A "Floresta Egypcia" foi inaugurada em 1 de Junho de 1854, nos jardins do palácio dos Morgados de Alagoa (edificado entre 1757 e 1762), na, então, Rua Direita da Fabrica das Sedas (actual Rua da Escola Politécnica), logo a seguir ao edifício da "Real Fábrica das Sedas". Era constituída por grandes jardins onde existia toda a espécie de divertimentos, salas para bailes, concertos, fogos de artifício, montanhas russas, jogos de toda a espécie, carroussel, balanças para pesar, balouços, etc. A entrada custava 160 réis e tudo lá dentro se pagava. Tinha restaurant e café. O empresário do recinto era Jose Osti, com a sua firma "Jose Osti & Companhia", o «pyrothecnico da epocha», que tinha, alegadamente, introduzido a indústria dos fósforos em Portugal, e que já tinha sido empresário do "Jardim Mytologico", inaugurado em 11 de Junho de 1851 na, então, Rua Direita do Calvario, e que tinha encerrado em finais de Setembro de 1854.
17 de Junho de 1854
«O Topo da rua Nova de Santo Antonio para o lado do Rato, é ocupado por um lanço de muro onde se abre um portão. Para dentro ha umas dependencias utilisadas, de ha muito, para cavalariças e cocheiras. Separa-a da quinta, que foi pertença do palacio dos Cruzes Alagoas e que hoje é da viuva Vaz Monteiro, um tosco tapume de madeira. Esse portão e esses terrenos teem a sua historia.» in: "Occidente" (1909).
«Foi a seguir à montagem de uma fábrica de foguetes, ali na praia de Santos em 1849, onde hoje corre a Rua de Vasco da Gama, que o divertissement da Floresta Egipcia começou a funcionar, chamando os saudoso frequentadores do Jardim Chinés e do Tivoli da Flor da Murta que, em 1841, acabara vendendo em leilão todos os seus móveis e utensílios.»
«O jornal Theatros e Assembléas fallava assim dos bailes do entrudo: "Desde a Floresta Egypcia até aos salões da Assembléa Portugueza, desde as primorosas salas do marquez de Vianna até ao Paço, o baile impera e estrepita." No Baile Nacional, à Guia, polkavam as grisettas e os valentões, na Floresta Egypcia mazurkava a caixeirada, divertia-se a burguezia. Esta ultima diversão tinha jardim, salas de baile, salão a que chamavam de crystal, pavilhões dos jogos e dos balouços, montanha russa, cavallinhos como outr'ora no Tivoli da Flôr da Murta, jogos chinezes como no antigo Jardim Chinez, tiros de pistola e de espingarda como no antigo Jardim Mythologico, tudo, tudo desapparecido ha muito, porque, como as rosas de Malherbe, as mais bellas coisas d'este mundo teem o peor destino ...» in: "Lisboa d'Outrora" de Pinto de Carvalho. (1909)
10 de Junho de 1851
A "Floresta Egípcia" situava-se, do ponto de vista conceptual, entre feira popular e recinto de espectáculos. Era um espaço de diversão tão imaginativo como a actividade profissional do seu criador Jose Osti , um pirotécnico italiano, detentor de excelente reputação, o qual soube proporcionar espectáculos coloridos e um animado ambiente de lazer. «Os lisboetas adoravam pavonear-se por ali, a beber capilés e outros refrescos, tentando um namorico ou passeando com a família atrás». Nos dias de semana, a partir das oito da noite, exibiam-se comédias e operetas, ou mesmo óperas, que eram repetidas às quatro horas da tarde aos Domingos.
Do livro "Depois do Terramoto" Subsídios para a história dos bairros ocidentais de Lisboa, Vol II, de Gustavo de Matos Sequeira (1917), onde é descrito pormenorizadamente e primorosamente este recinto, transcrevi alguns textos:
O famoso pirotécnico José Osti era o empresário desse recinto predilecto da burguesia lisboeta. Vejamos quem era José Osti.
José Osti era um italiano engenhoso e cheio de iniciativa, popularíssimo na capital que festejava e aplaudia sempre as suas habilidades pirotécnicas. Foi o primeiro que introduziu em Portugal a indústria dos fósforos, montando uma fábrica desses utilíssimos cooperadores das delícias do fumar, no sítio da Cruz de Pau.
Um dia, em julho de 1842, pegou fogo na fábrica, e os fósforos, cumprindo o seu dever, arderam todos.
Não desanimou José Osti com o desastre, e logo ligou o seu nome a novas emprezas. O Jardim Mitológico de Alcântara fez furor; as iluminações e fogos de artifício no Passeio Público deram brado.
Foi a seguir à montagem de uma fábrica de foguetes, ali na praia de Santos em 1849, onde hoje corre a rua de Vasco da Gama, que o 'divertissement' da Floresta Egípcia começou a funcionar, chamando os saudosos frequentadores do Jardim Chinês e do Tivoli da Flor da Murta que, em 1841, acabara vendendo em leilão todos os seus móveis e utensílios.
Aí por 1851 já funcionava esta espécie de feira vedada a oito vinténs por cabeça, pagos ali ao portão que mostrei ao leitor. Lá dentro novas tentações arrancavam aos visitantes variadíssimas quantias.
O carroussel a montanha russa, o pim-pam-pum, o tiro ao alvo, os jogos chineses e outras diversões, acarretavam novas sobretaxas. Em 1855 inaugurou-se o teatro, no dia 31 de agosto, por sinal. A casa de espectáculos, a que chamavam sala de cristal, por ser toda envidraçada, tinha junto o respectivo café-restaurante e a sala de baile, onde a caixeirada aos domingos polkava e mazurkava desenfreadamente.
Depois seguiu-se-lhe a Companhia Portuguesa Lirico-Dramatica, que não teve mais prosperidades do que a primeira.
Os preços dos lugares no teatro eram os seguintes: camarotes, 1$600 réis; frisas, 1$400 réis; plateia, 240 réis (quês de refrescos, e a orquestra habitual deliciava os ouvidos dos habitues executando, como diziam os cartazes, la 'Marca de Meyerber aux Flanbau', ou outra qualquer, convenientemente estropeada na execução e na ortografia.
Nenhum desastre que eu saiba ocasionou o arrojado divertimento. Já a montanha russa se não pode gabar do mesmo, porque uma vez um desgraçado rapaz, descendo-a no clássico carrinho, partiu ambas as pernas. A tradição oral conservou também memória de outro desastre que custou a vida a um pobre moço, que linha ido passear à Floresta. Uma caixa de fósforos (dos tais fósforos do Osti) incendiou-se-lhe no bolso; houve certo pânico, e um amigo, destes perigosos amigos que o demo inspira, vendo-lhe o fato a arder, pegou nele e atirou-o a um dos lagos. O incêndio extinguiu-se logo, mas o rapaz morreu afogado.
Hoje que resta disso tudo? Nem o menor vestígio; Nem sombra dos lagos, dos pavilhões e do teatro! O terreno, em vez de macadamizado e arruado para o rodopiar dos foliões, acha-se bravio e revolto e entrou de criar couves e alfaces. Deixou de divertir e passou a alimentar.
José Osti morreu há bastantes anos. A casa número 61 da rua nova de Santo António, construiu-a êle para sua habitação. Possue-a agora a sra. D. Maria Augusta Delié Nunes.
Acabado esse divertimento, outro lhe sucedeu na voga. Foi o Jardim de Itália na rua de São Bento que, em 1874 deu festas estrondosas à moda do Minho, e onde os artistas e costureiras bailavam ao ar livre.»
Como foi atrás referido, em 31 de Agosto de 1855 era inaugurado na "Sala de Crystal", que existia nos jardins da "Floresta Egípcia", o Teatro. Foi também seu empresário José Osti. A companhia era dirigida por Francisco Fernandes, que foi actor, empresário de província, maquinista e excelente aderecista e como tal viria a estabelecer-se no Brasil. Da companhia faziam parte a «velha» Ludovina, Maria Jose Fernandes, Amelia, Guilhermina, J. Ramos, Costa (marreco), João Ferreira Sá, Pinto de Campos (tio), Maldonado. A tarefa de "ponto", estava entregue a Costa Braga.
Em 1887 esta Companhia foi substituída pela "Companhia portugueza lyrico-dramatica", assim constituída: Andrade Ferreira, Eduardo Roque, Luiz Lassance, Antonio Apparicio e Carolina d'Oliveira.
O Teatro era todo envidraçado e, como já foi atrás referido, os preços praticados eram os seguintes: camarotes, 1$600 réis; frisas, 1$400 réis; plateia, 240 réis.
Mais uma ideia aproximada de como seria a "Floresta Egypcia". "Diner aux Ambassadeurs", pintura de Jean Béraud
Quanto aos espectáculos exibidos neste Teatro, e continuando a socorrer-me do atrás mencionado livro "Depois do Terramoto" ...
«Em 1S54 deram-se aí concertos de accordeon pelo professor Gasparini e representaram-se comédias e operetas, como 'Antes ceder que morrer', 'Dois Augustos', 'Lord Spleen' e 'A assinatura em branco' estas duas últimas com música do maestro Casimiro. Um tal Spira (em agosto e setembro desse ano) executava, com aplauso dos frequentadores da Floresta, várias peças de música, num instrumento de pau e palha que não sei o que fosse.
O 'Pirata', outro jornal teatral de 1856, nos seus números 1 e 2, anuncia terem principiado os bailes de máscaras na Floresta, com notável sensaboria e ausência absoluta de espírito. No domingo anterior a 6 de janeiro houve mosquitos por cordas na sala de cristal, tendo o público, por lhe desagradar a peça, obrigado os actores a cessar a representação.
Do ano de 1860 tenho nota de alguns espectáculos aí realizados, pelos anúncios nos jornais do tempo.
Em 20 de junho realizou-se no teatro um grande festival pela companhia dos zuavos franceses, em benefício do zuavo Lucien. Representou-se a comédia, num acto. 'Une filie terrible' em que entrava o beneficiado, 'Les quatres ages de Coeur' melodia por Mr. Frederic, e 'Les Deux Aveugles', opereta-bufa.
A abertura do jardim era às 8 horas, e o espectáculo principiava às 9.
Em 28 de julho estreou-se, na sala de cristal, uma companhia ginástica dirigida por Salvador Siciliani, em que se apresentavam quadros vivos e em que se exihia Emília Siciliani como clarividente. Abria, então, o jardim às quatro horas da tarde. Esta companhia, que se compunha de 16 pessoas, ainda dava espectáculos na Floresta em meados de agosto. Depois passou para o Salitre.
Uma das companhias de declamação e canto que aqui funcionou levou à scena a mágica de Joaquim Augusto de Oliveira 'A pedra de toque' que, em 1863, se representou no teatro do Salitre com o título de O magico das Minas No ano de 1861, a actriz mais cotada do teatro da Floresta era a irrequieta Maria Joana, que representou com agrado as comédias 'Marido, mulher e tio', 'O soldado da guerra peninsular' e 'Uma hora no Cacem'. Tinha uma voz bonita e numerosos admiradores.»
6 comentários:
Mais um interessante "restos de colecção", como já nos vem habituando.
Pena as fotografias não estarem datadas.
Cumpts.
Valdemar Silva
Só não coloco datas nas imagens e outros docs por várias razões:
Ou não confio na data indicada
Ou não consigo confirmar, minimamente
Ou não consigo descobrir ...
Tento sempre que possível indicar as datas, o mais completas possíveis, aliás como diz, e bem, venho habituando os leitores.
Grato pelo seu comentário e os meus cumprimentos
José Leite
Gostei de saber. Obrigada.
Cumprimentos
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Eu é que agradeço a gentileza do seu comentário
Cumprimentos
Extraordinário trabalho que, mais uma vez, lhe ficamos a dever. Po favor, continue
Caro Rui Figueiredo
Muito grato pela amabilidade dos seu comentário.
Os meus cumprimentos
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