A “Sorefame - Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas, Lda.” foi fundada oficialmente por Henrique Araújo Sommer (1886-1944) e o engenheiro Ãngelo Fortes (1908-1959) em 23 de Julho de 1943, resultado do agrupamento de várias sociedades nacionais que trabalhavam na concepção e fabrico de equipamentos metalomecânicos, tendo sido instalada na periferia agrícola da Amadora, nos arredores de Lisboa, concentrando e centralizando assim numa única unidade todos os recursos nacionais nesta área industrial.
«…trata-se ao fim e ao cabo, de conferir ao País uma preparação acelerada de conhecimentos de técnica e de tecnologia industriais, por forma a vencermos com sucesso o período transitório de adaptação, consentido pela passagem do neo-mercantilismo existente na Europa ao neo-liberalismo que reinará adentro da zona do Mercado Comum Europeu se, pelo seguimento dos acontecimentos, se verificar a necessidade, a vantagem ou a obrigação de nele participarmos.» - citação do fundador da “Sorefame”, o engenheiro Ângelo Fortes, no “2º Congresso da Industria Portuguesa”, a 3 de Junho de 1957, catorze anos após a fundação da empresa e trinta anos antes da adesão de Portugal à “Comunidade Económica Europeia”, hoje “União Europeia”.
Anúncio de 1954
Com a II Guerra Mundial em pleno curso e com o país a atravessar uma profunda crise e recessão económica, o regime do Doutor Oliveira Salazar decidiu dar um novo impulso de modernização à obsoleta e frágil indústria portuguesa. Foi num clima de desemprego e fome e de uma enorme taxa de analfabetismo que em 1943 se fundou a, então, mais moderna fábrica de metalo-mecânica pesada do país.
Amadora nos anos 40 do século XX
Complexo da “Sorefame”
Com uma produção orientada essencialmente para o mercado interno, a empresa iniciou as suas exportações em 1951, com o fornecimento das comportas para a barragem de Bin-el-Ouidane, em Marrocos. Não querendo dedicar-se exclusivamente ao fabrico de um único tipo de equipamentos decidiu estrear-se na produção do equipamento das respectivas centrais eléctricas, fabricando e montando turbinas hidráulicas e alternadores de diversos tipos. Ao longo dos anos 50 do século XX, a “Sorefame” continuou a alargar o seu leque de actividades, com a construção de equipamentos para as indústrias química e petrolífera e o fabrico de estruturas para pontes, caldeiras, reservatórios, etc.
Baseada nos mesmos princípios estratégicos, a “Sorefame”, desenvolveu e estabeleceu outras áreas de negócios. Como corolário do plano de electrificação da rede nacional de caminhos de ferro da “CP - Caminhos de Ferro Portugueses”, surge a oportunidade de uma nova actividade industrial, especializada em material circulante ferroviário. A área de negócio do «Material Circulante» para caminhos de ferro teve início em 1952, com base numa estratégia de produto e num plano de desenvolvimento da actividade bem definidos.
Com base na licença da “Budd Company”, a “Sorefame” inicia a produção dos primeiros comboios feitos em caixa de aço inoxidável canelado e soldado por electrólise segundo a patente original dos norte-americanos. No sector hídrico, participa na construção de barragens no Irão, Sudão e Angola.
Fabrico e montagem das carruagens “Budd”
Anúncio em 1956
Acerca deste tipo de carruagem “Budd” consultar artigo, neste blog, no seguinte link: “Construção da Carruagem Budd - “Flecha de Prata”.
A “Sorefame” foi o principal construtor ferroviário em Portugal, pois das suas instalações saíram locomotivas e automotoras térmicas e eléctricas, assim como carruagens, furgões e vagões. Forneceu essencialmente os “Caminhos de Ferro Portugueses” , assim como outros operadores como “Sociedade Estoril”, “Metropolitano de Lisboa” e “Metro do Porto”, além de outros operadores ferroviários das antigas colónias portuguesas em África e redes de outros países.
Embarque no navio “Arraiolos” de composições “Budd”, no cais de Alcântara em Lisboa com destino a Angola
1958
Locomotiva eléctrica “Sorefame”, de 1962
Composições da Linha Lisboa-Cascais explorada pela “Sociedade Estoril”
Sorefame/GEC 3200 da “Sociedade Estoril” Sorefame/GEC 3100, da “Sociedade Estoril”
Unidade tripla eléctrica “Budd” UTE 2000, da linha de Sintra, em 1957
Muito do material circulante foi concebido e construído por trabalhadores portugueses, mediante muitas vezes sob licença dos maiores construtores mundiais, como “Alstom”, “Bombardier”, “Siemens”, “Brissoneau & Lotz”, “English Electric”, entre muitos outros.
Locomotiva diesel “Brissoneau & Lotz” série 1200, de 1961
1962
Locomotiva a diesel “Alstom” DE8B
A “Sorefame” alargaria a sua a sua área de acção para Angola, na cidade do Lobito. A “Sorefame de Angola” ,no Lobito, além de oficinas de metalomecânica pesada, tinha como actividade mais permanente a reparação e construção naval semi-ligeira como: rebocadores, arrastões, bacalhoeiros, etc. Durante a guerra civil a “Sorefame de Angola” trabalhou para o MPLA no estaleiro do Lobito, construindo carros blindados.
Estaleiros Navais da “Sorefame Angola”, no Lobito a quando da visita do Governador Geral de Angola
Exemplos de embarcações construídas pelos estaleiros
Rebocador «Miranda Guedes», de 1968 Navio «Goa» para pesquisas de pescas, de 1967
Este estaleiros, Inicialmente designados por “Sorefame de Angola”, mais tarde com as nacionalizações, passaram a chamar-se “Estalnave”. Em Fevereiro de 1976 foi criada a “Lobinave”, sociedade por quotas detidas pelo estado através da “Estalnave” (66%) e o restante pela “Lisnave Internacional”, a qual começou a funcionar em 1997.
Na década de 60 do século XX, a “Sorefame”, chegou a tentar fazer uma incursão no caravanismo, que estava despontando e em franca expansão, pelo chegou a fabricar um modelo de roulotte (ou caravana).
Roulotte (ou caravana)
Acerca desta roulotte e do campismo em Portugal, consultar neste blog o seguinte link: “Roulotte e Campismo”
Durante a década de 60, a empresa participa na construção da primeira travessia lisboeta sobre o Tejo, a “Ponte Salazar” e fica encarregue do fabrico das automotoras do novo Metropolitano de Lisboa, do qual recebe então as primeiras encomendas. Em 1969, a “Sorefame” atinge o seu auge nesta área ao fazer parte do projecto da “Barragem de Cabora Bassa”, em Moçambique, que se concluiu em 1974.
Primeiras composições do “Metropolitano de Lisboa” , as “ML 7”, modelo de 1959
Durante a década de 70 do século XX, a empresa apresentava-se tecnologicamente muito avançada, dispondo de moderno centro informático de cálculo, um vasto gabinete de estudos e projectos de engenharia, laboratórios de investigação, simulação em modelo, certificação de processos e pessoal; deixa, contudo, de poder competir com outras empresas internacionais, principalmente devido ao clima de instabilidade política vivida após a revolução de 25 de Abril 1974.
Na década de 80 do século XX, fabrica 58 carruagens semelhantes ao modelo VTU-78 da série Corail da operadora “Société Nationale des Chemins de Fer Français”, mas utilizando caixas em aço canelado, devido ao facto de já ter fabricado material circulante com este tipo de construção; estas novas carruagens entraram ao serviço em 1987, nos comboios Alfa da companhia dos “Caminhos de Ferro Portugueses”.
A “Sorefame” entra na década de 90 do século XX, sob os auspícios da criação do Grupo SENETE (Sistemas de Energia, Transportes e Equipamentos). Este grupo agrega, além da “Sorefame”, a privada “Mague” e a multinacional “Asea & Brown Boveri (ABB)”, a qual passa a deter posição dominante no grupo (40%). Daqui resulta a separação da área da hidromecânica em relação à restante estrutura produtiva da empresa. A “Sorefame” passa a dedicar-se em exclusivo à produção de material circulante para os caminhos-de-ferro e em 1994 passa na totalidade para as mãos da ABB.
Medalha comemorativa do 50º aniversário da “Sorefame”
Em 1996, através de uma fusão com a alemã “Daimler-Benz”, é formado o grupo “Ad Tranz”. É então pela mão desta nova conjuntura empresarial que se dá a introdução, em 1997, da robotização e corte e soldadura por laser, no meio de profundas reestruturações e reajustes necessários de modo a preparar a “Sorefame” para desafios tecnológicos à altura de novos tempos. É assim, dotada de uma nova mentalidade e infra-estrutura que a “Sorefame” fabrica as novas unidades eléctricas para a Linha de Sintra e executa a montagem de novas locomotivas “Siemens” e dos comboios da “Alstom” para a nova travessia ferroviária sobre a Ponte 25 de Abril. É também parte integrante do consócio “Fiat-Pendoluso” que construiu os comboios pendulares fornecidos pela “Fiat Ferroviaria” à CP.
Linha de fabrico equipada com robots de soldadura por resistência e um modelo RobCAD de programação
Comboio “Alstom” para a Fertagus Comboio “Fiat” Pendular
Em 2000, a “ABB” vende as participações que lhe restam da ex-“Sorefame”, ficando a “Daimler-Benz” dona de toda a empresa, muito embora essa situação fosse uma mera transição para o que se iria passar um ano depois. Em 2001, a multinacional canadiana “Bombardier” adquire a totalidade do grupo “Ad Tranz” e consigo as instalações da Amadora. Com o fabrico das novas composições para o “Metro do Porto” e de novas unidades eléctricas para a CP, utilizadas nos suburbanos do Grande Porto, a empresa que resta da “Sorefame” deu o seu último contributo no que toca a contratos e actividades ligadas aos caminhos-de-ferro.
Metro do Porto
Unidade Múltipla Eléctrica para CP, plataforma CP 2000, em 2002
A “Sorefame - Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas, S.A.”, ou melhor, a ex-“Sorefame” é extinta em 2004, e encerra ao fim de 61 anos de existência …
Comecei este artigo com uma citação de 1957, e termino com outra mais actual:
«… Para o investidor financeiro, a questão estratégica é a comparação de remunerações para o seu capital. Para o empresário, a questão estratégica é a comparação de competitividade. … A localização ou a nacionalidade dos centros de decisão empresariais não dependem da imposição de restrições aos movimentos de capitais ou da promessa que as posições accionistas não serão transaccionadas. O que determina onde estão os centros de decisão é a posse ou o domínio de uma competência: quem satisfizer este critério será “dono da sua casa”, onde quer que esteja.» citação de José Manuel de Mello, decano dos empresários portugueses à revista “Ideias e Negócios”, em Dezembro de 2002.
fotos in: Hemeroteca Digital, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), Instituto de Investigação Científica Tropical
17 comentários:
Muito. Muito bom.
A última citação é uma falácia, porém. A competência falhou à Sorefame? Só se foi a de podermos nacionalmente mandar nela. Mau prenúncio para TAP, que se vê, aliás, da Telecom...
Ano Bom!
P.S.: a barragem que os portugueses fizeram, pagaram, e doaram, chama-se Cabora Bassa desde que a começaram.
Caro "Bic Laranja"
Grato pelo seu comentário, e pela correcção.
Um Bom Ano de 2015 para si
Os meus cumprimentos
José Leite
Fabuloso artigo!
Caro Francisco Santos
Muito agradecido pelas suas amáveis palavras.
Os meus cumprimentos
José Leite
Caro José Leite,
problema de saúde impediu-me de vir aqui desejar-lhe e a todos os seus um Feliz Natal.
Desejo-lhe agora que o Novo Ano lhe traga muitas Felicidades e Saúde.
Bem haja,
João Celorico
Caro João Celorico
Lamento que a sua ausência se deva a motivos de saúde, que espero já estejam ultrapassados.
Muito agradeço a gentileza dos seus votos e um Ano Novo feliz que retribuo para si e sua família.
Um abraço
José Leite
Caro José Leite
Como sempre nos vem habituando... grandes artigos, grandes nomes da nossa antiga Industria pesada.
Conheci de perto a SOREFAME dos anos 40 e finais de 50. Trabalharam nessa firma familiares meus, uns na parte administrativa outros na produção.
Vou enviar este artigo para eles recordarem, decerto vão adorar.
Um bom ANO de 2015 com saúde e boa harmonia.
Um abraço
APS
Caro Agostinho
Muito grato pela sua habitual simpatia e deferência para com o meu trabalho.
Aproveito para lhe endereçar, também, os meus votos de Feliz Ano de 2015 para si e todos os seus.
Abraço
José Leite
Não existem muitas imagens do antigo farol da Gibalta em Caxias e eis que dou de caras com uma. Foi este que foi demolido após o fatídico acidente. Obigado.
Muito bem feito mas falta referenciar a Sorefame - Amora (Divisão de Equipamentos Industriais) onde foram executados todos os depósitos da Sacor, Esso, também em Angola (Sonangol) e muitas outras coisas que, suponh, existam também nos arquivos da Sorefame.
Este é o quarto grande artigo de que tomo conhecimento: Companhia das Lezírias,
Fábrica de Cerveja Portugália, Caminhos de Ferro Portugueses e Sorefame!
Grata pela perfeição de textos, fotos elucidativas...bem haja.
Irene Vieira
21/01/16
D. Irene Vieira
Muito grato não só pela sua visita como pelas suas amáveis palavras.
Os meus cumprimentos
José Leite
Caro José Leite,
Por mera curiosidade fiz uma pesquisa por "Sorefame" e encontrei este seu artigo tão interessante. Não só pelo resumo/história, muito bem feito, mas pelo facto de nele incluir fotografias onde aparece o meu Avô: Engº. Eduardo Magalhães, em tempos Presidente do Conselho de Administração da Sorefame e hoje com 99 Anos e de óptima saúde.
Parabéns e cumprimentos.
Filipe Magalhães
Caro Filipe WM
Grato pela amabilidade das suas palavras.
99 anos ... belíssima idade e com «óptima saúde» melhor ainda.
Os meus cumprimentos
José Leite
Alguém saberia me dizer se o Acervo Técnico da Sorefame foi preservado? Necessito de um arquivo e estou em busca de um milagre de talvez encontrar.
Paulo Sergio
São Paulo - Brasil
018 3997 9614
43 9 9961 0815 - após 18 hs
Exmº sr.Leite
O artigo é muito bom. Mas, segundo informação de um amigo que continuou na SOREFAME depois de eu de lá sair feliz da vida (em 1978, depois de coisas inenarráveis) ainda faltam algumas coisinhas. Ora veja o que ele me disse
Nuno
Não referem os Chaimites, o Metro de Chicago, as locomotivas para a Rodésia do Ian Snith furando os boicotes da ONU....
Luis
Quanto às locomotivas para a Rodésia, devem ter sido muito antes de eu lá ter entrado (1971) após os 3,5 anos de tropa. Dos Chaimites nada sei, pelo que suponho que tenham sido feitos depois de 1978. Quanto ao Metro de Chigago esteve em execução durante o PREC (1074-1076), tendo sido motivo de espanto para nós, os engenheiros do gabinete de estudos do material circulante, que os operários não tivessem feito boicote a essa encomenda, com greves ou pouca produtividade, dado tratar-se de uma encomenda para os americanos.
Parabéns e cumprimentos
Nuno Garrido de Figueiredo
Caro Nuno de Figueiredo,
Muito grato pela informação adicional.
Lembro que este artigo, não pretende ser uma história exaustiva e pormenorizada da Sorefame, mas apenas um apontamento histórico, com enfoque em imagens de época.
Os meus melhores cumprimentos
José Leite
Enviar um comentário