O "Hotel de L'Europe", ou "Hotel Europa", instalou-se entre 1840 e 1845 no Palácio Barcelinhos, no Chiado, em Lisboa. Vinha substituir o afamado "Hotel dos Embaixadores" que ali tinha funcionado, até então. Este palácio era propriedade do barão de Barcelinhos, Manuel José de Oliveira, um negociante e proprietário abastado, conhecido por Manuel dos Contos, que ali tinha instalado a sua residência.
1845
No tocante a estabelecimentos de hospedagem - «na opinião do sr. Miguel Pais o melhor destino que podia ter o Palácio Barcelinhos» - foram quatro os que aí se instalaram: o "Hotel dos Embaixadores" (anterior a 1840/45); o "Hotel de L'Europe" (a partir de 1840/45), ambos com entrada pela Rua Nova do Carmo, 16; o "Hotel Gibraltar" (a partir de 1874); e o "Hotel Universal" (a partir de 1882) . Estes dois últimos com entrada pelo nº 7 da Rua Nova do Carmo, frente ao Chiado.
O "Hotel de L'Europe" (com entrada pelo n.º 16 da Rua do Carmo), sucedeu ao "Hotel dos Embaixadores". Consegui confirmar que já lá se encontrava em 1845 e perdurou até 1912, data em que os "Grandes Armazéns do Chiado" alargaram as suas instalações à essa ala (1º andar para a Rua do Carmo) do palácio. Quando do grande incêndio, em 1880 que destruiu a ala sul do hotel, a gerência pertencia a Madame Radegonde Gachet. Mais tarde a gerência ficou entregue Ferdinand Piper, e, por falecimento deste, o negócio foí administrado pela viúva.
Entrada do "Hotel de L'Europe" na Rua Nova do Carmo em 1898 (tabuleta no 1º andar)
Os jornais da época acrescentavam que a célebre artista, que durante a viagem enchera um vagão dos caminhos de ferro com a sua enorme bagagem, se tinha instalado numa suite de 5 salas. Os espectáculos foram pouco concorridos, não só porque o empresário havia faltado a compromissos, como também porque os bilhetes eram muito caros - uma libra cada fauteuil.»
O "Hotel Gibraltar" ocupou o andar nobre ao longo da ala do Palácio Barcelinhos da Rua Nova do Almada, com entrada pela porta principal, nº 7 da Rua Nova do Carmo, frente ao Chiado. Anteriormente, estivera num 2.º andar do n.º 10 da Travessa de Estêvam Galhardo (que em 1885 mudou a denominação para Rua de Serpa Pinto), pelo menos de 1864 a 1874, sendo seu proprietário José António da Silva, o fundador e proprietário do conhecido e tradicional "Restaurant Club" (conhecido por "Restaurante Silva"), inaugurado em 3 de Dezembro de 1874 mesmo ao lado, no nº 12-1º andar. O hotel pertenceu depois ao dono da fábrica de cervejas da "Trindade", fundada em 1836 pelo galego Manuel Moreira Garcia.
"Handbook for Travellers in Portugal" de 1863. "Hotel Gibraltar" e "Hotel Universal", ambos, ainda na Rua Estevão Galhardo
Já nas novas instalações no Palácio Barcelinhos, e em sãs convivência e concorrência com o "Hotel de L'Europe" (instalado na ala da Rua Nova do Carmo), o "Hotel Gibraltar" tinha uma sala de jantar, com mesa para 180 talheres e a antiga sala de baile, que não foram atingidas pelo incêndio de 1880. Este incêndio danificou todos os quartos do lado nascente, onde estavam seis hóspedes de nacionalidade estrangeira, membros do "Congresso Antropológico e Literário", e que tinham sido inauguradas em 20 de Setembrodo mesmo ano. Foi das janelas do "Hotel Gibraltar" que. na noite de 31 de Outubro de 1878, na cidade de Lisboa, se fez a primeira experiência de iluminação eléctrica do Chiado, com máquinas e candeeiros cedidos por El-Rei D. Luís.
24 de Julho de 1874
A sempre contundente, Maria Rattazzi (Marie Bonaparte-Wyse 1831-1902) no seu livro "Portugal de Relançe" de 1881, comentava ...
Dedicam-se ahi especialmente aos criados, gratificam-os com mimos, dao-lhes café três vezes ao dia, como o melhor meio para se insinuarem no espirito dos anos. Processo realmente engenhoso. O hotel Gibraltar é geralmente frequentado pela tribu nómade dos 'commis voyageurs'. Acceitam-se hospedes permanentes. Ha mesmo alguns que se conservam alli desde a abertura do estabelecimento, tendo arranjado um pequenino lar capitonado.
Um pavoroso incêndio devorou ultimamente os principaes aposentos do hotel Gibraltar, fazendo uma espécie de aucto de fé ás minhas implacáveis companheiras de quarto, as senhoras baratas, que, felizmente, foram as únicas victimas.»
Como já foi referido o "Palácio Barcelinhos" foi alvo alvo de um incêndio em 29 de Setembro de 1880 (ver foto anterior): «O sinistro acontecimento teve início num pequeno prédio que ficava anexo na vertente sul, correspondendo aos n.º 102 e 104 da Rua Nova do Almada, alugada a Vitorino Francisco Moreira Vidal, dono de um armazém de móveis e à firma Lence & Viúva Canongia, com casa de pianos para venda e aluguer. As labaredas propagaram-se à propriedade que lhe ficava contígua pelo lado da Rua do Crucifixo, que servia de palheiro ou cavalariça, alastrou até grande parte do palácio e abrangeu as instalações dos Hotéis Europa e Gibraltar, vários estabelecimentos comerciais e o atelíer do artista madeirense J. Camacho, fotógrafo da Casa Real, muito conhecido e conceituado em Lisboa, onde faleceu em 1898.»
O hotel mais célebre de todos, instalado no Palácio Barcelinhos, foi o "Hotel Universal". Os seus princípios são anteriores a 1850, quando começou como simples hospedaria, na Travessa Estevam Galhardo, nº 23, estabelecida por um brasileiro, de nome Francisco Leandro Alves, ao qual sucedeu Augusto Lívio de Mendonça.
1863
Porém, a partir de 1852, quando tomou conta do negócio o célebre culinário João Baptista Podestá, italiano de origem, muito enaltecido e distinguido por Bulhão Pato, é que este hotel criou fama, ao receber personalidades de grande destaque, principalmente D. João de Menezes, D. Luís da Câmara, João José Vaz Preto, José de Melo Giraldes, César Poppe, Onofre Cambiazzo, Simão Gattai, Dr. Tomás de Carvalho, Dr. José de Avelar, Palmeirim, Bento da França, Júlio César Machado, Luís de Campos, Freitas de Oliveira, Galiazzo Fontana (dono do armazém de pianos "G. Fontana & C.ª ") e até, de vez em quando, apareciam Alexandre Herculano, Caetano Fontana e Eugénio Mazoni que deliciavam muitas vezes a assistência com solos de harpa e de piano.
Duas referências literárias a este hotel:
«José Augusto falleceu a 24 de setembro de 1854, em Lisboa, na hospedaria da D. Luiza, na travessa de Estevam Galhardo, onde, annos depois, se estabeleceu o Hotel Universal.» in: "O romance do romacista; vida de Camillo Castelo Branco" de Alberto Pimentel (1890).
«Em dezembro d'esse anno de 1859 foi que Manoel Pinheiro Alves, ao tempo hospedado em Lisboa no Hotel Universal, mandou procuração ao advogado portuense Alexandre da Costa Pinto Coelho de Magalhães, ali geralmente conhecido por «dr. Alexandre», para que requeresse em juizo querella contra D. Anna Augusta Plácido e Camillo Castello Branca a fim de serem punidos na forma do artigo 401 do Código Penal.» in: "Os amores de Camillo: dramas intimos colhidos na biographia de um grande escriptor" de Alberto Pimentel (1899).
Depois de deixar a classificação de hospedaria, o "Hotel Universal" recebeu a formosa cantora do "Real Theatro Nacional de S. Carlos", Elisa Hensler, a quem foi concedido o título de condessa de Edla, quando do seu casamento, em 1896, com o rei D. Fernando II de Saxe-Coburgo-Gotha. Antes do consórcio - conta Tinop - a insinuante artista vienense saía do hotel, noite alta, para se encontrar com o futuro marido - às vezes com o trajo de cena - que a esperava num trem no Largo da Abegoaria.
Onde esteve instalado o "Hotel Universal", a seguir ocupado pelo "Grande Hotel Borges", a partir de 31 de Outubro de 1882 (à esquerda na foto de baixo)
O "Hotel Universal", viria a mudar-se da Travessa de Estêvam Galhardo para o Palácio Barcelinhos - instalações que o "Grande Hotel Borges" aproveitou para aí se mudar, em 31 de Outubro de 1882 -, em 20 de Maio de 1882, ocupando o lugar do extinto "Hotel Gibraltar", após o incêndio de 30 de Setembro de 1880. Foi a partir de então - segundo Matos Sequeira - que acabaram no "Hotel Universal" as reuniões literárias e os jantares elegantes.
20 de Maio de 1882
O seu proprietário, o italiano João Baptista Podestá, muito simpático e acolhedor e altamente estimado, viria a falecer em 1886, após já ter perdido a sua mulher, «a sua dedicada companheira, que atraía, com singular poder, quantos a conheciam, não só pela graça da fisionomia como pela educação e inteligência».
Este hotel era procurado assiduamente por Camilo Castelo Branco (1825-1890), que lá esteve pouco tempo antes do encerramento, e antes de ter posto termo à vida, na sua casa de S. Miguel de Seide, a 1 de Junho de 1890. O romancista chegou a Lisboa na manhã de 20 de Outubro de 1887, como noticiaram os jornais, e instalou-se no seu quarto preferido, no 1º andar do lado da Rua Nova do Almada. Voltou em 22 de Novembro do ano seguinte, continuando atormentado pelo sofrimento causado pela cegueira, sendo infrutíferas as consultas aos melhores oftalmologistas. Camilo também se instalava no "Grande Hotel Borges". e, por último, em 1889, no "Hotel Durand", do Largo Barão de Quintella.
Entrada original do "Hotel Universal", aqui já dos "Grandes Armazéns do Chiado" e muito pouco alterada
Depois dos "Grandes Armazéns do Chiado" terem alugado as antigas instalações do "Hotel Universal" no Palácio Barcelinhos, este reabrira, em 1897, na Rua Garrett 37, esquina com a Rua Ivens 72, sendo propriedade da firma "Ruiz & Ferreira". Mas em 1900 já tinha mudado de dono e denominação: era "Hotel do Chiado" e propriedade de Rodrigo Augusto Placido Garcia. Entretanto, e também em 1897 abria outro "Hotel Universal" na Rua de S. Nicolau, 13 e propriedade de António Dias Ferreira...
Só faltava a foto deste hotel ... em 1913
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