Restos de Colecção: Café Martinho

8 de junho de 2014

Café Martinho

O “Café Martinho”,  foi fundado no Largo de Camões (futuro e actual Largo D. João da Câmara), em 1845, por Martinho Bartholomeu Rodrigues, - o Martinho da Neve - também proprietário do “Café da Arcada” (mais tarde “Martinho da Arcada”) no Terreiro do Paço.

A propósito do “Martinho da Arcada” podia-se ler num artigo da revista “Serões” intitulado “Os cafés de Lisboa” (I) de Outubro de 1909:
«O café da Arcada do Terreiro do Paço (chamada a Arcada do Anselmo) já existia em 1782 com a denominação de Casa da Neve, que passados dois annos, trocou pela de Casa de Café Italiana. Pertencia a Domingos Mignani e passou, mais tarde, a Martinho Rodrigues, creador do café Martinho».

“Café Martinho” no início do século XX

Interior

Para melhor compreender o enquadramento histórico do “Café Martinho” e sua história e características publico de seguida o artigo da revista “Serões” , intitulado “Os cafés de Lisboa” (II), de Novembro 1909.

Alguns escritores o apelidaram o “Café Martinho” de "espelho da cidade". Por aqui passaram Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo, Eça de Queirós, Cesário Verde, Latino Coelho, Bulhão Pato, Fernando Pessoa, etc. Inclusivé, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa aí se encontravam para rever as provas tipográficas dos livros do último e da própria revista “Orpheu”.

O “Café Martinho” era famoso pelas suas deliciosas confecções culinárias, pelas “torradinhas de Meleças”, pelo chá verde com limão e pela neve, a par das desinteligências políticas e literárias que nele ocorreram. No ano seguinte à sua inauguração teve lugar aqui uma peleja entre o Batalhão Académico e os Batalhões do Algarve e da Carta, vendo esvoaçar pelo ar copos, chávenas, garrafas, pratos, açucareiros, bandejas, espelhos, tampos de mármore e bancos, desacato este que só findou com a intervenção da cavalaria municipal. Tal se deveu ao facto de o filho do proprietário pertencer à quarta companhia do Batalhão Académico. Augusto Zeferino Rodrigues cursou direito. Sucedeu a seu pai como proprietário do “Café Martinho da Arcada” e do “Café Martinho”.

No edifício ao seu lado o “Café Suisso” também fundado em 1845

 

Em 1909 o “Café Martinho” já propriedade da sociedade “Rivera, Alvarez & Cª’” , os seus sócios Riviera e Alvarez com a ajuda do conhecido industrial de panificação Castanheira de Moura, investiram setenta contos de réis para o transformar em “Café-Restaurante Martinho”. Este café-restaurante foi o primeiro em Lisboa.

Café-Restaurante Martinho, em 1909

No jornal "Vida Gallega" em Julho de 1911

Toda a parte decorativa foi dirigida pelo pintor João Vaz, professor da Escola Industrial de Xabregas, que fez todas as pinturas. O trabalho de escultura foi executado por Josef Füller, professor de modelação na mesma Escola . Ocupando além do piso térreo, possuía um primeiro andar, onde se situava o restaurante, que formava uma galeria aberta ao centro e sustentada por grossas colunas de ferro revestidas a escariola imitando mármore avermelhado, encimadas por capitéis dourados. Possuía também neste primeiro andar, uma varanda saída dois metros, equipada com mesas onde no Verão se poderiam ali tomar refrescos.

 

«Por toda a parte os fócos de luz elétrica espargem jorros de luz, havendo ainda ao centro um grande lustre com a força iluminante de 700 velas. Por isto se póde calcular o surpreendente efeito de luz que as salas apresentam à noite.». in revista “Occidente”

 

As “Ceias do Martinho” anunciadas em 21 de Dezembro de 1909

   

Foi um acontecimento lisboeta histórico, a restauração do “Café-Restaurante Martinho”. Café que resistiu, até 1968, aos tempos e que sobreviveu a outros de Lisboa, como o Nicola, Martinho da Arcada, O Grego no Cais do Sodré, Botequim do Casaca junto a São Julião, etc….

Excerto da nota do jornal “Diario Illustrado” em Agosto de 1910

Menú em 15 de Setembro de 1910

 

 Publicidade na “Gazeta dos Caminhos de Ferro” de 1913

Célebres se tornaram também alguns dos seus criados, é o caso do Fagundo e do galego Valentim este último retratado inclusivamente em “O António Maria”, de Rafael Bordalo Pinheiro, graças ao seu enorme nariz.

Café Martinho nos anos 40 do século XX

Porém … em 1949, o "Café Martinho" entra em falência e o estabelecimento vai a hasta pública.
«Mas do velho café que foi do Largo do Camões, ao Rossio, depois Largo de D. João da Camara - ainda existia qualquer cousa. Uma espécie de espólio de um morto, e que entrará para defesa da massa falida. É o recheio. (...)
Mas tudo isso acabara há muito. O Martinho apelintrara-se. Ainda ficou, porém, bastante do recheio e da garrafeira. É o que foi esta tarde á praça, última cena do desmoronar de uma feira.»

Entre 1949 e 1951, o “Café Martinho” foi transformado em cervejaria, pertencendo então à “Companhia de Cervejas Estrela”. Reabriria em 1951, e a sua clientela passou a ser a geração académica dos anos 50 e 60, e o seu petisco o bife especial.

29 de Dezembro de 1951

Nesta nova Cervejaria servia-se uma cerveja da marca “Imperial” cujo copo foi desenhado fino e alto para dar aos consumidores a sensação dum rio de cerveja e daí ficou a designação de imperial e fino para a cerveja servida a copo.

Café Martinho nos finais dos anos 50 do século XX e o “Bar D. João” e Restaurante “A Floresta” a seu lado

Depois de encerrado em 1966, deu lugar a uma agência bancária do “Banco do Alentejo", aberta em 28 de Maio de 1967, e já com o restaurante “Comodoro” a seu lado esquerdo

Actualmente é uma agência do “BPI - Banco Português de Investimento”

fotos in: Hemeroteca Digital, Arquivo Municipal de Lisboa, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian

3 comentários:

Manuel Tomaz disse...

E assim os Cafés de Lisboa foram desaparecendo, mais tarde o Monumental, o Mónaco, o Lisboa e muitos outros. Uma Lisboa de outros tempos!...

J.Castelo Branco disse...

fnNos idos de 60 e no 1º andar, por cima do Martinho, havia uma salão de bilhar, onde o meu Pai me levava aos sábados de manhã para dar os primeiros passos na arte. Só não me recordo se os bilhares pertenciam ao Martinho e se o acesso era o mesmo. Lembro-me apenas de meu Pai falar que íamos jogar ao Martinho

aragonez disse...

O meu Avô costumava mostrar-me uma carta de F.Pessoa, que começava:
Escrevo-te do Martinho e por isso sou sincero.