Restos de Colecção: Hotel Britania

11 de setembro de 2022

Hotel Britania

O "Hotel Britania" foi inaugurado, com a denominação de "Hotel do Império", em 13 de Outubro de 1944, na Rua Rodrigues Sampaio, em Lisboa., sendo seu proprietário, o industrial Joaquim Ribeiro de Almeida. O projecto do edifício foi da responsabilidade do arquitecto Cassiano Branco (1897-1970), que já tinha projectado, ali bem perto, o "Victoria Hotel", inaugurado em 1 de Julho de 1936.

"Hotel do Império" futuro "Hotel Britania"

Joaquim Ribeiro de Almeida inauguraria em 1946, na cidade do Porto, o "Grande Hotel do Império", ex-"Hotel Sul-Americano", fundado em 1911 por um ex-emigrante do Brasil, Álvaro de Azevedo.

"Grande Hotel do Império" no Porto em foto de 1955

Quanto à inauguração do "Hotel do Império", o "Diario de Lisbôa" noticiava:

«Além do chefe do Estado, e da senhora de Fragoso Carmona, assistem ao acto os srs. subsecretário de Estado das Corporações e Previdencia Social, administrador geral dos C.T.T., membros do Govêrno e outras entidades oficiais. além de numerosos convidados e particulares.
Á noite realizou-se um jantar a qual assistiram cêrca de 100 pessoas, em honra de elementos de destaque nas actividades de turismo, jornalistas, e outras entidades, tendo presidido o sr. Fausto de Figueiredo.
Aos brindes falou o sr. Ribeiro de Almeida, proprietário-gerente do Hotel Império, que prestou homenagem aos seus colaboradores, entre os quais figura seu irmão, tendo também palavras de agradecimento para a Imprensa. (...) »


Chefe de Estado General Óscar Carmona na inauguração


Banquete

O carácter inovador do hotel, projectado pelo arquitecto modernista Cassiano Branco, passava pela estrutura do edifício de cinco andares, em betão armado, com paredes duplas e cobertura em terraço, e pelo sistema de alojamento que oferecia pequenos apartamentos constituídos por antecâmara, saleta, quarto e casa de banho privativa, estrutura inédita na época em Portugal.

Funcionários do "Hotel do Império"

À época da sua inauguração, o "Hotel do Império", era um dos três hotéis mais luxuosos de Lisboa, a par do "Aviz Hotel" e do "Avenida Palace Hotel". Com os seus 5 andares, em betão armado, com paredes duplas e cobertura em terraço foi uma inovação para a época, já que se tratava do primeiro «apart-hotel» em Portugal, oferecendo «apartements que serão em número de 30, constiuídos por pequena ante-câmara, saleta, com confortáveis «maples», secretária e máquina de escrever; casa de banho privativa (...) e quarto de dormir, com telefone ligado directamente, telefonia, etc. Todas as dependencias estão luxuosamente mobiladas e completamente isoladas com juntas duplas, de forma a evitar o menor ruído. ALinda decoração de almofadas de sêda, de que são revestidas as paredes, a luz coada por cristais dos lindos e artísticos lustres e sofás que convidam ao repouso tornam encantadoras estas pequenas "boites" de tonalidades diferentes.». 



Outra inovação, era o facto de só estar incluído no preço da diária, o pequeno-almoço «a fim de permitir ao cliente escolher o que desejar para as refeições - desde que, bem entendido, terminado o periodo das restrições, isso possa ser permitido...». Para os seus clientes, existia uma barbearia e manicure, além de biblioteca.

Publicidade em "O Comércio do Porto", com preços em 12 de Novembro de 1944


16 de Dezembro de 1944

Nos anos 40 e 50 do século XX, o "Hotel do Império" era considerado, a par do "Aviz Hotel" (inaugurado em 24 de Outubro de 1933), um dos melhores hotéis de Lisboa. A cozinha do "Hotel do Império" era, segundo o testemunho do Chefe Silva «um templo da gastronomia e uma verdadeira escola» onde se formaram muitos dos futuros grandes Chefes. Manuel Ferreira, Joaquim Sousa Pereira e Manuel Afonso, foram alguns dos nomes dos Chefes de cozinha deste hotel com quem, o então jovem aspirante a Chefe, António da Silva, muito aprendeu.



Pessoal da cozinha


Anúncio em 30 de Dezembro de 1944


Ementa de 22 de Fevereiro de 1946

Nesses anos eram clientes e habitués do "Hotel do Império", entre muitos, Manuel Fontes Pereira de Melo e sua mulher Rita, Tomás Ribas, Francisco de Sousa Tavares, Sofia de Mello Breyner, Conde da Covilhã, Conde da Lousã, ou o magnate Patiño. Também a actriz espanhola Carmen Sevilla hospedou-se neste hotel, em Janeiro de 1954 para a estreia, no "Cinema Odéon", do filme "Violetas Imperiais", em 13 de Janeiro, em que era cabeça de cartaz. Viria a ser homenageada na véspera da sua partida para Madrid, em 17 de Janeiro, no restaurante "Aquário" na Rua Jardim do Regedor.

Carmen Sevilla entrevistada, por António Feio para revista "Plateia", publicada em 1 de Fevereiro de 1954, no "Hotel do Império"

Também as famosas poetisa, escritora e política Natália Correia (1923-1993) e a jornalista e cronista Maria Armanda Falcão (1917-1996) -  de pseudónimo Vera Lagoa - foram clientes frequentes. Natália Correia, casada desde 1953 com Alfredo Machado, gerente do "Hotel do Império", passou a residir no 5º andar do nº 52 - prédio da "Pastelaria Smarta" na mesma rua do hotel. O "Hotel do Império" era uma “extensão” da casa de Natália Correia: as célebres ceias que aí eram servidas, vinham do Império, do outro lado da rua e o ambiente intelectual, político e mesmo boémio que se viveu nessa década no hotel deveu-se, em parte, à assídua presença de Natália Correia e dos seus amigos.

Natália Correia (à esquerda na foto) e amigas

Segundo Fernando Dacosta no seu livro "O Botequim da Liberdade", refere que neste hotel existia um casino clandestino com direito a roleta «e tudo».

De referir que, quando o "Hotel Imperio" faliu, Natália Correia abriu o "Botequim", em 1968, à sociedade com Isabel Meyrelles, Júlia Marenha e Helena Roseta. Um bar no Bairro da Graça, que fez questão de deixar aos cuidados de seu marido Alfredo Machado, para que nunca deixasse de se sentir útil. E assim foi, até à morte de Alfredo Machado em 29 de Janeiro de 1989.

Durante três décadas o hotel permaneceu praticamente inalterado. A seguir ao 25 de Abril de 1974, passou a chamar-se "Hotel Britania" e sofreu mudanças significativas mantendo-se, no entanto, intacta a estrutura do edifício e a essência da sua decoração.

Os actuais proprietários, resultado do pós 25 de Abril de 1974, em que chegou a ser ocupado, encontraram um cenário bem triste. Tinham desaparecido mobílias, obras de arte, faqueiros e o arquivo do hotel. Foram estes que colocaram o portão de vidro e ferro, que tinha sido desenhado por Cassiano Branco, mas nunca fabricado. No seu lugar existia uma porta giratória em alumínio.


Na década de 90 iniciaram-se trabalhos profundos de restauro com vista a recuperar o edifício de estilo Art Déco. Foram recuperados pavimentos, estuques, mobiliário bem como os frescos da Recepção e do Bar alusivos ao "Império Português" e à "Exposição do Mundo Português" de 1940.


Reconhecendo o valor do edifício enquanto objecto arquitectónico de qualidade, a "Direcção Geral do Turismo" atribuiu-lhe, em Março de 1995, a classificação de "Imóvel de Relevante Valor Arquitectónico" e posteriormente, em 1998 a classificação de "Relevante Interesse Histórico-Cultural".

Em 2004, comemorando os 60 anos de existência do "Hotel Britania", foi restaurado o chão original dos quartos,  em mosaico de cortiça, fabricado pela "Mundet & C.ª, Lda." da Amora - Seixal.


No piso térreo há uma pequena biblioteca dedicada à História de Portugal e aos Descobrimentos, dois elementos que foram também incluídos em alguns detalhes da decoração do bar e da sala de jogos, com mesa de xadrez.

No terraço, ocupado desde os anos 60 com diversas construções de carácter precário, foi construído, em 2005, um piso recuado. O projecto, foi da autoria do atelier "Promontório Arquitectos". Em 2010 foi considerado pelo jornal britânico "The Guardian" um dos quatro melhores hotéis estilo Art Déco da Europa e em 2019, outro jornal britânico, o "The Telegraph", incluiu-o na lista dos «the world´s most amazing Art Deco hotels».




Actualmente o "Hotel Britania", tem 32 quartos e classificação de 4 estrelas. Pertence a uma sociedade de 3 sócios com quotas iguais - Família Duarte Fernandes, Miguel Sarmento e Luís Alves de Sousa -  e é gerido em conjunto com a "Heritage SA" pertença da Família Duarte Fernandes. Inclui, no piso térreo, uma pequena biblioteca dedicada à História de Portugal e aos Descobrimentos, que são elementos integrantes em alguns detalhes da decoração do bar e da sala de jogos, com mesa de xadrez. Só serve pequeno-almoço, mas há serviço de quarto 24 horas com saladas e sanduíches. 




Este grupo é, actualmente,  proprietário das seguintes unidades hoteleiras: "As Janelas Verdes", "Heritage Avenida Liberdade Hotel", "Hotel Britania", "Hotel Lisboa Plaza" e "Solar Do Castelo".

fotos in: Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisbon Heritage Hotels (Facebook), Observador

3 comentários:

Valdemar Silva disse...

Muito interessante.
Conheci um dos funcionários do Hotel Império que está na fotografia, foi meu padrinho de casamento.
A Ementa tem a data 22/2/2946

Cumprimentos
Valdemar Silva

José Leite disse...

Muito obrigado.
Já agora, não é de 2946 mas sim de 1946! Ou será a "ementa do futuro"? :)

Ultimamente não estou com muita sorte em datas ...

Já está corrigido.

Cumprimentos
José Leite

Valdemar Silva disse...

2946 ah!ah!ah! só uma ementa de "Rien sur le gril, avec rien"

Cumprimentos
Valdemar Silva