Restos de Colecção: Metalúrgica da Longra, Lda.

29 de novembro de 2023

Metalúrgica da Longra, Lda.

A "Metalúrgica da Longra" foi fundada em 1920 no lugar de Longra, concelho de Felgueiras, por Américo Teixeira Martins (1893-1974), com a firma "Martins & Irmão, Sucessor". Inicia a sua actividade como oficina familiar, inicialmente, com 5 a 10 trabalhadores, fabricando ferramentas, alfaias agrícolas e móveis domésticos em ferro, como fogões, lavatórios, beliches e colchoaria.


Américo Martins aquando do seu regresso da I Grande Guerra Mundial (1914-1918), em 1918, foi licenciado do serviço militar, e voltou à oficina do seu pai, no lugar do Fojo, onde trabalhavam já quatro dos seus irmãos. Resolveu, então, estabelecer-se por conta própria, e, em Outubro de 1920, criaria na Longra, juntamente com o seu irmão mais novo Afonso, a sociedade "Martins & Irmão, Sucessor". Compra então, pela quantia de 500 escudos, o equipamento de uma oficina que, entretanto, havia fechado na Trofa, e toma por arrendamento uma terça-parte de um barracão, pertencente a José Xavier, onde, entre 1910 e 1918, teria existido uma oficina. A renda anual era de 250 escudos. Com a morte do irmão Afonso, em 1921, fica sozinho à frente dos destinos da oficina. 

Américo Teixeira Martins (1893-1974)

Até 1924, vai ampliando e melhorando as instalações da empresa, alugando, inclusive, os restantes dois terços do barracão. Nos finais dos anos vinte dedica-se ao fabrico de mobiliário hospitalar, produzindo a primeira mesa de operações em Portugal. A partir da cama de ferro simples para uso doméstico, da cama de campanha e da caixa de prontos socorros, da fase inicial, através do dispositivo oficina de cunhos e cortantes, a firma "Martins & Irmãos Teixeiras, Lda." constituída em 1935, vai fabricar a primeira mesa de operações que incorpora o princípio da mecânica, a mesa de operações de elevação hidráulica, importante inovação com significativas repercussões económico-sociais na rede de hospitais que na década de 1940 começava a cobrir o país.






Duas fotos do "Hospital Sanatório Antituberculoso de Celas", fornecido pela "MIT"



1934

A empresa "Martins & Irmãos Teixeiras, Lda.", evoluia, com a ampliação e modernização das instalações fabris, que passam a empregar cerca de 200 funcionários, e juntamente com os "Laboratório Sanitas" criam a "Sociedade Metalúrgica da Longra, Lda,", em 1947. Fruto desta parceria, esta empresa, além de prosseguir o fabrico de mobiliário médico-cirúrgico, alarga a actividade a equipamentos para escritório. Depois, partindo já da cópia de catálogos de móveis estrangeiros, a "Metalúrgica da Longra" vai, pela introdução das sucessivas «linhas» de mobiliário metálico, assente no dispositivo tecnológico oficina de protótipos, tornar-se pioneira do design industrial de mobiliário, fruto da colaboração estreita, iniciada em 1961, com o reputado designer e arquitecto Daciano da Costa (1930-2005).

As linhas de móveis como a "Prestígio" (1962), "Cortez" (1963), "Mitnova" (1975), "Metropólis" (1988), "Logos" (1988) ou a "Práxis" (1991), desenhadas por Daciano da Costa, deixaram a marca de uma colaboração de trinta anos. A linha "Prestígio" chegou a vender 100.000 exemplares durante os vinte anos de produção da mesma.



Catálogo de 1945 por ocasião do 25º aniversário da "MIT"





1948


1958





Linha "Cortez" lançada em 1963

Ao longo destes quatro ciclos, em que a empresa chega a empregar, entre as décadas de 60 e 80 do século XX, 600 funcionários, muitos deles oriundos das mesmas famílias, - operários, engenheiros, agentes técnicos, administrativos, desenhadores e controladores, afectos a diversas áreas especializadas: serralharia, polissagem, pintura, pré-montagem, cronometragem, galvanoplastia, marcenaria, estofaria, manutenção, armazéns. Os processos e a estrutura de fabrico passam também por várias fases de especialização e maior complexidade, segmentando-se, ao nível da estrutura organizativa, em administração, direcção fabril e comercial, organização comercial e financeira e gerência que superintende nos seguintes sectores: produção/fabrico; técnico; marketing; social e pessoal (com cantina, refeitório, escola, biblioteca, boletim, grupo desportivo e serviços médicos e de enfermagem); e administrativo.

Instalações fabris da "Sociedade Metalúrgica da Longra, Lda."







« ... quando entrei para a Longra, com 13 anos, como outros, fui ajudar um velhote a serrar paus para a estufa de secar a tinta que era aquecida a lenha... estive na Longra desde 1943 a 1993 ... fomos nós que fizemos 1.300 e tal cadeiras para o teatro S. Geraldo em Braga... e para o Nosso Café... outro serviço grande foi para o Monumental em Lisboa em 1951 ... também o grande auditório da Gulbenkian, cor de laranja e o pequeno, azul, do Raul  Solnado, o Teatro Vilaret, o cinema Vox, o Castil que já acabou... e no Porto, os cinemas Águia de Ouro, o Passos Manuel... fizemos também auditórios mais pequenos para a ANA, no aeroporto, ... na Madeira, onde estive 1 ano a trabalhar ...  para o Casino Parque Hotel... fomos nós que fizemos tudo... também o Teatro em Bragança... a sala do 3º congresso na Guiné-Bissau em 1977/1978... no Casino da Póvoa a Sala dos Congressos... as cadeiras que aí pusemos vieram da Itália da Castell com quem a Longra tinha um  licenciamento... na Póvoa de Lanhoso, o cinema... em auditórios de Bombeiros em Vila Praia de Âncora e Barcelos... cinema Chaplin em Leça da Palmeira... o cinema de S. Mamede de Infesta com 400 e tal lugares... também trabalhei com a Longra nos hospitais de Santa Maria e S. João...em bancos... no Ministério da Educação... na Tabaqueira...no cinema Estoril Sol, no casino... na montagem dos bancos da Sorefame no foguete Porto-Lisboa, nos comboios da linha de Cascais... em Bragança e Tomar foram os hospitais... em Abrantes ... em Vila Real... na Universidade do Minho.. .o auditório... em Guimarães, no Teatro Jordão, no Café Milenário... fizemos contentores a vácuo para meter os motores de aviões.. .para o metro, fizemos os caixotes para tirar os bilhetes... foi uma obra de grande precisão... vinham controladores de qualidade suíços fazer a verificação... fizemos cozinhas em barcos nos estaleiros de Viana do Castelo...  e também componentes para teleféricos e bancos com suportes para skis para a Suiça... levava sempre comigo 3 ou 4 trabalhadores que pertenciam à serralharia e à montagem... em Vila Velha de Ródão equipámos a fábrica de papel com todo o mobiliário... as mesas para o Teatro Anatómico da Universidade de Coimbra... instalámos o ar condicionado no Hotel Ritz...  


1961


Stand na FIL em 1971

.. .No Porto, as camas do IPO, modelo americano, também fomos nós que fizemos... e o auditório da Faculdade de Biotecnologia da Católica, ali perto... e na outra antiga, junto ao Hospital de Santo António .. .as Biomédicas, sim... também montámos lá o auditório... e num serviço do estado, ao pé do Campo Alegre... para o Futebol Clube do Porto fizemos no estádio das Antas o tecto falso da bancada principal e pusemos umas cadeiras da Castell... e todo o mobiliário de hospitais e hotéis, como o Penta Hotel... e nas reitorias das universidades de Lisboa e Porto... na Sociedade de Geografia de Lisboa, na quinta Seca em Leixões, quem vai para Matosinhos, foi toda a caixilharia de janelas e portas... eram os engenheiros e arquitectos das obras que conheciam os produtos da Metalúrgica da Longra que recomendavam os seus móveis... o protótipo era caro, mas garantido, único e de qualidade... quando não tínhamos encomendas concorríamos até com produtos em alumínio que nunca tínhamos trabalhado... íamos a exposições... por exemplo no Porto fomos a duas no Palácio e outra no Habitat 70...os Martins davam muita importância à imagem da fábrica.». Palavras do antigo encarregado geral da fábrica Longra, empregado entre 1943 e 1993, aquando dum almoço de homenagem.

Depois de uma vida activa e produtiva, a saúde de Américo Teixeira Martins fragiliza-se, a que não foram alheias a sua participação na I Grande Guerra Mundial (1914-1918), e as suas sequelas, pelo que viria a falecer a 31 de Janeiro de 1967, com 74 anos.

Em 1990, a Câmara de Felgueiras atribuiu o seu nome a uma das ruas da cidade. Em 2009, em homenagem à «sua vida e exemplo», a Junta de Freguesia de Rande, deu o seu nome a uma das ruas da Vila da Longra.

Principais fabricantes nacionais de mobiliário para escritório nos anos 70 do século XX

"Sociedade Metalúrgica da Longra, Lda,", encerrou definitivamente em 1993, e considerada insolvente em 1995.

Selo de 2003

Bibliografia:

- Maria Otília Pereira Lage - "Empresa Metalúrgica de Longra, um caso no modo português de industrialização…" - Revista da Faculdade de Letras - HISTÓRIA - Porto, III Série, vol. 11, - 2010

- Blog: "Longra Histórico-Literária"

fotos in: Longra Histórico-Literária, Portugal 1914, Zé Jesus (Facebook), Daciano Costa

Sem comentários: