A "Quinta de Nova Cintra", ou simplesmente "Nova Cintra", foi adquirida por José Joaquim Leite de Guimarães (1808-1870), natural de Guimarães e a quem foi atribuído, por El-Rei D. Luiz I em 11 de Dezembro de 1866, o título de "Barão de Nova Cintra".
"Nova Cintra" chamava-se inicialmente "Quinta de Santa Rita", e estava localizada no lugar de Carriche, mais concretamente no final da Calçada de Carriche, local onde existiam outras propriedades de famílias abastadas, provavelmente amigas de José Joaquim, que faziam desta zona um local de veraneio.
Apesar de decidir, por fim, viver no Porto, nunca se desfez da "Quinta de Nova Cintra". No seu testamento pode-se ler: «Deixo mais à Santa Casa da Misericórdia do Porto a minha quinta denominada de Nova Cintra, na proximidade de Lisboa, da qual tirei o meu título de barão, com a obrigação de dar o líquido rendimento de que já há muito goza minha prezada cunhada… com sobrevivência dela para seu filho… com mais a condição de em tempo algum lhe poder ser mudada a designação…»
José Joaquim Leite de Guimarães (1808-1870) - Barão de Nova Cintra
Inicio este artigo acerca de "Nova Cintra", quinta no final da Calçada de Carriche, na freguezia de São João Baptista do Lumiar, transcrevendo por ordem cronológica, algumas passagens que ilustram bem este lugar, antes de passar às casas de fado que ali existiram, a partir de 1948, sem esquecer o "Hotel Nova Cintra", que ali existiu pelo menos desde 1873.
A mesa é bem servida em pequenas salas de uma habitação unida á quinta, ou em algum dos kioskos, ou mesmo nas ruas de arvoredo se assim o quereis.» (1)
Piquenique na Calçada de Carriche e Lumiar em 1907
«Terminaremos fallando da Calçada de Carriche, ponto obrigado para ser visitado por todos os viajantes, que vêm a Lisboa, e que difficultosamente deixam de ir á Nova Cintra, Nada pôde justificar este titulo; mas a moda concedeu-lho, e por isso não ha remédio senão sujeitar- se a gente aos seus caprichos. A Nova Cintra é uma pequena quinta com agradáveis passeios e uma boa casa de pasto. Para nós só tem um merecimento, e é poder servir de exemplo na eschola da vida para provar o que é a constância no trabalho e na industria, porque de um ordinário e pouco rendoso casal conseguiu o actual proprietário fazer uma boa e valiosa propriedade, e recebeu em recompensa das suas fadigas e lavores, deixar a adversidade de o perseguir, e ser hoje naquella localidade querido e festejado por uns, adulado e invejado por outros.» (2)
Na próxima transcrição já é referenciado o "Hotel Nova Cintra" (hospedaria) que terá funcionado até ao final da primeira década do século XX.
Situada sobre a estrada real, que de Lisboa conduz a Loures, e próximo do Lumiar e também na estrada para Odivellas (que é a mesma do Lumiar.)
No fundo da Calçada de Carriche, está uma hospedaria que pomposamente se intitulou "Hotel de Nova Cintra".
É por isto que muita gente vae chamando a este sitio Nova Cintra.
Em Nova Cintra é a quarta estação do Caminho do ferro Larmanjat de Lisboa a Torres Vedras.
Tem esta povoação tido bastantes melhoramentos, e, como é muito çoncorrida das familias de Lisboa (prinçipalmente no.verão) é bastante provavel que venha a merecer o nome de Nova Cintra.» (3)
1887
«( ...) e logo em seguida, mais dois campinos e alguns amadores, todos subirem a encosta das oliveiras, nas Marnotas, para rapidamente virem desembocar na calçada de Carriche, proximo da Nova Cintra, restaurante que ainda é lembrado pela gente d'esse tempo, recordando as bellas festas que alli se deram por motivo d'estas diversões.» (4)
Assim acontecia na Gertrudes da "Perna de Pau" no Manuel Jorge, ás portas de Sacavem, no "Zé Gordo", na calçada de S. Sebastião da Pedreira, no Quintalinho. á Cruz do Taboado - onde se vendiam iscas de viteíla espetadas em palitos - e no Calazans, á Cruz dos Qualro Caminhos.
Nas suas succedaneas de 1846, já se guitarreava o fado, como succedia na Horta das Tripas, no Escoveiro (à Cova da Piedade), no Ezequiel do Dafundo, no Miséria da estrada de Palhavã, na Viteileira da travessa dos Carros, na Rabicha, no Campo Pequeno ), no Arco do Cego, na Madre de Deus e no Beato António. E esta tradição do fado mantevese nas hortas das epochás posteriores: José da Bateira, António das Noras, em Arroyos, Quintalinho da travessa do Pintor, Theotonio da calçada de Carriche ou "Nova Cintra" (onde se ia em burricadas), a Joanna do Collete Encarnado, no lado oriental do Campo Grande (que passou depois para a azinhaga da Torre, no Lumiar), "Cá e lá", José Gallinheiro, Joaquim dos Melões, na Outra-Banda, Arieiro, José dos Pacatos, retiro do Pardal, nas terras da Casa da Pólvora, Salgado do Arco do Cego, Videira do Campo-Grande, a tendinha do Campo, José dos Passarinhos, em Alcântara, as Varandas, ao Caminho de Ferro, José dos Caracoes, no Campo Grande, Luiz Gaspar, na estrada das Mouras, Esparteiro do Alto do Pina, Pacatos Velhos, o Rouxinol, nos Terramotos, Quinta do Ferro de engommar; e, mais recentemente, Pedro da Porcalhota, Cazimjro do Poço dos Mouros, Bazalisa, Quinta do Papagaio, Quinta das Águias, as leiteiras, José Azeiteiro, o Quebra-Bilhas, no Campo Grande, e José Roque, de Palhavã.» (5)
«Na Calçada de Carriche, a quinta chamada Nova Cintra teve muita fama entre os frequentadores de retiros campestres; mas hoje já se não servem aqui jantares e apenas subsistem no logar algumas vendas frequentadas pelos saloios e cocheiros em transito.» (6)
«Algumas diversões se organizaram entre os Motas e Mendonças, passeios a Carriche, ao Senhor Roubado, a Odivellas e Carnide ; leituras em pleno jardim e serões musicaes, em que Eduardo acabava sempre por adormecer.» (7)
«Entre as latadas de pâmpanos, na horta imensa e acidentada, que é Nova Cintra, nas sombras do arvoredo, através da rede dos galhos e das pernadas, por cima do tilintar das louças e dos vtdros, das covas dos valados, com rescendencias a madresilva e rosas silvestres, chegavam até os cavaleiros, já pela calçada de Carriche acima, acordes indistinctos do fado, de cantares, de vozes avinhadas ou cristalinas, de centenas de ruidos desprendidos dessa colmeia, que, aos sábados, na espera de touros, se enchia a transbordar.» (8)
O restaurante e esplanada "Nova Sintra", propriedade de Álvaro Anselmo de Oliveira - de sua alcunha «Álvaro do cãp» - foi naugurado em 4 de Setembro de 1948 na Calçada de Carriche, nº 111, no sítio conhecido por "Nova Sintra". Durante os primeiros meses foi seu diretor artístico o fadista Alfredo Marceneiro apenas por dois meses. Seguiram-se-lhe, os fadistas Fernando Farinha (o «Miúdo da Bica») e Áurea Ribeiro.
4 de Setembro de 1948
Calçada de Carriche, 111 (onde está o reclamo à "Frigelo") onde funcionou o "Nova Sintra" (1948-1951). Ao lado ainda o reclamo ao restaurante "Pampilho" (1956-1958)
Aos domingos a ementa era especial: caldo verde à transmontana e à alentejana, mariscos de todas as qualidades, gradum de pescada e cabrito à Bairrada. Mas a especialidade da casa era o famoso “Leitão assado à Nova Sintra”.
Então, o grande animador deste castiço restaurante-esplanada passou a ser Fernando Farinha, que ficou conhecido como o “Miúdo da Bica”. Foi neste espaço que este fadista festejou o seu 20.º aniversário natalício, em 20 de Dezembro de 1948, num jantar que foi presidido pela fadista Hermínia Silva, com a colaboração de diversos artistas do teatro, do fado e da rádio e com a direção artística do poeta João Linhares Barbosa.
30 de Dezembro de 1948
No dia 10 de Dezembro de 1948, foi organizada uma festa de homenagem à fadista Hermínia Silva com a inauguração da "Sala Hermínia Silva”. Participaram no programa desta festa, além desta popular atriz e cantadeira Hermínia Silva, outras grandes figuras do fado: Lucília do Carmo, que tinha a sua casa de fado “Adega da Lucília”, na rua da Barroca, no Bairro Alto, Maria do Carmo que era antiga proprietária da casa de fado “Ferro de Engomar”, Júlio Proença, Áurea Ribeiro e o poeta popular Linhares Barbosa.
10 de Dezembro de 1948
30 de Junho de 1949
No dia 26 de dezembro de 1949 realizou-se neste famoso restaurante uma ceia e um espectáculo de homenagem ao actor Vasco Santana, com a colaboração de artistas de teatro, fado e da rádio e um grupo de fadistas.
Por aqui passaram as mais admiradas figuras do fado como Alfredo Marceneiro, Fernando Farinha, Hermínia Silva, Manuel Fernandes, Carlos Ramos, Carlos Duarte (o pirolito da Ericeira), Adelina Ramos, Maria Carmen, Ilda Silva, Maria da Saudade, Fernanda Baptista cantora e actriz de teatro e muitos outros.
Como já foi referido anteriormente, Alfredo Marceneiro manteve-se à frente da direcção artística do "Nova Sintra", mas por apenas dois meses, até à abertura do seu restaurante “O Solar do Marceneiro”, localizado um pouco mais adiante, e que abriria em 27 de Novembro de 1948. Localizava-se no princípio da estrada que seguia para Odivelas, junto ao monumento do Senhor Roubado. A 9 de Dezembro de 1950 mudadria de nome para "Solar a Tradição".
Depois de trespassar o seu "Solar do Marceneiro", regressa à direção artística do restaurante "Nova Sintra" e que ele tinha inaugurado. Por essa altura por lá cantavam Alfredo Marceneiro, o seu filho Alfredo Duarte Júnior, Maria de Lourdes e Luís dos Santos, acompanhados à guitarra por José Marques e à viola por Armando Silva. No final de Agosto de 1951, Alfredo Marceneiro regressou ao seu retiro, que passou a chamar-se de novo “Solar do Marceneiro”.
8 de Dezembro de 1950
29 de Dezembro de 1950
Entretanto restaurante "Nova Sintra" teria vida curta e encerraria no final de 1951. No seu lugar abriria, em 18 de Junho de 1955 o "Solar da Tibúrcia". Aqui cantavam a fadista Áurea Ribeiro e o fadista Alfredo Duarte Júnior, filho de Alfredo Marceneiro.
18 de Junho de 1955
Também teria uma existência curta e em 12 de Junho de 1956 seria substituído pelo "Pampilho". Este restaurante pertencia a Alfredo de Almeida, marido da fadista Lucília do Carmo (mãe do fadista Carlos do Carmo) donos da casa de fados "O Faia".
«Abre hoje, na Calçada de Carriche, 111-C, o restaurante-típico «Pampilho», com bom serviço de cozinha regional, fados e guitarradas, que estará aberto toda a noite. Esta tarde, o seu proprietário, Alfredo de Almeida, dono do restaurante-tipico «O Faia», da Rua da Barroca, ofereceu um vinho de honra aos representantes da Imprensa e a numerosos clientes e amigos.» in: jornal "Diario de Lisbôa"
12 de Junho de 1956
Restaurante "Pampilho"
Encerrou em Agosto de 1957 e voltou a abrir em 2 de Maio de 1958, sob a gerência do restaurante "Tricana", que tinha estad instalado na primeira "Feira Popular de Lisboa" na Palhavã até 1957 e que estaria na nova, a partir de 1961.. Acabou por encerrar definitivamente no final de 1958.
Outras casa de fado existiram na estrada para Loures como:
"Retiro da Ti Jaquina" à saída do Casal de Olival Basto (Km 1 da estrada para Loures) - funcionou entre início do século XX e anos quarenta do mesmo século).
"Patrício" - Restaurante típico, com fados e guitarradas e que substituiu o "Retiro da Ti Jaquina" - funcionou entre 1949 e 1957.
"Retiro" - Restaurante, fados e boite que veio substitui o "Patrício" - funcionou entre 1958 e 1960.
"Roseiral" - Restaurante à saída de Olival Basto - funcionou entre 1958 e 1965 (?).
"Casa dos Caracóis" - Taberna e casa de fados que funcionou ao lado da "Nova Sintra" entre 1960 e 1967. Fechou destruído por violentas cheias e reabriria na Póvoa de Santo Adrião.
Bibliografia:
(2) - "Roteiro do viajante no continente: e nos caminhos de ferro de Portugal em 1865", de João António Peres Abreu.
(3) - "Portugal antigo e moderno; diccionario ... de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias" de Soares d'Azevedo Barbosa de Pinho Leal, em 1873.
(4) - Revista "Serões" de 1901.
(5) - "Historia do Fado" de Pinto de Carvalho, de 1903.
(6) - "A Extremadura Portugueza" de Alberto Pimentel, de 1908.
(7) - "Ercília ou os amores de um Poeta", de 1908
(8) - "A Sociedade do Delírio" de Eduardo de Noronha, de 1921.
Blog: "Fora de Portas", de Filomena Viegas.
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