Restos de Colecção: Club "Palais Royal" e "Castelo das Canas"

7 de abril de 2024

Club "Palais Royal" e "Castelo das Canas"

No primeiro trimestre de 1919, o casino e restaurant-club "Palais Royal" instalava-se no nº 3 da Avenida da Liberdade, esquina com a Calçada da Glória. Até então, e desde 1912, tinha funcionado nesse mesmo edifício a "Casa de Saúde para Cirurgia" do Dr. Henrique Bastos, especializada em doenças das vias urinárias e dos rins.

"Casa de Saúde para Cirurgia", e a partir de 1919 "Palais Royal"


1912

Este edifício terá sido construído no final da década de 70 do século XIX, contando apenas com um piso acima do solo. Em 1909, é adquirido pelo Dr. Henrique Bastos, (então estabelecido no Largo da Anunciada, nº 9) que confia ao jovem arquitecto Manuel Joaquim Norte Júnior (1878-1962) o projecto de acrescentar um 2º piso e nova fachada para o edifício. A obra ficaria concluída em 1912, ano que se instala a Clínica. Como refere o jornal "Folha de Lisboa" em 1916 «Foi expressamente construida para o fim em que está ocupada, e sob as vistas do proprietario; por isso é inutil acrescentar que tanto a construção como as instalações não podiam deixar de ser como são, perfeitas e completas ...» 


O edifício na sua configuração original, ainda só com 1 piso


Já com a nova fachada e mais um piso e acabado "de fresco"

No 1º piso funcionava o consultório da especialidade, o Museu instalado na galeria que ligava o laboratório com a sala de esterilizações. A seguir ficavam os Laboratórios, já construídos depois da inauguração da Clínica e que se compunham de sala de análise química e anatomia patológica. Por elevador chegava-se ao 2º piso onde ficava a sala de operações, quartos para os pacientes - «cada um dos quaes está isolado dentro d'uma caixa de ar constantemente renovado, e tem mobiliario conveniente segundo as exigências do estado do doente; todos têem campainhas electricas que permitem chamar o pessoal de serviço em qualquer ocasiaão, ao mesmo temp que se acende uma lampada á porta do quarto» -, quartos dos assistentes, aposentos do pessoal, etc. De referir que o Dr. Henrique de Barros era assessorado pelos Dr. Natal Garcia e João Bastos Lopes.

Um dos últimos anúncios, este de 25 de Maio de 1918, antes de encerrar em definitivo

Esta Casa de Saúde encerraria em 1919 , ano em que se instala o club e restaurante "Palais Royal", propriedade da firma "Restaurant Club Avenida, Limitada" sendo seu diretor Francisco José Ramalho. Como todos os clubs nessa época funcionava também como casa de jogo.

Nos finais da segunda década do século XX e anos 20 do mesmo século, jogava-se em todos os principais clubes nocturnos lisboetas. Nos primeiros anos 20 do século XX, as principais casa de jogo de Lisboa eram o "Maxim’s - Club dos Restauradores", "Palace Club", "Magestic Club", "Regaleira Club", "Ritz-Club", "Clube dos Patos", "Bristol Club", "Club Internacional", "Rocio Club", "Brazil Club", "Club-Central", "Palais Royal", "Olympia" e o "Club Montanha".

E para evitar surpresas (?), ou melhor, um descaramento inaudito como este, relatado em 16 de Outubro de 1894 em Cascaes ...

A bem da moral e bons costumes, eis que, em 13 de Janeiro de 1921 ...


13 de Janeiro de 1921

Pelo que ...

19 de Julho de 1921

Sol de muito pouca dura e tudo voltou ao mesmo, até ao encerramento compulsivo dos restaurantes (também) que viria a ser interrompido durante o Carnaval de 1925, devido à visita de muitas delegações estrangeiras, por ocasião do IV Centenário de Vasco da Gama. E para dar "ar" de país evoluído, o regime republicano lá permitiu durante 4 dias a sua abertura, para logo de seguida os mandar fechar de novo ...

Aqui fica o apontamento publicado no jornal "A Capital" em 23 de Fevereiro de 1925:

Os jogos mais concorridos eram a roleta, o bacarat e a banca francesa, todos jogos de azar proibidos. Mas também se jogava bilhar, mah-jong, king, e bridge, embora estas modalidades fossem menos concorridas. Os clubes possuem salas de jogo separadas do salão do restaurante e dancing, cujo ambiente contrasta com o resto do clube.

Em 1 de Março de 1919 e por ocasião do Carnaval o jornal "A Capital" publicitava:

«Terminaram, estão completamente concluidas as elegantes decorações do grande salão de baile do Palais Royal, realizadas sob  a direcção do distincto decorador José Campos. São verdadeiramente encantadoras, pela originalidade dos motivos e abundante distribuição de luz que a enriquece.
O sexteto para as tres noites de baile é dirigido pelo distincto maestro Nicolino Milano, um artista que toda a Lisboa conhece e que justificadamente tem aplaudido quer como compositor, quer como director de orchestra. E' variadissimo o programa musical das tres noites escolhido "adrede", e grande parte d'elle desconhecido em Lisboa.
A direcção do Palais Royal prepara grandes surprezas para os tres magnificos bailes que vae dar. Assim quer no salão, quer no bufete, que será ricamente fornecido, os frequentadores do Palais Royal vão passar tres esplendidas noites, sem duvida as melhores que se preparam em Lisboa.
Todos sabem que o Palais Royal é o primeiro casino alfacinha. O mundo "chic" que o frequenta é de absoluta selecção, e o conjuncto da assistencia das suas salas aos elegantes e magnificos jantares e bailes, verdadeiramente elegante. Annunciando, pois, os bailes carnavalescos, a empreza annuncia tres verdadeiras festas de sociedade, revestidas de tudo quanto existe de mais fino e bem installado.
Devem ser surprehendentes, de verdade, os bailes do Palais Royal.»


Foto de Novembro de 1918. Atente-se ao logradouro nas traseiras do edifício, na Calçada da Glória

Finalmente, a publicação do Decreto n.º 14.463, de 3 de Dezembro de 1927, veio pôr termo, em Portugal, a uma tradição já secular de proibição do jogo. Com efeito, dispunha o Código Civil de 1867, que «o contracto de jogo não é permitido como meio de adquirir». Ademais, também o Código Penal de 1886 criminalizava a atividade de exploração de jogo, a profissão de jogador e o jogo ocasional.

No entanto, o desejo de jogar apresentava-se como uma realidade incontornável. Neste sentido, dispunha o preâmbulo do Decreto n.º 14.463, de 3 de Dezembro de 1927, que «o jogo era um facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas».

«Reconhecida a ineficácia da repressão, a regulação produzida visou definir as condições em que o jogo se podia desenvolver e quem o podia praticar. Foram criadas zonas de jogo, que pretendiam assegurar as condições necessárias à respetiva prática num ambiente controlado, com garantias de idoneidade e reduzindo ou anulando o interesse pelo jogo clandestino e ilícito. Foi também evidente a alteração de paradigma que pautou a atuação do Estado, ao abandonar a repressão penal e procurar modular comportamentos através do instrumento fiscal. A tributação do jogo assume-se, assim, historicamente, como um elemento regulatório efetivo.» in: "Diário da República"

Entretanto e, ainda em Junho de 1919, Francisco José Ramalho inaugura num logradouro nas traseiras do edifício do "Palais Royal", o "Castelo das Canas". Um edifício a imitar um pequeno castelo e que não era mais que uma cervejaria, com «esmerado serviço de restaurant, que é dirigido por três chefes de cosinha, o da portugueza, o da franceza e o da hespanhola».


Logradouro em ambas assinalado por uma elipse vermelha


Lograduro atrás do muro à direita da foto e do elevador

Nota: Quanto ao logradouro é mais nítido e visível na primeira foto deste artigo, logo no início



7 de Julho de 1919

Uma vantagem deste estabelecimento era o facto de ... «Do Castelo das Canas comunica-se tambem com as magnificas salas do Palais Royal que, mobilado luxuosamente e com o requintado gosto artistico, se pode considerara uma das primeiras casa do seu genero.»

O "Palais Royal" encerraria definitivamente no final de 1924. Presumo que o "Castelo das Canas" não terá tido sucesso e terá encerrado bem antes, pois exceptuando a página da "Illustração Portugueza" que publiquei, nunca encontrei referência alguma a este estabelecimento.

Último anúncio publicitário em 1 de Março de 1924

No lugar do "Castelo das Canas" viria a ser erguido um prédio de habitação - nº 2 da Calçada da Glória -, igualmente projectado, em 1926, pelo arquitecto Manuel Joaquim Norte Júnior, e que já tinha projectado, em 1925, a mansarda do edifício do "Palais Royal". Quanto ao edifício do "Palais Royal" ... As lojas seriam ocupadas pela importadora dos automóveis americanos "Dodge Brothers" e camions e omnibus "Unic", a firma "Bernardino Correa & C.ª", e que por lá permaneceria até ser substituída pelo café "Palladium", inaugurado em 17 de Dezembro de 1932, enquanto que no restante edifício, e a partir de finais de 1928 se instalou a sede da "Sociedade Comercial Philips Portuguesa".


Já com o novo edifício construído nas traseiras, e na Calçada da Glória, nº 2, em foto de 1928

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca Nacional Digital, Museu de Lisboa

4 comentários:

Bic Laranja disse...

Novidades antigas. Curiosidades raras e cheias de interesse, como sempre.
Cumpts.

José Leite disse...

Comentado amavelmente pelo amigo "Bic", como sempre
Cumprimentos

Valdemar Silva disse...

Muito interessante, como nos tem habituado.

Cumprimentos

José Leite disse...

Grato pelo seu amável comentário.
Cumprimentos