor Keil, que era muito considerado, e que um bambúrrio de sorte entrou na classe de alfaiataria, sendo classificado entre os primeiros, era muito considerado como homem culto, elegante, de maneiras e de espírito vivissimo, privou com todos os grandes nomes de escol da fidalguia, finança, artes e letras. O funesto incêndio obrigou o distinto industrial a mudar imediatamente de casa e do facto preveniu assim os seus clientes no Diario de Noticias de 2 de Outubro: "O estabelecimento de J. Christian Keil, acha-se instalado provisòriamente na rua Nova do Almada, 69, 1º andar, a contar da proxima 2ª feira, 4 de Outubro". Foi curta essa passagem pela segunda casa da Rua Nova do Almada. Na Rua de S. Francisco nº 45 é que o primoroso profissional, orgulhoso de si mesmo e do conceito em que era tido, continuou a servir a clientela elegante e exigente.» in: "Olissipo" Julho de 1859
No "Almanach Comercial de Lisboa", de 1880
«... Foi ali que existiu a Alfaiataria Keill, pae de Alfredo Keill. o illustre musico e pintor, fallecido ha annos, auctor da Serrana e d'outras operas, que foram ouvidas com grande agrado. O Keill tinha estado antes no Palacio do Manuel dos Contos. (...) O Amieiro tambem ali teve a sua Alfaiataria.»
Agora recebeu um carregamento de fazendas e de figurinos 'dernier cri', a ultima palavra da moda de Londres e de Paris.
Mais do que nunca, os seus ateliers estão sendo agora o 'rendez vous' da sociedade, e a sua thesoura a mais procurada e lançada das thesouras!» in: "Diario Illustrado" de 20 de Abril de 1900.
No 4º trimestre de 1900, Manoel Amiero trespassa a sua "Casa Amieiro" à firma "Lopes, Lourenço & Commandita", que passam a utilizar como chamariz a frase: "Proprietarios da Casa Amieiro" - assunto que abordarei mais adiante. Amieiro parte para Paris e, mais tarde, por volta de 1906/1907 monta a alfaiataria "Amieiro" na Rua da Betesga, 75-1º andar (edifício do "Hotel Camões", ali desde 1880), na qual fica como gerente, seu filho Antonio Amieiro.
10 de Novembro de 1900
Em 8 de Junho de 1907 Manuel Amieiro inaugurava em Paris, na Rue Royale, 11 a sua alfaiataria "Maison Amieiro". Por essa ocasião o jornal francês "Le Figaro", do mesmo dia, noticiava na sua 1ª página (!):
No jornal "Le Figaro" de 8 de Junho de 1907
«Hoje terá lugar a inauguração dos luxuosos salões instalados na Rue Royale pelo grande alfaiate português Amieiro, fornecedor oficial da Corte de Portugal e do corpo diplomático. Nesta ocasião, o sr. Amieiro dá uma festa para a qual convida todas as socialites parisienses e representantes da imprensa, que poderão ver o esplendor e o gosto demonstrados na instalação destes seis vastos salões onde agora se realizarão os eventos. ... assentos de suprema elegância parisiense.» (tradução do anúncio anterior)
No ano seguinte, um excerto de um artigo publicado no "Diario Illustrado" de 9 de Junho de 1908:
Longe, porem, de se deixar embevecer, na sua rota de triumphos, a ponto de descurar, no que seja, o seu estabelecimento de Lisboa, Manuel Amieiro jamais esquece a sua qualidade de portuguez; aqui vem, no começo do verão, como no começo do inverno, certificar se de 'visu' quanto á necessidade imperiosa dos sortidos a realisar. E é ver, d'ahi a nada, como ha pouco ainda constatámos, é ver os fornecimentos que invadem as salas dos lindo ateliers, sitos á rua da Bitesga: fazendas dos mais ricos padrões, das mais afamadas casa estranjeiras alem de muitos outros artigos.
Entretanto, cá fica, nas desvelada solicitude de attender á clientella, que logo acorre - quem? O mais auctorisado para o effeito, depois do activo industrial, que prestemente volta a occupar o seu posto em Paris. Alludimos a Antonio Amieiro, esse bello rapaz, filho e educado, deligente como poucos, em tudo e por tudo digno de ser comparado a seu pae, que convictamente auxilia, na faina exhaustiva de gerir uma casa, que é já primeira entre as mais complexas.»
Em 12 de Abril de 1909, Manuel Amieiro muda o seu atelier para a Rua do Alecrim, 103. As suas novas instalações são descritas pormenorizadamente no artigo que publico a seguir (clicar para aumentar).
Loja e sobreloja de esquina (à esquerda na foto) da "Amieiro" em foto de 2 de Agosto de 1909
O que principalmente leva a esta viagem o activo gerente da casa Amieiro em Lisboa, é o desejo de realizar um colossal sortido de fazendas apropriadas á estação d'inverno, com que mais uma vez conta merecer os bons officios da sua numerosa clientella.
Depois d'uns 15 dias de permanencia em Londres passará Antonio Amieiro a Paris, com o mesmo fim, recolhendo então a Portugal para dispor com tempo e gosto as sua magnificas "étalages", sitas á rua da Bitesga, por forma que a inauguração dos mesmos constitua um dia de exito para a moda do nosso paiz.» in: "Diario Illustrado", de 9 de Setembro de 1908.
Quanto à utilização da designação "Casa Amieiro", por parte da firma "Lopes & Teixeira", que referi no início, deixo aqui a publicação no "Diario do Govêrno" de 17 de Setembro de 1912:
1909
Entretanto, Manuel Amieiro ficaria pela Rua do Alecrim até início da primeira década do século XX, ano em que mudou as sua alfaiataria de homem e senhora para a nova loja "Amieiro", na Rua Garrett 21 e 23. Instalou-se também no primeiro andar do nº 17 por cima da loja da "Jerónimo Martins & Filho", na Rua Garrett. Nesta loja, tinha funcionado no século anterior a famosa modista Madame Aline Neuville. Esta loja "Amieiro" entraria em liquidação em Julho de 1916 e encerraria de seguida. Por ocasião da liquidação deste estabelecimento o jornal "A Capital" escreveu: « ... No primeiro andar e n'uma parte da loja esteve ha pouco estabelecido o alfaiate Amieiro, que andou por Paris e que, ao regressar a Lisboa, onde n'outros tempos dera a moda, não foi feliz. Na outra parte da loja é o grande armazem de viveres dos srs. Jeronymo Martins & Filho, casa que foi fundada em 1792.»
Na sequência do encerramento da sua loja, mudar-se-ia em 1917, para a mesma Rua Garrett, mas no 109 - 1º, junto ao Largo das Duas Egrejas (ou Largo do Loreto, actual Largo do Chiado), ao mesmo tempo que abria uma sucursal na cidade do Porto, na Rua de Santa Catarina, 158.
1º andar do nº 109 da R, Garrett onde esteve instalada a alfaiataria "Amieiro" por poucos anos
De notar o aviso no anúncio anterior: «Não confundir esta casa com outras que usam o mesmo nome».
Ainda conseguiu recuperar a boa clientela de outrora, mas já bem reduzida. A juntar a esse facto, a sua já avançada idade (para a época), e o trabalho intenso de cinquenta anos de profissão pesaram sobre os seus ombros. Manuel Amieiro, «alfaiate de reis e rei dos alfaiates», viria a falecer em Braga, a 3 de Março de 1933, com 72 anos de idade.
Dois dias depois, o jornal "Diário da Manhã" escrevia:
A sua celebridade não foi nascida dos reclamos vulgares, a tanto a linha, ou dos outros espectaculosos que na sua época ainda não existiam na quasi pacata Lisboa do seu tempo; veio--lhe naturalmente da maneira como realizava casacas impecáveis, dignas de um Brummel ou de um Oscar Wilde. Soveral, o marques diplomata, amigo de Eduardo VII, também lhe serviu, com sua preferencia, para dar dilatada expansão ao renome da sua mestria. E depois foi o 'Turf' e o 'Tauromaquico' e até mesmo o Paço ...
E o nome estava feito. Obra saída da sua casa - fato ou casaca, sobretudo ou peliça - era 'signé', era 'Amieiro' e estava tudo dito.
Os elegantes de entdo, os poucos que ainda existem, hão de lembra-lo com saudades. E os que das novas gerações quiserem ser Petronios, terão que recorrer a Londres, porque a geração dos alfaiates-artistas extinguiu-se com Amieiro ...
Mas, afinal, que importância tem hoje, um corte impecavel? O que é necessario é ter dinheiro. O resto não importa. E os que tem dinheiro sabem muito bem - embora não mostrem acreditar - que a elegancia, como a inteligência, é a única coisa que nao ha possiblidade de comprar ...
O seu filho António Amieiro tinha-se mudado em definitivo para o Porto, e na rua de Santa Catarina, 158, continuou as tradições paternas de bem vestir os elegantes.
Entretanto, Manuel Amieiro teve como seu discípulo, Francisco Rosa, que deu continuidade à tradição, e unindo o seu nome ao do seu genro António Teixeira, formaram a casa "Rosa & Teixeira".
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional da Tore do Tombo
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