Restos de Colecção: Regaleira Club

13 de agosto de 2023

Regaleira Club

O "Regaleira Club" foi fundado por volta de 1917, no "Palácio de S. Domingos" conhecido por "Palácio Regaleira", no Largo de São Domingos, 14 em Lisboa. O ano apontado deve-se ao facto de, segundo Irene Vaquinhas, o "Club Palácio da Regaleira" pagar ao Governo Civil de Lisboa, entre Fevereiro e Maio de 1917, a devida licença para prolongar, todas as noites, as suas diversões para além da meia-noite, e ter pago nesse ano um avultado montante pela licença de jogo.

"Palácio de S. Domingos" ou "Palácio Regaleira"


1922

A construção do, então, "Palácio de S. Domingos" é do século XVIII, e está implantado no Largo de São Domingos, bem perto da "Igreja de S. Domingos". Adquirido este palácio, pela 1ª Baronesa e 1ª Viscondessa da Regaleira, D. Ermelinda Allen Monteiro d'Almeida (1768-1858), - filha de John Francis Allen, um rico comerciante de Vinho do Porto - esposa de José Monteiro d’Almeida, comerciante que viria a constituir grande fortuna através da casa de vinhos do Porto, "Monteiro Dixon & Cª ".  Por consequência, o "Palácio de S. Domingos" passa a ser conhecido e designado por "Palácio Regaleira" - apesar da imprensa da época continuar a referir "Palácio de S. Domingos". Viria a ser palco de festas luxuosas e muito badaladas na Lisboa desse tempo. 


D. Ermelinda Allen Monteiro d'Almeida (1768-1858)

Por morte de D. Ermelinda Allen Monteiro d'Almeida, em 28 de Dezembro de 1858, e na ausência de filhos, o palácio passa para a posse de sua sobrinha D. Maria Isabel Allen (1808-1889) - 2ª Baronesa da Regaleira, que ali viveu até à sua morte em 1 de Dezembro de 1889. O "Palácio de S. Domingos" passa então para o seu 2º filho Paulo Carlos Allen de Morais Palmeiro (1842-1898) - 3º Barão da Regaleira. Por ocasião da sua morte, em 22 de Dezembro de 1898 o jornal "Novidades" no mesmo dia, escrevia:

«Falleceu hoje, apoz um doloroso e prolongado soffrimento, o sr. Barão da Regaleira, que foi, incontestavelmente, uma das figuras salientes da nossa primeira sociedade. Nas festas elegantes, no Turf-Club, em S. Carlos, em todos os circulos mundanos, emfim, era certo encontrar-se o illustre titular, e em todos elle conquistou sempre grandes sympathias pela sua aprimorada educação de gentleman e pelos seus bellos dotes de caracter. Foi o barão da Regaleira o iniciador e o organizador das batalhas de flores em Portugal. O seu fino gosto artistico, e a sua actividade, tiveram ensejo de se manifestar distinctamente n’essas festas e em muitas outras levadas a effeito com o concurso da nossa aristocracia. O barão da Regaleira teve a sua época. Está ainda na memória de todos a recordação dos bailes sumptuosos do seu palacio do largo de S. Domingos e das festas de sua formosa quinta de Cintra. Mais tarde, revezes da fortuna privaram o d’esse antigo fausto e fizeram com que o barão da Regaleira se affastasse um  pouco da vida elegante que levava.  A morte do sympathico titular é muito sentida »


"Diario Illustrado de 23 de Dezembro de 1898

O "Palácio Regaleira" sairia da posse da sua família, em 1901, ano em que o edifício é comprado pelo um abastado empresário Artur Aires.

A revista "ABC" publica, em no seu nº de 7 de Julho de 1921, um artigo ilustrado com fotografias de Serra Ribeiro da «Monumental escada»  e da «Majestosa sala do Regaleira Club», no qual se exalta  «a alegria de viver bem, com todas as comodidades e magnificências», lema dos grandes centros de civilização da Europa e América no pós-guerra. O "Regaleira Club" é apresentado como uma das «iniciativas arrojadas que visam proporcionar em Lisboa um espaço para a vida mundana, onde impere o conforto e a beleza.»


«Monumental escada»


«Majestosa sala do Regaleira Club»

Nos anos 20 do século XX, jogava-se em todos os principais clubes nocturnos lisboetas. Nos primeiros anos 20 do século XX, as principais casa de jogo de Lisboa eram o "Maxim’s - Club dos Restauradores", "Palace Club", "Magestic Club", "Regaleira Club", "Ritz-Club", "Clube dos Patos", "Bristol Club", "Club Internacional", "Club Palais Royal", "Olympia" e o "Club Montanha".


16 de Julho de 1921

Em 25 de Fevereiro de 1922, e por altura do Carnaval, o jornal "A Vanguarda", publicou um artigo com carácter publicitário intitulado: «O Club da Regaleira é, nas noites de Carnaval, o ponto de reunião favorito da sociedade elegante»:

«Se existisse alguem a quem parecesse injustificada a fama do Club da Regaleira, esse alguem não teria mais que visitar o historico palacio de S. Domigos, nas noites de Carnaval para se convencer do quanto essa fama é justa e merecida.
O Club Regaleira é - já aqui o dissemos - o club das élites. Tudo quanto ha de mais distinto em Lisboa, tudo o que mais se destaca na sociedade da capital, faz do Regaleira ponto de reunião obrigatorio. A concorrencia do publico só tem rival na simpatia deste atraente recinto.
A razão disto está no agradavel ambiente, no harmonico e esplendido conjunto de divertimentos que fazem do Club da Regaleira uma das poucas coisas de que Lisboa civilizada se pode orgulhar para mostrara aos estrangeiros que a vizitam.
O aspecto maravilhoso dos seus salões, em que se casam a riqueza e o bom gosto; o inexcedivel primor do serviço de restaurant, a mestria da orquestra, as artistas de sensação que se exibem aos olhos deslumbrados do vizitante, o conforto ultra-moderno dos salões de barbeiro, manicure, engraxador, etc., tudo isso faz do Regaleira um palacio onde se desejaria viver eternamente, esquecendo as preocupações e trabalhos do mundo. (...) »





E para o Natal de 1922 no "Regaleira Club" é só ler o seguinte artigo no jornal "A Capital" de 23 de Dezembro de 1922, e da autoria de Humberto Silva.

Os jogos mais concorridos parecem ser a roleta, o bacarat e a banca francesa, todos jogos de azar proibidos. Mas também se jogava bilhar, mah-jong, king, e bridge, embora estas modalidades fossem menos concorridas. Os clubes possuem salas de jogo separadas do salão do restaurante e dancing, cujo ambiente contrasta com o resto do clube. Nas salas de jogo impõe-se o silêncio, contrastando com a ruidosa animação do dancing:

«Em nenhum templo o silêncio seria mais opaco do que numa sala de jogo. Em nenhum templo os devotos se isolam da vida palpável que os cerca – como os jogadores. Entra-se, instintivamente, no bico dos pés. Os conciliábulos, as
combinações, os comentários, são feitos a meia-voz, cochichados, num respeito imponente pelo silêncio dos parceiros. Só de tempos a tempos a voz dos croupiers fere este silêncio:
– Façam jogo!
Ou então anunciando a sorte:
– Sete…
E logo saltitam pequenas exclamações; a pá de cabo elástico varre o tapete verde; tilintam as fichas – e de novo tudo cai em silêncio.» in: Repórter X, «Histórias e personagens das salas de jogo», in:  revista "ABC", de 8 de Julho de 1926.




30 de Dezembro de 1921

Nos clubes também se fumam cigarros em boquilhas, sobretudo as mulheres, ou charutos, em especial os homens, enquanto simplesmente se conversa. Outro consumo, este mais marginal, é o da cocaína, droga vista como intimamente associada a estes espaços. Os clubes disponibilizam ainda serviço de barbearia, reservam salas para a leitura de periódicos, promovem matinés infantis, conferências, almoços de confraternizações sócio-profissionais, banquetes de homenagem, entre outras ...

Em 14 de Novembro de 1923, o "Palácio Regaleira" é vendido à "Companhia dos Tabacos de Portugal" (fundada em 1881), pela quantia de 1.303.000$00. O desaparecimento do clube nesta altura estará ligado à vaga de repressão do jogo que se fez sentir nesse ano, uma vez que, após a transacção, o edifício seria utilizado por outros tipos de inquilinos como: "Grande Hotel Continental" (1891- 1901); "Theatro Electrico Magico" (1901); "Liceu Nacional de Lisboa" (1903-1909) e futuro "Liceu Camões""Theatro Rocio-Palace" (1910-1914); "Vacaria de S. Domingos"; "Armazém de Roupas Nogueira"; "Fotografia Electro Rápida", de Brito Gago Justel; "Empresa Portuguesa de Instalações Eléctricas, Lda."; "Bazar Universal, Lda." de Orlando Silva, etc. Por estes anos instalar-se-ia, igualmente, no 2º andar deste edifício a "Casa das Beiras", instituição de carácter regional que organizava festas, bailes e récitas.


"Grande Hotel Continental" 


1891

"Theatro Rocio Palace"

gentilmente cedido por Carlos Caria

Em 1933 a "Companhia dos Tabacos de Portugal" arrenda à "Ordem dos Advogados", fundada em 12 de Junho de 1926, o 1.º andar do edifício, que inicia obras de recuperação no palácio. A nova sede da "Ordem dos Advogados" no 1º andar, só é inaugurada em cerimónia solene a 24 de Maio de 1939. Finalmente, a 26 de Janeiro de 1960, a "Companhia dos Tabacos de Portugal" vende o "Palácio Regaleira" à "Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e Solicitadores" por 11.000.000$00, ficando a utilizar parte do edifício.



Escadaria e Salão Nobre da "Ordem dos Advogados", após as primeiras obras de remodelação



"Palacio Regaleira" em 1970

Exterior do "Palacio Regaleira" e interior da "Ordem dos Advogados" actualmente



Bibliografia: Tese para Mestre em História Moderna e Contemporânea "Clubes Modernos em Lisboa: Sociabilidade, Diversão e Transgressão (1917-1927)" de  Cecília Santos Vaz - ISCTE Departamento de História - (2008)

fotos in: Hemeroteca DigitalBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Horácio Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Ordem dos Advogados

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