Restos de Colecção: "Theatro de D. Fernando" em Lisboa

8 de novembro de 2023

"Theatro de D. Fernando" em Lisboa

O "Theatro de D. Fernando", foi inaugurado no dia do trigésimo terceiro aniversário do Rei D. Fernando II, 29 de Outubro de 1849, na Rua Nova da Princeza (actual Rua dos Fanqueiros), no Largo de Santa Justa, em Lisboa. Foi seu promotor o homem de negócios da capital Francisco Rodrigues Batalha. O projecto foi da responsabilidade do Arquitecto da Cidade Malaquias Ferreira Leal.


21 de Outubro de 1849


27 de Outubro de 1849

31 de Outubro de 1849

«(...) Não se fizeram rogar os monges, que logo embarcaram. Chegando aqui mandou el-rei depositar o corpo do santo na primitiva egreja de Santa Justa e Rufina Esta foi destruída, pedra a pedra, pelo terramoto de 1755, por cujo motivo se construiu outro templo com a mesma invocação, na rua dos Fanqueiros. Não sabemos o motivo porque este segundo templo foi profanado, e n’elle se edificou o theatro de D. Fernando, de curta duração, vindo afinal a deitar-se tudo abaixo, para se construir o grande prédio em que se installou o hotel Pelicano.» in: "Lisboa Antiga e Lisboa Moderna" (1901)

Este teatro viria a ser construído no terreno onde tinha sido demolida a Igreja de Santa Justa. Já em Dezembro de 1834 a Câmara Municipal de Lisboa, tinha ordenado a demolição do seu adro, depois da paróqui ter sido transferida para a Igreja de S. Domingos, junto ao Rossio. A igreja, entretanto, servirá de aquartelamento do 7º Batalhão da recém criada "Guarda Nacional Republicana" . Este espaço estaria desocupado em 1838 e só em 1848 aparece referência à intenção de compra da Igreja e terreno, por parte de Francisco Rodrigues Batalha com a intenção de aí construir um novo teatro - "Theatro de D. Fernando". A este projecto juntava-se Émile Doux, empresário do "Theatro da Rua dos Condes", que tinha vista a sua pretensão ser recusada.

Localização do "Theatro de D. Fernando" (dentro da elipse desenhada)


Projectos da frontaria e lateral do "Theatro de D. Fernando"


Alçado principal

El-Rei D. Fernando II, de seu nome alemão Ferdinand August Franz Anton von Sachsen-Coburg-Koháry, nasceu em Viena em 29 de Outubro de 1816 e faleceu em Lisboa a 15 de Dezembro de 1885. Foi o segundo marido da rainha D. Maria II e Príncipe Consorte de Portugal, de 1836 até 1837, altura em que se tornou Rei de Portugal e dos Algarves por direito da sua esposa.

Rei D. Fernando II (1816-1885)

Na "Revista Popular - Semanario de Literatura e Industria", de de 3 de Novembro de 1849 : «No aniversario d'El-rei teve logar a abertura do theatro novo, que o sr. Batalha fez construir em 200 dias»

O "Novo Guia do Viajante em Lisboa e Seus Arredoras - Cintra, Collares, e Mafra", de 1853, descreveu, deste modo, o "Theatro de D. Fernando":

«D. FERNANDO - Theatro françês - Foi ediíicado sobre as ruínas da parochial igreja de Santa Justa, por Arnould Rertin, architecto françez, e é propriedade do negociante da praça de Lisboa, Francisco Rodrigues Batalha. A fachada deste theatro é de máo gosto pela desparatada mistura de generos architetonicos que apresenta ; o interior é acanhado, mas os seus ornatos simples e elegantes. A sala do expectaculo é elíptica, e tem 38 palmos de largura sobre 52 de comprimento; dividida em 4 ordens de camarotes, sendo 54 públicos, 3 para SS. MM., e 2 para o proprietário; pode conter 636 pessoas, das quaes 324 nos camarotes, 52 nas galerias, 224 na platéa, e 36 no amphitheatro. Tem um salào lateral, e botequim ao nível da ordem nobre; todas as decorações são de Rambois, Cinatti, Ronconi, e Ignacio Caetano. Os preços dos locares tem variado. Abertura em 29 d’Outubro de 1849.»


Interior do "Theatro D. Fernando"

A plateia tinha três entradas, uma ao centro, com uma pequena escada de cada lado, e duas laterais, junta à orquestra. Os corredores das diferentes ordens confluíam todos numa pequena salinha bem ventilada. As escadas e demais serventias apresentavam elegância e segurança e perfeitamente iluminadas a gás, como todo o teatro. A sala de espectáculos, era igualmente iluminada a gás, com um belo lustre, e o tecto era pintado de azul-pérola e branco, com filets de ouro, pendendo o lustre de um rico florão. Os camarotes eram forrados a carmesim. As decorações forma dirigidas e executadas, simultaneamente, «pelos distinctos artistas» Rambois, Cinati, Ranconi e Ignacio Caetano.

De referir que em 1851, os candeeiros a gás em Lisboa «eram 2000, tendo o Teatro de S. Carlos 300 bicos e o de D. Fernando, 400». E quanto aos camarotes, havia um mensageiro para o botequim donde todos encomendavam chá para beber durante os intervalos.

9 de Janeiro de 1850


27 de Junho de 1853

António de Sousa Bastos (1844-1911), no seu livro "Diccionario do Theatro Portuguez" de 1908 descrevia assim, o "Theatro de D. Fernando":

«Este theatro que existiu no largo de Santa Justa, no local onde depois o Santos 'da louça', da rua da Prata, edificou um prédio, em que de ha muito está estabelecido o Hotel Pelicano, foi mandado construir por uma associação que delle foi emprezaria. 
O Theatro de D. Fernando era mal construído, de má apparencia e com uma sala defeituosa e mal ornamentada. Foi inaugurado a 29 de Outubro de 1849 com o drama Adriana Lecouvreur, representando o pnncipal papel Emilia das Neves e sendo ensaiador Emílio Doux. Entraram também na peça: Domingos Ferreira, Fortunato Levy, Brêa, Magdalena, Matta, Rouão, Gil pae. Amaro e outros. No intervallo do 3.° para o 4º acto, Garrett foi ao palco abraçar a grande Emilia, dizendo-Ihe : «Não se pôde representar melhor!» Garrett tinha visto em França a sublime Rachel.
Apezar de pouco durar a empreza, Emilia das Neves representou com immenso agrado os dramas : 'Simão o ladrão' e 'Castello de Montluivier' e as comedias : 'Um episodio no reinado de Jacques I' e 'O Ramo de violetas'. 
No fim de sete mezes a empreza quebrou. Os artistas quizeram trabalhar em sociedade, explorando o theatro por sua conta ; mas Emilia das Neves não concordou.
Ainda com a direcção de Emilia Doux, o Theatro D. Fernando reabriu a 22 de Julho de 185o, pondo em scena com grande successo a opera-comica 'Barcarola', para o que foram escripturados os artistas : Luiza Persoli, Lisboa, Rorick, Faria, Simões e o Sargedas, que depois foi padre.
N'este theatro trabalharam intercaladamente companhias portuguezas e estrangeiras. D'estas houve uma de comedia franceza, outra de opera cómica também franceza e mais do que uma de zarzuela. Das companhias portuguezas fizeram parte artistas de valor, entre os quaes, os mais notáveis foram : Emilia das Neves, Santos, Faria, Braz Martins, Cezar de Lacerda, Luiza Fialho, Domingos Ferreira, Brêa, Mattn, Anna Cardoso, Sargedas, Rodrigues, Marcolino, etc.
A despeito de todos os attractivos, o publico antipathisou com o theatro e não o frequentava, pelo que houve sempre graves prejuízos. 
O Theatro de D. Fernando foi demolido em 1859.
Não ha muitos annos, na rua do Olival, ás Janellas Verdes foi construído um theatro de madeira, a que também deram a denominação de Theatro de D. Fernando. Pouco tempo durou, tendo apenas chamado concorrência uma revista de Jacobetty, intitulada 'No Trinado do Prior'.»

Nota: uma imprecisão neste texto de Sousa Bastos: o "Theatro de D. Fernando", não «foi demolido em 1859», pois só encerraria definitivamente depois de Abril de 1860, como veremos de seguida.


O "Theatro de D. Fernando" encerraria em final de Abril de 1860, falido. Uma das últimas, senão mesmo a última peça ali representada foi "Les anglaises por rire ou la table et le logement", de Charles Augustin Swerin e Marion Dunersan, representada em 23 de Abril de 1860.

Ali se instalaria um armazém de loiças de Manoel dos Santos, que tinha comprado o prédio a Francisco Rodrigues Batalha, e que ainda existiria até 1864, altura em que viria a sofrer profundas alterações interiores e algumas exteriores. O "novo" edifício não fugiu muito à traça exterior original do "Theatro D. Fernando", Das múltiplas intervenções exteriores de que o prédio foi alvo, posteriormente, os únicos elementos inicialmente construídos e que subsistiram a todas elas foram os cinco arcos que compunham a fachada original, hoje aparentemente desbastados a partir da primeira pedra abaixo da imposta. 



19 de Abril de 1957


9 de Abril de 1959

«Pouco depois foi o prédio comprado a seu dono o negociante Batalha, pelo sr. Manuel dos Santos, honrado e laborioso dono da próxima loja de loiças, vidros, crystaes, e porcelanas, na esquina nordeste da travessa de Santa Justa e da rua da Prata, e agora já fallecido. Serviu o recinto do theatro, a platêa, os camarotes, para armazém do novo dono.
Em 1863 ou 1864 fez este obras consideráveis, e transformou-se tudo aquillo.
No primeiro, segundo e terceiro andar, estabeleceu-se o Hotel Pelicano, (hoje Novo hotel Pelicano); e em baixo aposentou-se a companhia de tabacos denominada de Santa Justa, e de que eram donos os srs. Eduardo Mendia e C.ª. Extinguindo-se em maio de 1882 esta sociedade, passou o prédio a ser deposito da Regalia , successora da de Santa Justa, sendo ainda a familia Santos a proprietária.
Os actuaes donos do prédio são os filhos do fallecido sr. Manuel dos Santos, a senhora D. Maria da Assumpção dos Santos Gil, e os srs. Alfredo João dos Santos, e Augusto Joaquim dos Santos»» in: "Lisboa Antiga" por Julio Castilho  (1885).

Em 1904, já a a empresa, "Companhia de Papel do Prado", tinha adquirido o prédio e lá instalou armazéns, loja e escritórios. Ficou por aqui muitos anos. Em 1945 já só ocupava o nº 278-2º andar. A "Sociedade Pollux, Lda.", nos anos 60 do século XXali se instalou começando por ocupar apenas as lojas do rés-do-chão, e  à medida que os andares foram vagando foi ocupando os mesmos expandindo a sua área de vendas, até ocupar o prédio inteiro. Esta empresa de quinquilharias, bijouterias, cutelarias, brinquedos, etc. vinha da Rua da Palma onde tinha sido fundada em 1936.


Frente para a Rua dos Fanqueiros


1904


1887


1900


Frente para a Rua da Madalena, avistando-se a tabuleta do "Novo Hotel Pelicano"

P'ra que, no proprio titulo se encarne,
tem chegado este hotel, algumas vezes, 
a tirar do seu peito a tenra carne
P'ra a dar depois em bife aos seus freguezes!...


"Pollux" à direita na foto, em noite de procissão no dia de Santo António 13 de Junho de 1960


Edifício da "Pollux", em foto de 2023 (via Google Maps)

Apareceria outro "Theatro de D. Fernando", um modesto barracão de madeira na Rua do Olival às Janellas Verdes nos anos 80 do século XIX. Lá foram representadas, por exemplo, a  revista: "À roda da política", de Julio Rocha e Rio de Carvalho, estreada e representada em 1883, e "Vistorias do diabo" de Jacobetty. Era uma sociedade de artistas modestos, que depois levou à cena a revista "O Reinado do Prior" e a paródia "Niniche Lisbonense", do mesmo autor.


3 de Outubro de 1880

Bibliografia:  Mestrado em Estudos de Teatro "Teatro D. Fernando, Um Teatro de Curto Prazo" da autoria de Bruno Henriques - Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras (2013)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Interessante.
Não sabia que no prédio da "Polux", com construção diferente da pombalina, teria sido um teatro construído no local da antiga igreja de Sta. Justa.
Cumpts.

José Leite disse...

E verdade,

Assim como muita gente não imagina que, no edifício dos antigos "Grandes Armazéns do Chiado", Palácio Barcelinhos, funcionaram 4 hotéis, dos Embaixadores, de L'Europe, Gibraltar e Universal e cuja resenha histórica acabei ontem de fazer e que publicarei brevemente.

Cumprimentos

Valdemar Silva disse...

As suas publicações são verdadeiramente e muito interessantes "Restos de Colecção"

Cumpts.

José Leite disse...

Muito grato, pela gentileza do seu comentário.
Cumprimentos