Restos de Colecção: novembro 2025

30 de novembro de 2025

"Salão Cristal"

A barbearia "Salão Cristal" abriu pela primeira vez a 20 de Outubro de 1910, na Rua Augusta, 135, em Lisboa. Eram seus proprietários David Jorge Junior e sua mulher Filomena Jorge. Este Salão veio substituir a sapataria "J. R. Souto" que ali esteve entre 1901 e 1908.


Anterior inquilino

Nota: de referir o pormenor nos espelhos ao fundo conterem anúncios publicitários a lojas vizinhas gravados nos mesmos. 

Em 25 de Novembro de 1913 dá entrada na CML projecto para as primeiras obras de alteração do seu interior, que seriam aprovadas, realizadas e inauguradas em 1 de Fevereiro de 1914.

A propósito desta inauguração o jornal "A Capital" do mesmo dia noticiava:

«Na rua Augusta, 185, foi hoje inaugurado um estabelecimento modelar, a barbearia "Saldo Christal", que fica sendo, sem duvida, o primeiro do genero em Lisboa. A nova casa tem cadeiras esmaltadas systema hydraulico, importadas da America, de S. Luiz, novidade entre nós; as paredes são todas em espelhos com ricas guarnições um metal branco e amarello; possue esterilisadores para toalhas e ferramentas, lavatorios em porcelana ingleza completos, o que de mais perfeito existe, possuindo tambem apparelhos electricos para seccagem de cabello e maçagens vibratorias.
O proprietario, ar. David Jorge Junior, offereceu a imprensa e convidados um delicado copo d'agua, trocando-se brindes muito corteses.»


1915

Em 1917 David Jorge Junior, toma de trestasse a loja contígua com os nos 131 e 133 (anteriormente pertença de Faustino António Nunes Ribeiro), e com o intuito de ampliar as suas instalações submete novo projecto de alterações à CML em 8 de Junho de 1917. O salão viria a ser totalmente refeito e redecorado e o "Salão Cristal" viria a ocupar os números de portas 131 a 135 da Rua Augusta. As novas e luxuosas instalações viriam a ser inauguradas em Abril de 1918 e sobre a qual a revista "Ilustração Portugueza" deu a devida nota e cujo recorte passo a publicar de seguida.

8 de Abril de 1918


"Salão Cristal" dentro da área delimitada a amarelo em 10 de Abril de 1926

Em 20 de Outubro de 1920 o "Salão Cristal" comemorava o seu 10º aniversário ...

25 de Outubro de 1920

1 de Novembro de 1920

Por ali esteve uns bons anos até que encerrou definitivamente, ainda antes de 1924. Na página de "Anúncios Telefónicos" do jornal "Diario de Lisbôa", já aparecia em 25 de Fevereiro de 1924 como alfaiataria. Como empresa proprietária aparece "David e Benjamim", pelo que, presumo que David seja David Jorge Junior proprietário e fundador da barbearia.

25 de Fevereiro de 1924

Em 25 de Fevereiro de 1928 num anúncio por ocasião da "Semana dos Artistas em 1928" lia-se: «Alfaiataria, Chapelaria e Gravataria»


25 de Fevereiro de 1928

Tudo foi alterado na fachada e no interior depois de por lá passarem algumas lojas como a "Madeira House". Em Julho de 2024 ali funcionava a loja da marca "Calçado Guimarães", conforme imagem do "Google Maps", e creio que ainda funciona.

Em Julho de 2024 via "Google Maps"

fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa,Arquivo Municipal de Lisboa 

26 de novembro de 2025

"Belcanto"

O restaurante-bar, salão de chá e «boite de nuit» "Belcanto" foi inaugurado em 30 de Outubro de 1959 no Largo de S. Carlos, 10 , - antigo Largo do Diretorio, entre 18 de Novembro de 1913 e 28 de Maio de 1956 - em Lisboa, pela firma "Gonzalez, Garrido & Antela, Lda.". Esta firma tinha sido constituída por escritura pública de 24 de Setembro de 1958 integrando os seguintes sócios: Jaime Dominguez González (30.000$00) vindo do restaurante "Gambrinus", José Jesus Garrido Pérez (30.000$00) e Alifonso Antela Rodriguez (30.000$00), onde «As quotas dos dois primeiros estão integralmente realizadas e em dinheiro, já entrado na caixa social. A quota do terceiro só está realizada em 10 por cento. Os restantes 90 por cento serão pagos com os seus lucros.».


"Belcanto" à esquerda do casal, na foto de 1965. À direita a "Radio-Lisboa" fundada em 1924

31 de Outubro de 1959

Espaço (delimitado a amarelo), no ainda Largo do Directorio, anterior ao "Belcanto" em foto de 23 de Março de 1943

Situado bem perto do "Teatro Nacional de São Carlos", em Lisboa, estava dividido em duas salas assemelhando-se a um clube inglês. Era sobretudo um clube de cavalheiros e local de encontro de figuras da alta sociedade lisboeta e de frequentadores do Teatro. «era a casa das meninas nas mesas, ou no quadro do hall interior, uma reprodução das bailarinas de Degas»


26 de Novembro de 1959

30 de Novembro de 1959

A partir de 9 de Março de 1961 Jaime Dominguez González ficaria como único proprietário, posição que ocuparia apenas até 22 do mesmo mês de Março de 1961. Em 14 de Junho de 1963 a sociedade "Gonzalez, Garrido & Antela, Lda.", passa aser constituída por Gelásio Saraiva Ruas, que ficou como gerente, e José de Almeida Inácio. A pertir de 6 de Agosto de 1973 a firma passa a ser constituída pelos sócios Salvador Fernando Gonçalves, Aurélio Henriques Fernandes, José Alves Bernardo e Aníbal Neves de Araújo. Em 1989 já Salvador Fernando Gonçalves tinha sido substituído por Álvaro Freitas, e o capital social aumentado de 90.000$00 para 1.000.000$00. Em 11 de Julho de 2003 o capital social é elevado para 6.000 euros, distribuído poe Jorge Aires d'Assunção Trigo de Sousa (3.000 euros) e gerente, Aníbal Neves (1.500 euros) e José Alves Bernardo (1.500 euros).


10 de Novembro de 1960

O "Belcanto" foi, até 2008, controlado pelo engenheiro químico Luís Miguel Bénard da Costa, irmão de João Bénard da Costa, da "Cinemateca Portuguesa". Após sua morte, o comando dividiu-se entre os irmãos José e Jorge Trigo de Sousa; o primeiro era psiquiatra, e o segundo, engenheiro civil. 

21 de Dezembro de 1960


1973

Já em 2009, a gestora e publicitária Rosalina Machado, - ex-presidente da "Ogilvy & Mather Portugal" desde 1986 - adquiriu o controle do "Belcanto", após ter deixado o seu cargo para dedicar-se às empresas familiares e ao restaurante, em parceria com o marido, Francisco Machado, com o qual esteve casada mais de cinquenta anos. Este viria a falecer em 24 de Janeiro de 2021 vítima de complicações da covid-19 e sua mulher Rosalina Machado falece um dia depois, vítima de um cancro no pulmão contra o qual lutava há vários anos. 

"Belcanto" em Julho de 2009, via "Google Maps", ainda com fotos de artistas na montra

O "Belcanto" viria a ser adquirido pelo conhecido chefe de cozinha José Avillez, que para tal constituiu a firma "Belcanto - Unipessoal, Lda." em 28 de Agosto de 2008. Recorde-se que Luís Bénard da Costa tinha sido padrinho de Avillez.

O "Belcanto" reabriria a 5 de Janeiro de 2012, redecorado e renovado pelas arquitectas Ana Anahory e Felipa Almeida, e sob o comando de José Avillez. No ano seguinte à sua reabertura o "Belcanto" foi distinguido com uma estrela "Michelin", a primeira da sua história, recebendo a segunda em 2014.Tornava-se assim o primeiro restaurante em Lisboa a conquistar tal distinção.


«O Belcanto abre com a gerência de José Avillez, três meses após abrir o primeiro "Cantinho do Avillez", também em Lisboa. «Tinha boiserie em carvalho "já com a sua patine", cozinha ao centro, uma sala atrás e outra à frente, e duas entradas. Era um local "muito clássico" e visto como "um clube de homens", refere o chef. Herdava uma "cozinha burguesa com influências de fora e dois ou três pratos muito típicos, criados até por clientes, como os Ovos à professor, que eram ovos mexidos com pão frito e chouriço, e um strogonof que não era strogonof, mas bifinhos com molho picante e manteiga queimada, com arroz e ovos mexidos".
O espaço do histórico Belcanto passou por três decorações e foi modernizado na era de Avillez. Retirou-se o bar à entrada e, aos poucos, foram saindo alguns clássicos da carta. Quase todos os habitués deixaram de aparecer. "Levava na cabeça porque já não fazia o strogonof igual, ou os Ovos à professor não serem como eles queriam ou porque já não fazíamos o prato", conta Avillez,que escreveu mais de 60 cartas aos clientes mais antigos. » in:
jornal "Expresso" por Pedro José Barros



Em 2019 José Avillez adquire o espaço vizinho na Rua Serpa Pinto nº 10 (antigo nº 4), anteriormente pertença da empresa de material eléctrico "Palissy Galvani". Um espaço com 370 metros quadrados, mantendo a identidade do "Belcanto" mas com ambiente mais arejado, mais luz sob projecto de decoração do ateleir de Joana Astolfi.


"Belcanto" na Rua Serpa Pinto, 10

Neste espaço, outrora Rua Serpa Pinto, nº 4, estiveram outros estabelecimentos como: em 1923 o "Salão de Novidades Alemãs" de Lino Martins Coelho e importador da marca alemã de automóveis "Dux-Presto" e de fabricantes de omnibus alemães; em 1928 já estava instalado o stand e oficinas da "Simal", que comercializava automóveis e camionetas das marcas "Hanomag", "Willys Knight", e "Franklin"; "Galeria de Arte Fundação Sousa Pedro"; e antes de ser adquirido para o "Belcanto" servia de armazens da centenária firma de material eléctrico "Palissy Galvani" que tinha sido fundada nesta rua no nº 91 (actual nº 17) em 1895. 


"Salão de Novidades Alemãs" em fotos de 28 de Abril de 1923

"Simal" em foto de 24 de Outubro de 1930


"Palissy Galvani" em Julho de 2009

23 de novembro de 2025

Relojoaria "Torroaes"

A relojoaria e ourivesaria "Torroaes", teve origem na "Relojoaria A. de Sousa Torroaes" fundada em 1909 por Antonio de Sousa Torroaes, na Rua da Prata, 123, em Lisboa, e onde tinha funcionado a loja de oculista de Augusto Gomes Rosa. Esta relojoaria iniciou a sua actividade comercializando as marcas de relógios "Longines", "International Watch & C." e "Omega".



1909

Mais uma vez, socorri-me do livro "Praça de Lisboa", coligido por Carlos Bastos em 1945, e do qual retirei o seguinte texto histórico da "Torroaes":

«Este estabelecimento, sem dúvida, um dos melhores e categorizados no seu género em Lisboa, foi fundado em 1909 por António de Sousa Torroaes que contava então 33 anos de idade. Profissional distinto, António de Sousa Torroaes, trabalhou sempre no ramo desde os 13 anos, tendo servido como empregado de relojoaria na casa Angulo, à Rua da Prata, durante aproximadamente 18 anos, onde demonstrou competência e zêlo pouco vulgares. Com excepção daquela, onde iniciou a sua aprendizagem profissional durante dois anos, António de Sousa Torroaes não serviu em qualquer outra casa.


Antonio de Sousa Torroaes


10 de Setembro de 1910


6 de Outubro de 1910


11 de Maio de 1917

A Ourivesaria e Relojoaria Torroaes, primitivamente ocupou sòmente o n.° 123 da Rua da Prata, tendo mais tarde, em 1921, António de Sousa Torroaes montado, no n.° 119 da mesma Rua, uma oficina independente de relojoaria, e alargando a sua actividade, criou também na casa, secções de ourivesaria e pratas. 
Em 1928, deixando os seus negócios em franca prosperidade, faleceu António de Sousa Torroaes a quem sucedeu seu filho Raul de Sousa Torroaes.
Tendo completado com distinção o curso comercial, Raul de Sousa Torroaes, começou a colaborar com seu pai em 1921 indo praticar para a oficina durante dois anos, passados os quaís se dedicou à secção comercial.
Em 1930, pretendendo alargar o âmbito dos seus negócios, transferiu a oficina para uns compartimentos do 3.° andar do mesmo prédio, aproveitando as instalações primitivas do mesmo para montar uma secção mais ampla de pratas.
No ano de 1936 fixou definitivamente a oficina da Ourivesaria e Relojoaria Torroaes instalada no 3.° andar do número 133 e em 1939 foram inauguradas as novas instalações do estabelecimento nos números 127 a 131, que, com o número 123 constítuem a área actualmente ocupada.


Foto de 1945




Dando Raul de Sousa Torroaes arquitectura e ambiente moderno à sua casa comercial, não só a tornou condigna da importância que disfrutava, como também impulsionou o desenvolvimento de todas as suas secções, criando mais a de joalharia com que ficou completo o seu meticuloso programa comercial.
Se até então, os salões de venda da Ourivesaria e Relojoaria Torroaes, se impunham pelo luxo discreto dos interiores e pela linha harmoniosa da fachada, a partir de Dezembro de 1945 todo o estabelecimento adquiriu novo brilho e grandeza, pois Raúl de Sousa Torroaes mandou executar grandes obras de embelezamento, segundo um projecto de larga concepção moderna.
Unificando no mesmo plano tôdas as secções, renovando a parte ornamental e aplicando profusa distribuïção de vitrinas, conseguiu transformar as dependências consecutivas num maravilhoso e amplo salão que emprestam à loja um encadrement de maravilhoso efeito e a põem a par dos melhores estabelecimentos do ramo.
Em equilíbrio com tão sumptuoso interior foi também ampliada a frontaria do prédio, acrescida agora de mais uma porta exterior e uma larga vitrina, sobrepujada pelo dístico "Jóias-Pratas". »


Expositor da "Torroaes"


Ambos de 1935



Calendário para 1956




Por altura do seu cinquentenário

Em 1968, a "Torroaes" já era representante da prestigiada marca de relógios "Patek Philipe" ...


24 de Dezembro de 1968

Entretanto, em 1918 o primo de Antonio de Sousa Torroaes, Fernando da Sousa Torroaes, tinha aberto a ourivesaria e relojoaria "F. de Sousa Torroaes", na Rua de S. Paulo, 106, em Lisboa e sob a firma "Sousa & Abranches, Lda.". Esta firma tinha como sócios Fernando da Sousa Torroaes e Felizardo Augusto Abranches.



1922

Esta sociedade durou desde a abertura deste estabelecimento até 1921, ano na qual Felizardo Augusto Abranches amigavelmente se desligou da firma cedendo a sua posição a Fernando da Sousa Torroaes, ficando como este como único proprietário, continuando a actividade em nome individual.

Em 1935, já sob a firma "F. de Sousa Torroaes, Lda.", Fernando da Sousa Torroaes coadjuvado por seu sobrinho Rogério Torroaes Cabral Calheiros, inaugura em 1935 a venda a prestações com bónus, tendo sido a segunda casa a lançar, em Lisboa, essa modalidade de pagamento.


Foto anterior a 1997

Regressando à "Torroaes" de António de Sousa Torroaes ...  por escritura pública de 24 de Novembro de 1976, é constituída a firma "Relojoaria e Ourivesaria Torroaes, Lda.", continuando com a sua sede e domicílio na Rua da Prata, 123 a 131 e  no 133, 3º Direito, em Lisboa. Com capital social de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), distribuído pelas seguintes cinco quotas: Raul de Sousa Torroaes com 190.000$00, Maria Joana de Sousa Torroaes com 100.000$00 e as restantes tres de 70.000$00 cada pertencendo cada aos restantes sócios Américo Baía Durão, Manuel Pedro Torroaes e Carlos Pereira Lucas.

O edifício já devoluto, em foto por volta de 1997

Nota: as 2 fotos anteriores, e segundo os arquivos da Biblioteca de Arte da FCG (que as disponibliza), foi retirada do livro "Lojas de um tempo ao outro" Vol II, de Jorge Ribeiro e publicado em 1997.

Não consegui apurar quando "Relojoaria e Ourivesaria Torroaes, Lda." foi liquidada e dissolvida.

Já em 19 de Abril de 1993, um processo de vistoria para a mesma morada está arquivado no "Arquivo Municipal de Lisboa", tendo sido requerido pelo novo proprietário do edifício: "Imobiliária Metropol Empreendimentos, Lda."

O mesmo edifício e lojas 123-131, em Agosto de 2024 (via Google Maps)

fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Estação ChronographicaBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Mário Novais)