Abel Pereira da Fonseca era no início do século XX um grande agricultor e empresário que possuía várias propriedades agrícolas na região do Bombarral, tendo fundado a “Companhia Agrícola do Sanguinhal”. Esta Companhia foi criada com a finalidade de administrar as suas propriedades existentes neste concelho do Bombarral e a gerir o negócio dos vinhos. Viria a possuir propriedades noutros concelhos como Cadaval, Alenquer e Torres Vedras.
Vivenda de Abel Pereira da Fonseca, no Bombarral
A casa "Abel Pereira da Fonseca" inseriu-se no universo das grandes áreas de comércio de início do século XX, devendo ser interpretada como parte da sociedade de consumo. A primeira forma de organização comercial designava-se "Abel Pereira da Fonseca & Cª ", sociedade fundada em 1906 por Abel Pereira da Fonseca e Francisco de Assis, na Rua da Manutenção do Estado em Xabregas, Lisboa.
Anúncio de 1898
Como foi atrás mencionado, os primitivos armazéns tinham sido criados na Rua da Manutenção do Estado, em Xabregas no ano de 1906. Em 1910 mudam-se para os armazéns na Rua do Amorim.
Armazéns junto ao rio Tejo, na Rua do Amorim
Entre 1917 e 1930 esta empresa muda de designação, e assim:
1917 - Passa a sociedade por cotas com o nome de "Abel Pereira da Fonseca & Cª, Lda."
1918 - Com a entrada do novo sócio Marcelino Nunes Correia, a designação é alterada de novo para "Abel Pereira da Fonseca, Lda."
1930 - Finalmente, e por último, passa a sociedade anónima de responsabilidade e passa a designar-se "Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca, S.A.R.L."
Em 1930 esta casa comercial tornou-se a maior de Lisboa, constituindo uma "vila", pela contínua expansão de oficinas, armazéns e casas de pessoal. Marcelino Nunes Correia, Manuel e António (seus filhos) e António Pereira da Silva são os gerentes da sociedade.
Em 1937, Abel Pereira da Fonseca vendeu a sua posição accionista na "Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca, S.A.R.L.", à família Nunes Correia que ficou com a totalidade das acções, e transformou a “Companhia Agrícola do Sanguinhal” em sociedade por quotas detidas na totalidade pelo sócio fundador e seus filhos. Esta Companhia ainda hoje existe pertencendo à mesma família.
Durante muitos anos, em toda a zona do Beato e do Poço do Bispo, ouvia-se: «Já cheira a carvalho das aduelas e a vinhos de armazém». A maioria das mercadorias e produtos que abasteciam a cidade de Lisboa chegavam pelo rio Tejo. Também a "Abel Pereira da Fonseca" alicerçou no Tejo a estrutura de circulação para a entrada e escoamento dos seus produtos, exemplo disso a opção tomada no logotipo retratando uma fragata do Tejo.
Pipas de vinho e outras mercadorias a bordo dos varinos, junto ao cais do Poço do Bispo
O primeiro crescimento dos armazéns sobranceiros ao rio, faz-se ao longo da Rua Amorim e em 1917, é construído o novo edifício na Praça David Leandro da Silva, em Marvila.
Instalações na Praça David Leandro da Silva, em 1923 …
… e em 1966
Este belo edifício do genial arquitecto Manuel Joaquim Norte Júnior, foi recuperado pela EXPO '98 no âmbito do projecto “Caminhos do Oriente”, de Sarmento de Matos. Hoje, que está em fase de requalificação pela CML
Fernando Pessoa bebendo o habitual cálice de aguardente, numa das idas ao “Abel”
«Era comum Fernando Pessoa, enquanto se encontrava a trabalhar, levantar-se, pegar no chapéu, ajeitar os óculos e ir até ao “Abel”. Esta simples acção de Pessoa, que se tornou um hábito, intrigou um colega de trabalho do poeta, Luiz Pedro Moitinho de Almeida (segundo Fernando Pessoa - empregado de escritório, do João Rui de Sousa). Esse mesmo colega apercebeu-se, algum tempo depois, que as idas ao “Abel” eram, nada mais, nada menos, que uma ida ao depósito mais próximo da casa Abel Pereira da Fonseca para tomar um cálice de aguardente.» texto in: Companhia Agrícola do Sanguinhal.
Vem aqui a propósito lembrar o sentido de humor de Fernando Pessoa, reproduzindo um texto seu, cujo original manuscrito faz parte
Vá todos os dias ao Abel
Que há em Lisboa nada mais
Vá ao Abel tomar aguardente
Vá ao Abel - Largos das Torneiras
Vá ao Abel p'ra não esquecer
Vá ao Abel tomar aguardente
No interior dos armazéns destaca-se a galeria em betão, espaço onde inicialmente estavam armazenadas pipas e garrafões de vinho, que mais tarde se converteria em área de administração, escritórios e laboratório. Em termos funcionais a estrutura mais imponente e importante foi o conjunto de cento e setenta cubas, com capacidade para mais de vinte milhões de litros, e dos mecanismos de transfega e filtragem.
Painel de Controle “Daubron” e galerias das cubas
Filtro holandês da “Niagaran Filters Europe”
Secção de xaropes e licores
Fotos seguintes de 1928
Quiosque em 1928 Estabelecimento na Rua da Escola Politécnica
1929
Foram criadas as marcas de vinho "Sanguinhal" ,"Menagem" e “Valdor”, assim como a manutenção do fabrico de azeite e vinagre ligados desde sempre à imagem da empresa.
Bar e esplanada dos Vinhos Sanguinhal em Évora
Copo descartável
gentilmente cedido por Carlos Caria
Painéis de azulejos publicitários ainda hoje existentes no Bulhão, na cidade do Porto
Mais tarde são embalados pela empresa produtos anteriormente comercializados a granel como cereais e leguminosas secas. Por isso á criada uma rede de depósitos e distribuição principalmente para o vinho e próximos das áreas produtivas, como Torres Vedras, Dois Portos, Runa, Vila Nova de Gaia, Cartaxo, Bombarral, etc. O armazém central e coordenador desta rede de distribuição era no Poço do Bispo.
Armazéns de vinhos no Cartaxo Armazéns de vinhos em Dois Portos
Fábrica de Álcool em Torres Novas Armazém de vinhos e destilação em Torres Vedras
Outro tipo de bebidas famosas desta casa foram os licores de "A Licorista", fundada em 1896. Mais tarde em 1915 vários empresários reúnem-se e fundam a "Companhia Portuguesa de Licores", localizada nas imediações dos armazéns da "Sociedade Abel Pereira da Fonseca & Cª." e que viria a ser adquirida por esta e transferida para os seus armazéns.
1922 1949
Nos anos 20 do século XX é adquirida a “Empresa Val do Rio, Sucessores Pereira Ticão & C.A"” uma rede de 25 lojas (na altura apelidadas de mercearias) denominadas vulgo por "Val do Rio". Além de serem lojas de atendimento ao público também faziam distribuição ao domicílio num pequeno raio, dentro do respectivo bairro, feita pelos “marçanos” , funcionários da loja, que carregavam a cesta às costas com o pedido entregando em casa do cliente. Nos anos setenta a rede já contava com 140 lojas, sendo pioneira no seu segmento. Estas lojas passaram a ser os primeiros mini-mercados self-service no país.
1911
Estabelecimento “Val do Rio” na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa
Jornal publicitário em 1948
Em 1961 a “Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca, S.A.”, tinha 1.200 funcionários. Em 1974 Manuel Rodrigues dos Santos e Alcino Rodrigues Pinhão passaram a novos proprietários e em 1982 era a 2ª maior empresa de comercialização de vinhos em Portugal.
Esta empresa cessou as suas actividades em 1993. Posteriormente em 1998 a firma cedeu o espaço dos armazéns, à Câmara Municipal de Lisboa, para actividades de reanimação cultural e turística integradas no "Caminho do Oriente", em articulação com a “EXPO 98” e a “AMBELIS” - música ao vivo, arte pública, exposições, passagem de modelos, mostra de gastronomia.
Edifício da antiga “Abel Pereira da Fonseca” na Praça David Leandro da Silva, actualmente
fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Arquivo Municipal de Lisboa, Instituto Camões, Cª Agrícola do Sanguinhal, Garfadas on line
17 comentários:
Caro Sr. José,
Não me canso de ler os seus artigos. Sintéticos q.b., ilustrados com excelentes fotos e ilustrações, enfim, um exemplo do que de melhor se pode fazer na internet.
Os meus sinceros parabéns e os desejos de que todos os dias renove esta sua vontade de nos dar a conhecer mais uns quantos fragmentos na nossa História.
Um Abraço,
Pedro Rodrigues
Caro Sr. Pedro Rodrigues
Fico muito grato e lisonjeado pelas suas amáveis palavras.
Faço o que gosto e tento, sem maçar os leitores e fiéis seguidores, sendo "q.b." transmitir em imagens e textos o que sei e o que também vou aprendendo e buscando noutros excelentes blogues.
Um abraço
José Leite
EXCELENTE !!!!!!!!!!!!!!!
Caro Francisco Palhinhas dos Santos
Grato pelo seu amável comentário
Cumprimentos
José Leite
Bonjour, j'ai un album illustré qui s'appelle "Album illustrado Portuga" Abel Pereida Da Fonseca,Lda. Lisboa.
Il semblerait qu'il soit de 1928. Les textes du debut sont traduit en portugais, Français et Anglais. Ensuite, une photo de Abel Pereira Da Fonseca et de Marcellino Nunes Corréa. Puis le reste, se sont des photos de liqueurs, appétitif, de coopérative, de caves, d'ouvriers etc.. Cela vous intéresse-t-il ? Merci
Sylvie
Beaucoup grâce à votre gentillesse.
Le texte et les images publiées sont suffisantes, donc j'ai besoin de plus.
En tout cas très merci à l'avance une fois de plus sa volonté
Mes compliments
José Leite
Mis felicitaciones, un fantástico e ilustrativo articulo, me ha parecido muy interesante y las fotografías muy ilustrativas, muchas gracias.
O artigo está muito bem feito, com o texto e as figuras integradas de modo muito histórico. Tenho, no entanto, uma dúvida que gostaria que me esclarecesse - a foto de Fernando Pessoa seria neste edifício do Poço do Bispo ou numa das lojas do Abel Pereira da Fonseca na Baixa? Nas biografias de Fernando Pessoa que consultei, não há referência a que Fernando Pessoa tivesse trabalhado naquela zona!
D. Maria José
Muito grato pelo seu amável comentário.
Decerto que deverá ser numa das lojas na Baixa lisboeta, talvez na R. de João Julião ou na Rua dos Fanqueiros, ou outra.
Os meus cumprimentos
José Leite
Abel Pereira da Fonseca, teria dito para um seu filho, na hora da sua morte: " Meu filho, quero dizer-te que também é possível fabricar vinho a partir de uvas..."
É com esta foto de Pessoa que surgiu a célebre frase: apanhado em flagrante delitro.
Excelente
Muito bom! Obrigada.
Segundo me relatou o Sr. Alberto Ivo, (aos 8o anos de idade, em 1978), antigo mecânico da empresa de Transportes Capristanos e inventor do modelo de "Carburador Ivo", Abel Pereira da Fonseca era um senhor que veio do norte, trabalhar para a Quinta das Cerejeiras no Bombarral. O antigo proprietário da Quinta, apreciou tanto a capacidade de trabalho, empreendedorismo e gestão inovadora de Abel, que acabou por fazê-lo seu genro, delegando nele todas as competências; tendo desde então surgido a "Casa Abel", sediada primitivamente na dita Quinta das Cerejeiras onde Abel Pereira da Fonseca passou a residir com a família.
A loja onde Fernando Pessoa ia era na Rua dos Sapateiros.
Essa casa era bastante procurada por uma bebida que na altura combatia a Ginjinha na baixa: o Marujinho.
E é verdade que estava lá a frase: Apanhado em flagrante delitro".
Cheguei a trabalahar nessa loja como em muita outras que pertenciam à cadeia de lojas "Val do Rio".
As embarfcações com pipas de vinho no Poço do Bispo, são Varinos e não fragatas, pelo menos os que estão visiveis.
Muito grato pela correcção, que entretanto já foi efectuada.
Cumprimentos
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