Restos de Colecção: Livraria Bertrand

2 de agosto de 2024

Livraria Bertrand

Sendo lícito presumir que a fundação da Casa Bertrand tivesse sido efectuada em período muito anterior, a mais antiga notícia que há da existência desta livraria data de 1747, ano em que ela funcionava na Rua Direita do Loreto, à esquina da Rua do Norte, sob a firma Pedro "Favre & Irmãos Bertrand", quando a frequentavam, segundo afirma a tradição, os notáveis escritores da época Bocage, Curvo Semedo, José Agostinho de Macedo e outros.


1785

1793

Nesse tempo era chefe da casa o primeiro daqueles sócios mencionados que, na autorizada e fundamentada opinião do Dr. Xavier da Cunha, se apelidava Faure e não Favre, pois assim se chamava o sogro do mais velho dos irmãos Bertrand, resultando a confusão da semelhança gráfica do vocábulo numa época que não descriminara ainda o valor das letras «u» e «v». Os irmãos Bertrand da firma eram João José Bertrand e Pedro Bertrand, sendo este o primogénito e genro de Faure. De nacionalidade francesa, teriam vindo para Portugal cerca de 1732.

Após a morte de Pedro Faure, os irmãos Bertrand assumiram a propriedade do estabelecimento, cuja sede instalaram, depois, junto da igreja dos Mártires, no mesmo local em que ainda hoje prevalece. Decorridos poucos anos a sociedade constituída entre ambos dissolveu-se e, em Abril de 1756, João José Bertrand encontrava-se estabelecido individualmente com o mesmo objecto defronte da Ermida do Senhor Jesus da Boa Morte, onde se conservou, pelo menos, até 1764, enquanto seu irmão Pedro se fixava na Rua da Era, freguesia de Santa Catarina, explorando outro ramo de comércio. No processo para a investidura no hábito de Cristo concedido a Jácome Ratton, pai e filho, em 1762, figuram como testemunhas os dois Bertrand, sendo João designado como «mercador de livros» e Pedro como «homem de negócios».


12 de Fevereiro de 1912

O terramoto de 1 de Novembro de 1755, destruindo o centro de Lisboa, fez com que se transferisse para pontos mais afastados grande parte das instituições religiosas, administrativas e culturais. A classe comercial acompanhou essa deslocação e com ela foi João José Bertrand, cuja casa ficara em ruínas. Quando, anos depois, Lisboa ressurgia dos escombros, voltou a instalar-se na grande artéria da Baixa.

Em 1773, já reconstituído o prédio na actual Rua Garrett, aí prosseguiu a sua actividade, sob a firma "Bertrand & Filhos", pois dera, entretanto, sociedade a dois filhos, um dos quais morreu passado pouco tempo, sendo o outro, Jorge Bertrand, quem, em 1775, com sua mãe, D. Maria Clara Rey, lhe sucedeu, na firma "Viúva Bertrand & Filho". Jorge Bertrand, que veio a morrer com quarenta anos incompletos (já sua mãe era, então, falecida), deixou por sucessores a viúva, D. Mariana Borel Bertrand, e os três filhos varões João José, André e Francisco Xavier, os quais adoptaram a razão social de "Viúva Bertrand & C.ª".


1846

O sobrevivente destes irmãos foi Francisco Xavier Bertrand, que se notabilizou em trabalhos de bibliografia. Por sua morte, ocorrida em Agosto de 1873, a livraria passou à posse de cinco sobrinhos, João Augusto, Eduardo António, D. Eugénia Emília, D. Josefina Maria e D. Maria Amélia Martin, filhos de sua irmã D. Teresa Bebiana Martin, casada com o livreiro francês, igualmente estabelecido no Chiado, Inácio Augusto Martin.

Com a gerência dos Martin, a "Livraria Bertrand" conheceu uma fase de declínio, em virtude do desinteresse administrativo dos proprietários, os quais acabaram por trespassar a casa a José Fontana, ainda seu primo. A fim de fazer face aos encargos do trespasse, José Fontana associou-se ao conselheiro Augusto Saraiva de Carvalho (e não Silva Carvalho, como por lapso indica a «Enciclopédia Luso-Brasileira», na pág. 589) e iniciou a sua actividade em 1 de Janeiro de 1876, sob a firma "Carvalho & C.ª".

À competência e dedicação de Fontana deveu a casa o seu ressurgimento. Aquele comerciante não só lhe restituíu todo o crédito, como conseguiu obter a cooperação técnica de dois valiosos elementos, Nobre França, então tipógrafo da "Imprensa Nacional", e José Gregório Mamede Campos Silva Bastos, empregado da "Livraria Campos Júnior", na Rua Augusta, 77. Por morte sucessiva de Fontana e de Saraiva de Carvalho, o conselheiro Mendonça Cortez, que já anteriormente comprara parte das cotas, adquiriu a parte restante, ficando assim com a propriedade do estabelecimento em 1882.

1895

1904

1908


"Livraria Aillaud  e Bertrand" à direita da senhora (na foto)


1927


Festa do pessoal da "Aillaud & Bertrand" em 16 de Julho de 1928



Mais do que uma livraria, a "Livraria Bertrand" assumiu-se como um local privilegiado de tertúlia, funcionando como uma espécie de clube literário. Alexandre Herculano (1810-1877), foi um dos notáveis mais assíduos, que para além de lá publicar os livros, não faltava também à tertúlia diária. Para além de Herculano, outras figuras da Geração de 1870 por ali passaram. Oliveira Martins (1845-1894), Eça de Queirós (1845-1900), Antero de Quental (1842-1891) e Ramalho Ortigão (1836-1915) eram alguns dos "habitués", que utilizavam este espaço para falar de política e literatura.

Nos finais do século XIX, o Chiado era uma zona de eleição da cidade de Lisboa, e a Livraria era frequentada pela melhor sociedade lisboeta, por aqui passando desde liberais e conservadores, burgueses e Aristocratas, incluindo o próprio D. Pedro II do Brasil.

Disperso o grupo de intelectuais que aureolava a livraria, a Casa Bertrand atravessou novo período de estagnamento e tão delicado foi ele que o proprietário Mendonça Cortez chegou a colocar escritos nas portas. Valeu nessa crise o arrojo inteligente de José Bastos. Procurando obstar à extinção do estabelecimento, ao qual já não pertencia mas que venerava, tomou-o de aluguer, recheando-o de amplo sortido e imprimindo-lhe intensivo movimento editorial. Cerca de 1900 constituía-se a firma "José Bastos & C.ª", que veio a englobar todo o fundo da antiga "Livraria Bertrand", tanto o que ficara em poder dos descendentes da família como o que havia sido alienado à sociedade sucessora.

Dissolvida a firma "José Bastos & C.ª" em 1910, sucedeu-lhe Júlio Monteiro Aillaud, que era proprietário da livraria "Aillaud" de Paris, fundada em 1806, e que em 1890 se estabelecera em Lisboa, na Rua do Ouro. Associou esta livraria com a sua casa de Paris e com a "Livraria Francisco Alves" de Francisco Alves, do Rio de Janeiro,  dando origem à "Aillaud, Bastos & Alves". Só em 1923, após a morte deste, deu sociedade a José Júlio da Fonseca e João Lopo da Cunha de Eça, os quais quando ele faleceu assumiram a direcção da livraria.




"Livraria Bertrand" em fotos de 1931

Em 26 de Março de 1931 a firma modificou-se, adoptando o nome de "Livraria Bertrand, Limitada", transformando-se, finalmente, em 23 de Janeiro de 1933, em sociedade anónima. Em 1945, a administração era exercida pelos engenheiro Gonçalo Cabral, Presidente, Charles Simulin e Barão Christian de Caters, administradores-delegados, com a valiosa colaboração de P. e Moreira das Neves, Dr. Pedro de Moura e Sá, Dr. Eduardo Pinto da Cunha e D. José Vaz de Almada.

Aquilino Ribeiro (1885-1963) foi outro dos notáveis que frequentaram a Bertrand. De tal forma, que foi criado o "Cantinho do Aquilino" na primeira sala do lado direito. Dizem os mais antigos que este era o espaço predilecto de Fernando Namora (1919-1989), Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013) e José Cardoso Pires (1925-1998) para a conversa sentada.

Salvo em transitórios momentos que não contam, à frente da "Livraria Bertrand", orientando-a com superior critério, sempre estiveram comerciantes de apreciável espírito, homens activos e inteligentes que do seu complexo ofício possuíam um elevado conceito, muito acima do mercantilismo comum e voraz. João José Bertrand, José Fontana, Saraiva de Carvalho, José Bastos e outros foram pessoas que, desejando embora auferir justo lucro do capital e do trabalho, muito mais se preocupavam em colher a compensação moral de haverem contribuído para o engrandecimento e expansão das letras portuguesas.

Por isso, desde a época remota da fundação até aos nossos dias, num período que abrange mais de dois séculos, a vida da "Livraria Bertrand" acompanha e reflecte a história e a evolução da literatura nacional. Núcleo espiritual de Lisboa, através do seu rico património editorial, dia a dia renovado, esta casa fez conhecer ao público de Portugal e Brasil as mais brilhantes individualidades artísticas surgidas após o Romantismo.

Começando por editar os primeiros dicionários linguísticos em língua portuguesa, especialidade que continuou por muitas décadas honrando, a "Livraria Bertrand" alargou depois a sua acção às mais diversas manifestações da actividade literária e cultural, contribuiu com eficácia para a difusão do livro entre nós e conseguiu expandir a produção nacional.no vasto mercado brasileiro.



Em 1969 são aumentados os postos de venda. A actividade do departamento de vendas é alargada e reorganizada dentro de nova sociedade: a "Prolivro - Promoção do Livro, Limitada". A distribuição para Angola fica a cargo da "Difal". Foi nessa década que abriu a filial da "Livraria Bertrand" na Avenida de Roma.


Sucursal na Avenida de Roma (exterior e interior)





Um stand da "Livraria Bertrand, S.A.R.L:"


Viaturas de distribuição e armazéns na Amadora




Escritórios


Em 30 de Junho de 2009 o grupo "Porto Editora" adquire o "Direct Group" que englobava a "Editora Bertrand", "Distribuidora Bertrand", "Livrarias Bertrand" e "Círculo de Leitores". Com esta aquisição, surgiu o "Grupo BertrandCírculo". Em abril deste mesmo ano, a "Livraria Bertrand" ganha lugar no livro  "World Guinness Record" para «os mais antigos livreiros em actividade» e a "Livraria Bertrand" do Chiado, em Lisboa, ganha o "World Guinness Record" para «a mais antiga livraria em actividade».

Mas em 2017, eis que no site da "Bertrand Livreiros" ... :

« "O café é uma das feições mais characteristicas de uma terra. O viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o, estuda-o, e tem conhecido o paiz em que está, o seu govêrno, as suas leis, os seus costumes, a sua religião.
Levem-me de olhos tapados onde quizerem, não me desvendem senão no café; e protesto-lhe que em menos de dez minutos lhe digo a terra em que estou se for paiz sublunar." - J. B. Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, Typ. Gazeta dos Tribunais, 1846.

Em 2017, comemoramos o nosso 285.º aniversário com a abertura do Café Bertrand, um espaço que vem acentuar a fusão entre história e modernidade, permitindo que os clientes juntem sabores às suas leituras. 
Os livros (de gastronomia, de vinhos, de poesia...) foram a nossa fonte de inspiração. Por isso lhes reservamos um merecido destaque na carta do nosso café, que é também uma homenagem aos livros, aos que nela mencionamos e aos tantos outros que ficaram de fora.
A nossa carta foi engenhosamente pensada a partir dos próprios livros de receitas que aqui se vendem, qual vínculo entre o Café e a Livraria Bertrand.»


"Café Bertrand"


A actual “Bertrand Livreiros” é, o nome de uma rede com 58 livrarias espalhadas pelo país e integra formalmente o grupo "Porto Editora" desde 30 de Junho de 2009, como já anteriormente referenciado.

"Bertrand Livreiros" na Rua da Fábrica no Porto

Bibliografia:  

- "Praça de Lisboa"  - organizado por Carlos Bastos em 1945


fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais), HCD FBAUL


2 comentários:

Pedro Ramos de Carvalho disse...

Bom dia José. Será possível saber a origem da foto da "frota" e o local na Amadora. Muito obrigado.

José Leite disse...

Bom dia

Foto é disponibilizadas pela Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.
Os meus cumprimentos