Restos de Colecção: Empresário de Espectáculos José Miguel

14 de setembro de 2022

Empresário de Espectáculos José Miguel

Um dos maiores empresários de espectáculos que Portugal conheceu no século XX, foi José Miguel. Nascido em 1908, começou por agenciar fadistas e foi proprietário e concessionário de algumas casas de fado e cafés-concerto de Lisboa. Fundou o "Teatro ABC" em 13 de Janeiro de 1956, no "Parque Mayer", em Lisboa, do qual foi seu empresário, até à sua morte em 1971.

José Miguel, Io Apoloni, Camilo de Oliveira e Vasco Morgado

O escritor, dramaturgo, jornalista e empresário teatral, António de Souza Bastos (1844-1911), no seu "Diccionario do Theatro Portuguez" definia:

«Emprezario - É o individuo que, por si ou representando uma sociedade, aluga um theatro, forma companhia, escolhe repertorio e toma a responsabilidade de todos os encargos.»

O aparecimento de grandes empresários, produtores teatrais e de espectáculos portugueses, teve o seu  início no século XVIII, com João Gomes Varela, , que se encontra ligado à fundação de dois teatros, o "Theatro do Bairro Alto" e "Theatro do Salitre". Outros nomes evidenciaram-se neste contexto, como: e José Duarte, Bruno José do Vale, e Paulino José da Silva. Na categoria de empresários artistas, ressaltam os nomes de Francisco Xavier Vargo, actor e director de companhia, de Pedro António Avondano, músico, e o de António José de Paula, actor e dramaturgo. Outro importante empresário, Agostinho da Silva (1701-1765) surge, precisamente, na fundação do Theatro da Rua dos Condes, em 1738.

Outros se salientaram nos séculos XIX e XX como, por exemplo: Sousa Bastos (marido da actriz Palmira Bastos), Joaquim Pedro Quintella (1º Conde de Farrobo), Fernando Maia, Guilherme Cossoul, Salvador Marques, Inácio Peixoto, Visconde de S. Luiz de Braga, Afonso Taveira, José Ricardo, José Antonio do Valle, Luiz Ruas, Eduardo Brazão, Luiz Galhardo (mandou construir o primeiro "Cine-Teatro Eden"), a dupla Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro, Lino Ferreira, José Loureiro, António dos Santos Júnior, Giuseppe Bastos, Sérgio de Azevedo, e por último o que é considerado o maior empresário teatral português do século XX, Vasco Morgado (1924-1978). 

Na revista "Illustração Portugueza", em 1908

Já neste século XXI, não esqueço de mencionar o ainda felizmente vivo, e "resistente"  Hélder Freire (1941- ), empresário do "Teatro Maria Vitória", sala que também resiste, tendo comemorado o seu 1º centenário (!), no passado dia 1 de Julho de 2022.

foto de Inês Leote in: Mensagem de Lisboa

Hélder Freire e o seu centenário "Teatro Maria Vitória"

O primeiro estabelecimento que José Miguel terá sido proprietário, foi a casa de fados "Café Mondego", que abriu em 24 de Outubro de 1936, na Rua da Barroca, 124-128 no Bairro Alto. «Ao Café Mondego, a casa aonde vão as famílias de respeito.». Como veremos adiante esta casa daria lugar ao "Retiro dos Marialvas" do mesmo empresário.


24 de Outubro de 1936

23 de Novembro de 1936

Em Novembro de 1940, através da sua empresa "José Miguel & Irmão", já tinha aberto outra casa de fados,  o "Café Latino" na Rua Ferreira Borges, 60-68 em Campo de Ourique. A gerência ficou a cargo do sócio-gerente Francisco Costa. Em 1942 o "Café Latino" já se tinha mudado para a Rua Francisco Metrass, 20 (mesma rua do "Cinema Europa"), também no bairro de Campo de Ourique.

11 de Novembro de 1940


22 de Maio de 1942

5 de Maio de 1947

Em 1941 a "Empresa José Miguel", era concessionária do famoso "Solar da Alegria", que tinha sido fundado em 23 de Dezembro de 1923, na Praça da Alegria.

3 de Abril de 1941

Em 17 de Outubro de 1942, e depois de encerrado o "Café Mondego", inaugura nas mesmas instalações o "Retiro dos Marialvas", na Rua da Barroca, 126. A gerência ficou entregue a Modesto Maia.


16 de Outubro de 1942

6 de Novembro de 1942

Em 19 de Dezembro de 1942,  no "Parque Mayer", no lugar onde tinha funcionado o "Alhambra" seguido do "Galo d'Ouro", inaugurado em Junho de 1930, inaugura, o salão-teatro  "Casablanca". A gerência ficou entregue a Alberto Nunes.

19 de Dezembro de 1942


1928


4 de Outubro de 1930


Publicidade em 25 de Dezembro de 1931 e em 8 de Janeiro de 1932 (clicar para ampliar)


Área do Parque Mayer (elipse branca) e edifício do "Alhambra", "Galo d'Ouro" e "Casablanca" (elipse amarela), nas traseiras do "Teatro Maria Vitória"


"Casablanca" ao fundo da rua

José Miguel definia os espectáculos da casa do seguinte modo: «Os programas são de "music-hall", mas ligados por dialogos agradaveis e comentados por artistas de categoria; e, como hoje não se dispensa, no genero ligeiro, o castiço fado português e a canção regional, tambem os programas do "Casablanca" os incluem.» Em 1948 também promoveu espectáculos de Luta Livre.


23 de Dezembro de 1942


27 de Novembro de 1944

gentilmente cedido por Carlos Caria

1948

Em 10 de Maio de 1946, José Miguel reabre o "Salão Recreio" no "Parque Mayer". Fados e guitarradas.

10 de Maio de 1946

Em 14 de Dezembro de 1946, abre na Praça da Alegria, 56 o Dancing "Miami". «O dancing das grandes atracções internacionais» e «O casino dos artistas» com direcção de José Miguel.

14 de Dezembro de 1946

Em 31 de Dezembro de 1946, inaugura o "Café Vera Cruz", na Rua Pascoal de Melo, 98-102. Um café-concerto, tendo como animador Xavier Pinto. Em 1947 mudaria de nome para "Retiro Vera Cruz" e em 14 de Junho do mesmo ano era inaugurada a "Esplanada Vera Cruz", nas traseiras do Retiro.


31 de Dezembro de 1942

Prédio onde funcionou o café, retiro e esplanada "Vera Cruz"

Em Novembro de 1946, já tinha aberto o restaurante e music-hall "Baía", no "Parque Mayer".


10 de Novembro de 1946

22 de Janeiro de 1947

Em 1 de Julho de 1946, abre o music-hall. restaurante, casa de fados e casino "Urca" na "Feira Popular de Lisboa" no Parque da Palhavã, em Lisboa. Tinha como animador Xavier Pinto.

1 de Julho de 1946

Em 31 de Maio de 1947 inaugura o "Pinoia", o «retiro aristocrático do Fado». No mesmo dia reabre o "Sevilha". Neste ano já era empresário do famoso "Pavilhão Português", esplanada ao ar livre com cinema e variedades. Todos eles no "Parque Mayer".


30 de Maio de 1947


31 de Maio de 1947

No Verão de 1950, abre o restaurante e casa de fados "Retiro do Campino" na "Feira Popular de Lisboa" no Parque da Palhavã, em Lisboa.

8 de Julho de 1950

Como referido logo no início deste artigo, o empresário José Miguel, através da sua "Empresa Teatral José Miguel, Lda.", funda no "Parque Mayer" o "Teatro ABC " em 13 de Janeiro de 1956, com a revista "Haja Saúde" de José Galhardo, Frederico de Brito e Carlos Lopes. Seguiram-se, mais 46 revistas, intercalando com espetáculos infantis e outros espetáculos diversificados. Mas o "Teatro ABC" foi predominantemente um teatro de Revista. 




O edifício foi construído no lugar do "Casablanca", - e antes desta o “Salão Alhambra”e parte do “Pavilhão Português”, “Galo de Ouro” e o “Baía”. José Miguel ficaria como empresário do seu Teatro, até à sua morte, em 1971. Viria a tomar o seu lugar o empresário teatral Sérgio de Azevedo (1936-2006).

Sérgio de Azevedo revelaria que nunca tinha pensado ser empresário teatral e que o primeiro contato que teve com este meio foi através de Vítor Espadinha para formar uma companhia de teatro no Parque Mayer, tendo então alugado o "Teatro ABC" à empresa de Vasco Morgado com a revista "Dura lex Sed lex", escrita por Vítor Espadinha e Gonçalves Preto e estreada em 9 de Setembro de 1972. O "Teatro ABC", depois de ter sofrido um incêndio e ter reaberto, encerraria definitivamente em 1997.


Actor Luís de Mascarenhas e o empresário Sérgio de Azevedo

José Miguel, além de empresário teatral também descobriu, lançou e agenciou grandes nomes do fado e do teatro de revista, como: Celeste Rodrigues (1923-2018) - proprietária da casa de fados "A Viela" ; Deolinda Rodrigues (1924-2015) - proprietária da casa de fados "Retiro Andaluz" ; Maria Amélia Proença (1938- ); Fernando Farinha (1928-1988); Fernando Maurício (1933-2003); José Viana (1922-2003); Ivone Silva (1935-1987), etc.


Caricatura de José Miguel, desenhada por Sant'Ana em 1964

fotos in: Palco UmArquivo Municipal de LisboaFadistandoHemeroteca Digital de Lisboa, Vasco Morgado

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Morava no Jardim Constantino e lembro-me do Café Vera Cruz "sempre fechado", na Rua Pascoal de Melo, e ouvir falar da esplanada interior que incomodava a vizinhança.
A fotografia parece-me ser de meados dos anos 1960's.
Agora este prédio e o do lado estão a "render" para demolição.

Cumprimentos
Valdemar Silva