A meio do século XIX, a maior fábrica do sector têxtil (e a maior de Lisboa) era a "Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense", fundada em 1838. Conforme se indica no relato, que a direcção elaborou para a "Exposição Industrial Portugueza com uma Secção Agrícola" que se realizou na Av. da Liberdade em 1888, fora criada, por «um grupo de negociantes de Lisboa», em que se destacavam José Machado e José Soares de Faria, e um antigo fabricante, António Pereira Guimarães, que seria o único a permanecer na direcção.
À época da sua fundação, as actividades da fábrica estavam separadas. A fiação fazia-se no filatório de algodão situado no Palácio do Malheiro, em São Sebastião da Pedreira, que havia pertencido a António Pereira de Guimarães, a tecelagem, por seu turno, funcionava em paralelo no Palácio dos Condes de Camaride e na fábrica da antiga firma "Pomé e C.ª", ao Campo Pequeno.
A fábrica levou anos a montar. No princípio de 1840, com a fiação a funcionar, mal, num edifício alugado, os accionistas teriam começado a reclamar em coro: «Vapor! Vapor! Máquinas a Vapor!», pedido que a direcção satisfará, com evidente alegria, numa bela manhã de Agosto de 1840: a bordo do navio-vapor alemão "Austerlitz Sonne", entrava pelo Tejo uma das primeiras máquinas de vapor a aparecer no País. Alguns anos depois, insatisfeitos com o velho casarão de Xabregas, entre 1846-1847 a direcção da Companhia decidiu construir um edifício de raiz para instalar a fiação e a tecelagem, escolhendo uns terrenos situados em Santo Amaro junto a Alcântara, comprados ao Conde da Ponte para edificar a nova fábrica.
Descrição da empresa na "Revista Universal Lisbonense" de 24 de Fevereiro de 1842
As mesmas instalações já ocupadas pela "Companhia Portuguesa de Pesca", fundada em 9 de Julho de 1920
O projecto do edifício foi dada autoria do arquitecto português João Pires da Fonte, que com esta construção introduziu em Lisboa o «modelo inglês das fábricas incombustíveis, de espaços racionalizados e organizados segundo uma lógica produtiva, adaptada à engenharia têxtil e com utilização de pedra nas fachadas, e de ferro, na estrutura interna, como material de construção e suporte de pisos»
A fábrica da "Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense", em Santo Amaro foi inaugurada em 4 de Abril de 1849, constituindo-se num edifício rectangular, dividido por quatro pisos, com uma gigantesca chaminé e albergando uma máquina a vapor, com uma potência de 90 cv: só por si, constituía 10 % de toda a energia de vapor existente no País. Esta servia tanto a fiação como a tecelagem, cujos sectores se interligavam dentro do edifício.
17 de Setembro de 1949
Entre 1851 e 1855, a companhia mandou construir mais cinco edifícios, junto ao edifício principal, para que aí se instalassem máquinas de fiação e teares mecânicos em ferro, que estavam dispersos em outras zonas da cidade. Este conjunto ficou conhecido como "Fábrica Pequena". Cerca de 1900, este conjunto foi aumentado com a edificação da "Oficina Nova", para integrar 240 novos teares, e três anos depois, a fábrica possuía já luz eléctrica.
Depois de um período difícil, durante os anos da guerra civil nos EUA, a "Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense", retomou a sua produção em pleno, atravessando, na década de 1870, uma fase florescente. Em 1881, o seu capital era de 1.000 contos de réis, dividido por várias centenas de accionistas, onde sobressaíam as famílias Pereira Caldas e Palmeirim. Empregava 850 operários, que se dedicavam ao fabrico de fios crus e várias espécies de tecidos - sarjas, toalhas, colchas, chitas, gangas, riscados, etc. Contava com 8 empregados administrativos, repartidos entre o escritório e as suas duas fábricas. Os seus produtos, com a marca registada «Estrela da Lisbonense» eram famosos em Lisboa e no país, onde rivalizavam com os algodões do Porto.
No catálogo da "Exposição Portugueza no Rio de Janeiro", em 1879
A tecelagem era feita em Santo Amaro (Lisboa), a tinturaria numa fábrica em Olho de Boi (Almada) e a fiação em ambas. A potência dos motores instalados em Santo Amaro totalizava 300 cv. Possuía 15 700 fusos e 387 teares mecânicos. Era administrada por seis directores, encabeçados, há muito, por Isidoro Moura de Carvalho, visconde de Carriche.
Por essa altura já a Companhia tinha estabelecido uma Caixa Económica para os trabalhadores. Também viria a construir, em Santo Amaro, um dos primeiros bairros operários do nosso país, na década de 50 do século XIX. Casas para 62 famílias, com frente para a Rua 1º de Maio e traseiras para os terrenos da fábrica. Estabeleceu também no seu recinto, uma escola de instrução primária para os seus aprendizes, cujo funcionamento foi intermitente, assim como creches para os filhos dos operários e um corpo de bombeiros. (in Dicionário da História de Lisboa, dir. de Francisco Santana e Eduardo Sucena)
Com a implantação da República, a "Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense", que gozou de excelente prestígio e situação financeira até 1910, começou a ter os primeiros problemas, agravados com a crise de 1917. A unidade fabril acabaria por se dissolver, e os edifícios de Santo Amaro foram vendidos, primeiro à empresa "Companhia Industrial de Portugal e Colónias", depois à tipografia "Anuário Comercial de Portugal".
Nos últimos anos o complexo fabril estava nas mãos da "Mirandela - Artes Gráficas, S.A.", que vendeu aquela área de 23 mil metros quadrados à empresa "MainSide", no âmbito do projecto imobiliário "Alcântara XXI".
Assim, enquanto o espaço esperava pela construção de habitações e comércio a empresa decidiu arrancar com a "Lx Factory", onde agora estão mais de 30 companhias, desde uma livraria a produtoras e cafés, «para não deixar o espaço ao abandono». Sofreu «apenas pequenos reparos», deixando as marcas do tempo visíveis.
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Almada Virtual
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