Restos de Colecção: setembro 2025

3 de setembro de 2025

Leitaria Garrett

No ano de 1915 a "Leitaria Garrett" já funcionava na Rua Garrett, 46, em Lisboa. Anteriormente tinha funcionado nessa loja a relojoaria de José Pires da Silva entre 1881 e 1907, e que a partir de Maio de 1909 passaria a designar-se "Relojoaria Suissa" na posse da firma "Pereira & Miranda". Seguiu-se-lhe a loja de carteiras e afins, de Manoel P. Mendonça, a partir de 1908.

"Leitaria Garrett" e o sr. João, seu proprietário


"Leitaria Garrett" em foto de 14  de Maio de 1915 (in: "Lisboa Desaparecida" Vol 4 de Marina Tavares Dias)

Depois de em 1891 existir uma "Relojoaria Suissa" na Rua das Gallinheiras, 87, em Lisboa ...


18 de Dezembro de 1891

Eis que se instala, em 1909, na Rua Garrett, 46 uma outra "Relojoaria Suissa" ...


2 de Junho de 1909


Foto provavelmente de 1907 com a relojoaria de José Pires da Silva encerrada, dentro do rectangulo vermelho

Dezasseis anos depois da abertura da "Relojoaria Suissa" abria mesmo defronte, no ouro lado da rua,  e em 1897 a "Joalharia Eloy de Jesus", que se tinha mudado da Rua de São Paulo para a Rua Garrett 43-45.

26 de Agosto de 1897

De referir que a "Leitaria Garrett" tinha a fama de ter um belíssimo café de saco.

Relativamente à "Leitaria Garrett", propriedade da firma "Antunes, Castanheira & Rodrigues, Lda.", passo a transcrever um artigo publicado no "Diario de Lisbôa" de 31 de Julho de 1981, aquando do seu encerramento definitivo na véspera dia 30 de Julho.


Anúncio publicado do "Diario de Lisbôa" em 6 de Agosto de 1981

«Do Chiado desapareceu mais um lugar de convivio. Trata-se do número quarenta e seis da Rua Garrett, uma velha leitarla, com três ou quatro mesas que durante quase um século manteve o ar anónlmo de botequim de bairro. Nao tinha nome que a identificasse mas era poiso certo dos alunos das Belas-Artes que nele gastavam as horas mortas, nos intervalos das aulas.

Ontem à tarde, por volta das 19 e 30, encerrou a porta para sempre, perante o desapontamento dos seus habituais clientes que lhe renderam uma última homenager. Mesmo por baixo do letreiro onde se lê Antunes, .Castanheira e Rodrigues, foi colocada uma coroa de flores, indIcativa de morte. Gesto, aliás, que espicaçou a curiosidade dos transeuntes, nacionais e estrangeiros que passavam no Chiado. Alguns dos fregueses da velha leitaria fizeram questão em beber o «martini histórico», convictos de que nunca mais teriam outra oportunidade ...


Localização da "Leitaria Garrett" entre os tapumes e a "Miranda & Filhos"

Dentro de pouco tempo, um pronto-a-vestir vai substituir a velha leitaria, nesta escalada veloz para a banalização da cidade de Lisboa, outrora de rosto digno como o povo que é povo autêntico. Mais um crime a juntar aos outros cometidos, aqui, no Chiado - comentou para o «DL», João, cliente tão antigo e tao regular que quase fazia parte do mobiliário da casa. Acaba tudo, agora não temos outro remédio senão comer de pé, ombro a ombro como nas manjedouras ...

Também o actor-encenador João Lourenço, nascido, ali, na Rua Garret, no prédio fronteiro à leitaria, lamenta a transfiguração que lentamente está a sofrer aquela zona de Lisboa. Conheci três gerações na leitaria. Estragam a cidade e a Câmara exulta de contente ... Máquinas fotográficas, nas mãos dos clientes, captaram para os álbuns de recordações a fachada da leitaria, ao lado da qual se juntou, ern clima de espectáculo, um grupo de pessoas. Era necessário chamar as atenções, embora sabendo que nada iria mudar o curso das coisas. Quem conseguiu evitar a morte do café Chiado, a extinção da papelaria Havanesa, a destruição da Brasileira?


Localização da "Leitaria Garrett"  em foto de 1939

O jornalista José de Lemos, figura do Chiado, com a paixão de Lisboa, associou-se ao grupo de protesto que assinalava, com copos e música, o fecho da leitaria. Reparem que lindo ... já não há disto. Referia-se à tabuleta, em letra redonda, onde sobressaía esta informação: Esmerado serviço de chá e torradas.

A leitaria Garrett definia-se por Uma frequência heterogénea, apesar da constância de uns tantos sentaram-se advogados, estudantes, pintores, poetas, escritores, mulheres de limpeza, empregados de balcão, professores ... Enfim! Gente das mais variadas classes sociais. Nos anos cinquenta fechava por volta das duas horas da manhá ... Recorda João. (proprietário)

Depois das sete, participou na homenagem o cabeleireiro António, outra figura do Chiado que consumia os tempos livres, ora na leitaria, ora na Brasileira. Qualquer dia já não sabemos para onde ir ... Foi este o seu comentário.

Morreu a leitaria. Paz à sua alma. À laia de despedida o cantor Vitorino, freguês do quarenta e seis da Rua Garrett, desde os seus tempos de Belas-Artes, acompanhado pelo maestro Vitorino de Almeida tocou acordeão, enquanto algumas pessoas dançavam.

O último dia da leitaria Garret.

Um imenso adeus ...»


"Leitaria Garrett" logo após o encerramento (in: "Lisboa Desaparecida" Vol 4 de Marina Tavares Dias)


Capa do LP (vinyl)  de Vitorino, lançado em Dezembro de 1984

O cantor e compositor Vitorino numa entrevista ao jornal "Blitz" em 6 de Novembro de 1984, no mês anterior ao lançamento do álbum "Leitaria Garrett", comentava: 

«Ainda ontem estive a cantar, numa tasca - os alentejos trequentam multo tascas - com um pessoal do Alentejo. Essa boémia de que se fala, de que me farem falar, è uma questão de  formação, de hábito cultural. A antiga 'Leltaria Garrett', que fol trequentada por multos estudantes de Belas-Artes durante várias gerações, e onde cheguel a estar sentado dez horas seguldas, era um dos üitimos locais possivels de convivio depols da destrulção do Gelo, do Café Porlugal, do Martinho e da quase destruição da Brasileira. Agora já quase não existem esses sitios para estar, beber um copo, calmo e barato, e conversar com os amigos.»

Aqui fica a letra da canção "Leitaria Garrett":

No Chiado à tardinha, às vezes,
Sorridentes vão de mão na mão,
Bons rapazes, são bons portugueses
Ai Madame a sua indigestão

Ideal das empregaditas
A finória vai um figurino
Tão caraça, veste muitas chitas
Diz olé! prò Montefiorino

Leitaria Garrett dá cá o pé
Ai tira a mão, João,
Da coxa doce,
Já está, antes não fosse...
O Saricoté, foi parar à Marques
Lá pràs Belas-Artes...

Assim mesmo á que è!
(Diz o progresso)
Chá com torradas, João,
Prà onde é que eu vou,
Já fui, mas já não sou
Linda mocidade, foi-se o Sol embora,
Fica-me à Saudade...

Na capa do LP o sr. João, último dono da "Leitaria Garrett", que viria a mover um processo a Vitorino por abuso da sua imagem ... não se sabe qual foi o desfecho ...

Depois do seu encerramento, abriria a loja da famosa cadeia "Migacho" que por lá ficou uns anos. Seguiu-se-lhe a loja "St. Tropez Kiwi" que tambem já encerrou. 


"Migacho" em substituição da "Leitaria Garrett" (in: "Lisboa Desaparecida" Vol 4 de Marina Tavares Dias)


"Migacho" a seguir à "Ourivesaria Aliança"

Actualmente apenas resta a fachada em ferro da antiga "Leitaria Garrett" e, para variar, instalou-se a "Garrett 48 Apartments Lisbon" que demoliu a loja ampliando a entrada do nº 48 como se pode observar na foto seguinte.



Interior da entrada do nº 48 e o que resta da "Leitaria Garrett" (interior da fachada)

Entretanto, a firma  "Antunes, Castanheira & Rodrigues, Lda.", com sede social na Rua Barros Queiroz, 4-6 em Lisboa, continuaria a sua atividade, no ramo da pastelaria e casas de chá até à sua liquidação e dissolução em Outubro de 2013.

fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa,Arquivo Municipal de Lisboa, "Lisboa Desaparecida" Vol 4 de Marina Tavares Dias