Restos de Colecção: "Floresta Egypcia" em Lisboa

10 de março de 2024

"Floresta Egypcia" em Lisboa

A "Floresta Egypcia" foi inaugurada em 1 de Junho de 1854, nos jardins do palácio dos Morgados de Alagoa (edificado entre 1757 e 1762), na, então, Rua Direita da Fabrica das Sedas (actual Rua da Escola Politécnica), logo a seguir ao edifício da "Real Fábrica das Sedas". Era constituída por grandes jardins onde existia toda a espécie de divertimentos, salas para bailes, concertos, fogos de artifício, montanhas russas, jogos de toda a espécie, carroussel, balanças para pesar, balouços, etc. A entrada custava 160 réis e tudo lá dentro se pagava. Tinha restaurant e café. O empresário do recinto era Jose Osti, com a sua firma "Jose Osti & Companhia", o «pyrothecnico da epocha», que tinha, alegadamente, introduzido a indústria dos fósforos em Portugal, e que já tinha sido empresário do "Jardim Mytologico", inaugurado em 11 de Junho de 1851 na, então, Rua Direita do Calvario, e que tinha encerrado em finais de Setembro de 1854.


Antiga entrada para a "Floresta Egypcia"


Onde esteve instalada a "Floresta Egypcia" (área delimitada a vermelho), nesta carta topográfica de 1857, ano em que ainda funcionava. Está desenhada a possível "Sala de Crystal"

17 de Junho de 1854


Um ideia aproximada de como seria a "Floresta Egypcia". Aqui em Paris, numa pintura de Jean  Béraud 

«O Topo da rua Nova de Santo Antonio para o lado do Rato, é ocupado por um lanço de muro onde se abre um portão. Para dentro ha umas dependencias utilisadas, de ha muito, para cavalariças e cocheiras. Separa-a da quinta, que foi pertença do palacio dos Cruzes Alagoas e que hoje é da viuva Vaz Monteiro, um tosco tapume de madeira. Esse portão e esses terrenos teem a sua historia.» in: "Occidente" (1909).

«Foi a seguir à montagem de uma fábrica de foguetes, ali na praia de Santos em 1849, onde hoje corre a Rua de Vasco da Gama, que o divertissement da Floresta Egipcia começou a funcionar, chamando os saudoso frequentadores do Jardim Chinés e do Tivoli da Flor da Murta que, em 1841, acabara vendendo em leilão todos os seus móveis e utensílios.» 


"Jardim Chinez", Floresta Egypcia" e "Jardim Mythologico" coexistindo neste anúncio de 12 de Agosto de 1854

«O jornal Theatros e Assembléas fallava assim dos bailes do entrudo: "Desde a Floresta Egypcia até aos salões da Assembléa Portugueza, desde as primorosas salas do marquez de Vianna até ao Paço, o baile impera e estrepita." No Baile Nacional, à Guia, polkavam as grisettas e os valentões, na Floresta Egypcia mazurkava a caixeirada, divertia-se a burguezia. Esta ultima diversão tinha jardim, salas de baile, salão a que chamavam de crystal, pavilhões dos jogos e dos balouços, montanha russa, cavallinhos como outr'ora no Tivoli da Flôr da Murta, jogos chinezes como no antigo Jardim Chinez, tiros de pistola e de espingarda como no antigo Jardim Mythologico, tudo, tudo desapparecido ha muito, porque, como as rosas de Malherbe, as mais bellas coisas d'este mundo teem o peor destino ...» in: "Lisboa d'Outrora" de Pinto de Carvalho. (1909)

10 de Junho de 1851

A "Floresta Egípcia" situava-se, do ponto de vista conceptual, entre feira popular e recinto de espectáculos. Era um espaço de diversão tão imaginativo como a actividade profissional do seu criador Jose Osti , um pirotécnico italiano, detentor de excelente reputação, o qual soube proporcionar espectáculos coloridos e um animado ambiente de lazer. «Os lisboetas adoravam pavonear-se por ali, a beber capilés e outros refrescos, tentando um namorico ou passeando com a família atrás». Nos dias de semana, a partir das oito da noite, exibiam-se comédias e operetas, ou mesmo óperas, que eram repetidas às quatro horas da tarde aos Domingos.


Mais duas ideias aproximadas de como seria a "Floresta Egypcia". Aqui em Paris, "Le Bal Élysée-Menilmontant " e "Le Bal Public Élysée-Menilmontant " , pinturas de Jean  Béraud 



Onde esteve instalada a "Floresta Egypcia", no que restava do jardim, à direita na foto

Do livro "Depois do Terramoto" Subsídios para a história dos bairros ocidentais de Lisboa, Vol II, de Gustavo de Matos Sequeira (1917), onde é descrito pormenorizadamente e primorosamente este recinto, transcrevi alguns textos:

«Nunca ouviu o leitor falar da Floresta Egípcia? Pois foi exactamente ai a entrada e o sítio desse popular  divertimento, que recreou a Lisboa de há cinquenta anos.
O famoso pirotécnico José Osti era o empresário desse recinto predilecto da burguesia lisboeta. Vejamos quem era José Osti.
José Osti era um italiano engenhoso e cheio de iniciativa, popularíssimo na capital que festejava e aplaudia sempre as suas habilidades pirotécnicas. Foi o primeiro que introduziu em Portugal a indústria dos fósforos, montando uma fábrica desses utilíssimos cooperadores das delícias do fumar, no sítio da Cruz de Pau.
Um dia, em julho de 1842, pegou fogo na fábrica, e os fósforos, cumprindo o seu dever, arderam todos.
Não desanimou José Osti com o desastre, e logo ligou o seu nome a novas emprezas. O Jardim Mitológico de Alcântara fez furor; as iluminações e fogos de artifício no Passeio Público deram brado.
Foi a seguir à montagem de uma fábrica de foguetes, ali na praia de Santos em 1849, onde hoje corre a rua de Vasco da Gama, que o 'divertissement' da Floresta Egípcia começou a funcionar, chamando os saudosos frequentadores do Jardim Chinês e do Tivoli da Flor da Murta que, em 1841, acabara vendendo em leilão todos os seus móveis e utensílios.
Aí por 1851 já funcionava esta espécie de feira vedada a oito vinténs por cabeça, pagos ali ao portão que mostrei ao leitor. Lá dentro novas tentações arrancavam aos visitantes variadíssimas quantias.
O carroussel a montanha russa, o pim-pam-pum, o tiro ao alvo, os jogos chineses e outras diversões, acarretavam novas sobretaxas. 
Em 1855 inaugurou-se o teatro, no dia 31 de agosto, por sinal. A casa de espectáculos, a que chamavam sala de cristal, por ser toda envidraçada, tinha junto o respectivo café-restaurante e a sala de baile, onde a caixeirada aos domingos polkava e mazurkava desenfreadamente.
A primeira companhia que representou neste teatro tinha como emprezário Francisco Fernandes, actor aderecista que veio a falecer no Brasil. Dela fazia parte o velho actor Pinto de Campos.
Depois seguiu-se-lhe a Companhia Portuguesa Lirico-Dramatica, que não teve mais prosperidades do que a primeira.
Os preços dos lugares no teatro eram os seguintes: camarotes, 1$600 réis; frisas, 1$400 réis; plateia, 240 réis (quês de refrescos, e a orquestra habitual deliciava os ouvidos dos habitues executando, como diziam os cartazes, la 'Marca de Meyerber aux Flanbau', ou outra qualquer, convenientemente estropeada na execução e na ortografia.


Ideia aproximada de como seria um espectáculo na "Floresta Egypcia". Aqui em Paris, "Le Spectacle et l'orchestre à l'Alcazar d’été",  pintura de Jean  Béraud 

Em 1855 inaugurou-se na Floresta um outro atractivo. Nada mais nada menos do que o perigoso 'Looping the Loup' que não há muito ainda constituiu uma excelente fonte de receita para a empreza do Coliseu dos Recreios, sendo aceito como absoluta novidade. Pois, já há cinquenta anos, fez esse mesmo acrobatismo scientífico as delícias dos alfacinhas, Tinha-se executado pela primeira vez, nove anos antes, em setembro de 1846, no Havre, nos jardins de Mr. Frascati, com a assistência do Ministro dos Trabalhos Públicos, Mr. Dumou. A 'Ilustração Francesa' desse mês e ano traz do caso minuciosa descripção.
Nenhum desastre que eu saiba ocasionou o arrojado divertimento. Já a montanha russa se não pode gabar do mesmo, porque uma vez um desgraçado rapaz, descendo-a no clássico carrinho, partiu ambas as pernas. A tradição oral conservou também memória de outro desastre que custou a vida a um pobre moço, que linha ido passear à Floresta. Uma caixa de fósforos (dos tais fósforos do Osti) incendiou-se-lhe no bolso; houve certo pânico, e um amigo, destes perigosos amigos que o demo inspira, vendo-lhe o fato a arder, pegou nele e atirou-o a um dos lagos. O incêndio extinguiu-se logo, mas o rapaz morreu afogado.
Hoje que resta disso tudo? Nem o menor vestígio; Nem sombra dos lagos, dos pavilhões e do teatro! O terreno, em vez de macadamizado e arruado para o rodopiar dos foliões, acha-se bravio e revolto e entrou de criar couves e alfaces. Deixou de divertir e passou a alimentar.
José Osti morreu há bastantes anos. A casa número 61 da rua nova de Santo António, construiu-a êle para sua   habitação. Possue-a agora a sra. D. Maria Augusta Delié Nunes.
Acabado esse divertimento, outro lhe sucedeu na voga. Foi o Jardim de Itália na rua de São Bento que, em 1874 deu festas estrondosas à moda do Minho, e onde os artistas e costureiras bailavam ao ar livre.»


"Floresta Egípcia" e alguns outros divertimentos populares em 1855


30 de Agosto de 1856


11 de Setembro de 1856

Como foi atrás referido, em 31 de Agosto de 1855 era inaugurado na "Sala de Crystal", que existia nos jardins da "Floresta Egípcia", o Teatro. Foi também seu empresário José Osti. A companhia era dirigida por Francisco Fernandes, que foi actor, empresário de província, maquinista e excelente aderecista e como tal viria a estabelecer-se no Brasil. Da companhia faziam parte a «velha» Ludovina, Maria Jose Fernandes, Amelia, Guilhermina, J. Ramos, Costa (marreco), João Ferreira Sá, Pinto de Campos (tio), Maldonado. A tarefa de "ponto", estava entregue a Costa Braga.

Em 1887 esta Companhia foi substituída pela "Companhia portugueza lyrico-dramatica", assim constituída: Andrade Ferreira, Eduardo Roque, Luiz Lassance, Antonio Apparicio e Carolina d'Oliveira.

O Teatro era todo envidraçado e, como já foi atrás referido, os preços praticados eram os seguintes: camarotes, 1$600 réis; frisas, 1$400 réis; plateia, 240 réis.

Mais uma ideia aproximada de como seria a "Floresta Egypcia". "Diner aux Ambassadeurs", pintura de Jean  Béraud 

Quanto aos espectáculos exibidos neste Teatro, e continuando a socorrer-me do atrás mencionado livro "Depois do Terramoto" ...

«A Revista dos Espectáculos, jornal teatral que se publicou em Lisboa de 1850 a 1855, dá-nos algumas notícias teatrais deste recinto de folguedos populares.. 
«Em 1S54 deram-se aí concertos de accordeon pelo professor Gasparini e representaram-se comédias e operetas, como 'Antes ceder que morrer', 'Dois Augustos', 'Lord Spleen' e 'A assinatura em branco' estas duas últimas com música do maestro Casimiro. Um tal Spira (em agosto e setembro desse ano) executava, com aplauso dos frequentadores da Floresta, várias peças de música, num instrumento de pau e palha que não sei o que fosse.
O 'Pirata', outro jornal teatral de 1856, nos seus números 1 e 2, anuncia terem principiado os bailes de máscaras na Floresta, com notável sensaboria e ausência absoluta de espírito. No domingo anterior a 6 de janeiro houve mosquitos por cordas na sala de cristal, tendo o público, por lhe desagradar a peça, obrigado os actores a cessar a representação.
Do ano de 1860 tenho nota de alguns espectáculos aí realizados, pelos anúncios nos jornais do tempo.
Em 20 de junho realizou-se no teatro um grande festival pela companhia dos zuavos franceses, em benefício do zuavo Lucien. Representou-se a comédia, num acto. 'Une filie terrible' em que entrava o beneficiado, 'Les quatres ages de Coeur' melodia por Mr. Frederic, e 'Les Deux Aveugles', opereta-bufa.
A abertura do jardim era às 8 horas, e o espectáculo principiava às 9.
Em 28 de julho estreou-se, na sala de cristal, uma companhia ginástica dirigida por Salvador Siciliani, em que se apresentavam quadros vivos e em que se exihia Emília Siciliani como clarividente. Abria, então, o jardim às quatro horas da tarde. Esta companhia, que se compunha de 16 pessoas, ainda dava espectáculos na Floresta em meados de agosto. Depois passou para o Salitre.
Uma das companhias de declamação e canto que aqui funcionou levou à scena a mágica de Joaquim Augusto de Oliveira 'A pedra de toque' que, em 1863, se representou no teatro do Salitre com o título de O magico das Minas No ano de 1861, a actriz mais cotada do teatro da Floresta era a irrequieta Maria Joana, que representou com agrado as comédias 'Marido, mulher e tio', 'O soldado da guerra peninsular' e 'Uma hora no Cacem'. Tinha uma voz bonita e numerosos admiradores.»


13 de Julho de 1857

«Para os que não assistiram ás festas do Tivoli a Floresta Egypcia é o melhor divertimento de verão que Lisboa tem possuído; não só a sociedade que o frequenta é de ordinário escolhida e da melhor esphera, mas tudo parece reunir-se para que sejam agradáveis as noites passadas n'aquelle grande jardim illuminado a giorno abundante em jogos, enriquecido pela já histórica montanha egypcia, espécie de caminhos de ferro mais vagarosos talvez, mas que sairam mais baratos ao povo.
Pelo carnaval as salas de baile preparadas ad hoc recebem uma quantidade infinita de mascaras e de visitadores. São ao todo nove salas, a maior parte d'ellas pequenas, onde n'essas noites é quasi impossível transitar, quanto mais dar rendez-vous a alguém. Os rendez-vous de ordinário teem legar nas salas do rez-de-chaussée, n'algum dos gabinetes do botequim, ou no salão térreo, que precede a sala de crystal que não é mais nem menos do que um prédio de vidro, que serve de theatro, de sala, de tudo que se precise!» in: "A Vida em Lisboa" de Julio Cesar Machado, Vol I de 1901.


Mais uma ideia aproximada de como seria a "Floresta Egypcia". "Le Jardin de Paris sur les Champs-Élysées en 1898", pintura de Jean  Béraud 

Após a morte de José Osti a sua viúva, juntou-se com um sócio, continuou a explorar a mesma empresa "Jose Osti & Companhia". A falta do antigo empresário apressou a decadência do estabelecimento. Mais tarde, no teatro só representavam amadores e depois de prévio aluguer. A novidade do "Caffé-Concerto", inaugurado em 26 de Dezembro de 1857, no Largo da Abegoaria (actual Largo Rafael Bordallo Pinheiro), ao Chiado, vibrou-lhe o golpe de misericórdia, vindo a encerrar, falido, em 1859.


Último anúncio publicitário da "Floresta Egypcia" em 15 de Janeiro de 1859


No edifício à direita, onde está o transeunte, funcionou o "Caffé Concerto", seguido do famoso "Casino Lisbonense" a partir de 6 de Novembro de 1864

Em 12 de Junho de 1874, abriria o "Jardim d'Italia", na Rua de S. Bento, nº 222. Mais modesto e em quase tudo bem diferente e menos espectacular. Como anunciavam, basicamente serviço de restaurant e "Bailes Campestres" aos Sábados e Domingos, mas fica aqui a referência com foto da entrada e respectiva publicidade.


12 de Junho de 1874


Entrada para o "Jardim d'Italia", no nº 222 entre a "Ourivesaria e Relojoraia Oliveira"  e o "Deposito da Drogaria Teixeira"


20 de Junho de 1874

6 comentários:

Valdemar Silva disse...

Mais um interessante "restos de colecção", como já nos vem habituando.
Pena as fotografias não estarem datadas.
Cumpts.
Valdemar Silva

José Leite disse...

Só não coloco datas nas imagens e outros docs por várias razões:
Ou não confio na data indicada
Ou não consigo confirmar, minimamente
Ou não consigo descobrir ...

Tento sempre que possível indicar as datas, o mais completas possíveis, aliás como diz, e bem, venho habituando os leitores.
Grato pelo seu comentário e os meus cumprimentos
José Leite

Majo Dutra disse...

Gostei de saber. Obrigada.
Cumprimentos
************;

José Leite disse...

Eu é que agradeço a gentileza do seu comentário
Cumprimentos

Rui Figueiredo disse...

Extraordinário trabalho que, mais uma vez, lhe ficamos a dever. Po favor, continue

José Leite disse...

Caro Rui Figueiredo

Muito grato pela amabilidade dos seu comentário.
Os meus cumprimentos