O "Regaleira Club" foi fundado por volta de 1917, no "Palácio de S. Domingos" conhecido por "Palácio Regaleira", no Largo de São Domingos, 14 em Lisboa. O ano apontado deve-se ao facto de, segundo Irene Vaquinhas, o "Club Palácio da Regaleira" pagar ao Governo Civil de Lisboa, entre Fevereiro e Maio de 1917, a devida licença para prolongar, todas as noites, as suas diversões para além da meia-noite, e ter pago nesse ano um avultado montante pela licença de jogo.
"Palácio de S. Domingos" ou "Palácio Regaleira"
A construção do, então, "Palácio de S. Domingos" é do século XVIII, e está implantado no Largo de São Domingos, bem perto da "Igreja de S. Domingos". Adquirido este palácio, pela 1ª Baronesa e 1ª Viscondessa da Regaleira, D. Ermelinda Allen Monteiro d'Almeida (1768-1858), - filha de John Francis Allen, um rico comerciante de Vinho do Porto - esposa de José Monteiro d’Almeida, comerciante que viria a constituir grande fortuna através da casa de vinhos do Porto, "Monteiro Dixon & Cª ". Por consequência, o "Palácio de S. Domingos" passa a ser conhecido e designado por "Palácio Regaleira" - apesar da imprensa da época continuar a referir "Palácio de S. Domingos". Viria a ser palco de festas luxuosas e muito badaladas na Lisboa desse tempo.
D. Ermelinda Allen Monteiro d'Almeida (1768-1858)
Por morte de D. Ermelinda Allen Monteiro d'Almeida, em 28 de Dezembro de 1858, e na ausência de filhos, o palácio passa para a posse de sua sobrinha D. Maria Isabel Allen (1808-1889) - 2ª Baronesa da Regaleira, que ali viveu até à sua morte em 1 de Dezembro de 1889. O "Palácio de S. Domingos" passa então para o seu 2º filho Paulo Carlos Allen de Morais Palmeiro (1842-1898) - 3º Barão da Regaleira. Por ocasião da sua morte, em 22 de Dezembro de 1898 o jornal "Novidades" no mesmo dia, escrevia:
«Falleceu hoje, apoz um doloroso e prolongado soffrimento, o sr. Barão da Regaleira, que foi, incontestavelmente, uma das figuras salientes da nossa primeira sociedade. Nas festas elegantes, no Turf-Club, em S. Carlos, em todos os circulos mundanos, emfim, era certo encontrar-se o illustre titular, e em todos elle conquistou sempre grandes sympathias pela sua aprimorada educação de gentleman e pelos seus bellos dotes de caracter. Foi o barão da Regaleira o iniciador e o organizador das batalhas de flores em Portugal. O seu fino gosto artistico, e a sua actividade, tiveram ensejo de se manifestar distinctamente n’essas festas e em muitas outras levadas a effeito com o concurso da nossa aristocracia. O barão da Regaleira teve a sua época. Está ainda na memória de todos a recordação dos bailes sumptuosos do seu palacio do largo de S. Domingos e das festas de sua formosa quinta de Cintra. Mais tarde, revezes da fortuna privaram o d’esse antigo fausto e fizeram com que o barão da Regaleira se affastasse um pouco da vida elegante que levava. A morte do sympathico titular é muito sentida »
O "Palácio Regaleira" sairia da posse da sua família, em 1901, ano em que o edifício é comprado pelo um abastado empresário Artur Aires.
A revista "ABC" publica, em no seu nº de 7 de Julho de 1921, um artigo ilustrado com fotografias de Serra Ribeiro da «Monumental escada» e da «Majestosa sala do Regaleira Club», no qual se exalta «a alegria de viver bem, com todas as comodidades e magnificências», lema dos grandes centros de civilização da Europa e América no pós-guerra. O "Regaleira Club" é apresentado como uma das «iniciativas arrojadas que visam proporcionar em Lisboa um espaço para a vida mundana, onde impere o conforto e a beleza.»
Nos anos 20 do século XX, jogava-se em todos os principais clubes nocturnos lisboetas. Nos primeiros anos 20 do século XX, as principais casa de jogo de Lisboa eram o "Maxim’s - Club dos Restauradores", "Palace Club", "Magestic Club", "Regaleira Club", "Ritz-Club", "Clube dos Patos", "Bristol Club", "Club Internacional", "Club Palais Royal", "Olympia" e o "Club Montanha".
Em 25 de Fevereiro de 1922, e por altura do Carnaval, o jornal "A Vanguarda", publicou um artigo com carácter publicitário intitulado: «O Club da Regaleira é, nas noites de Carnaval, o ponto de reunião favorito da sociedade elegante»:
O Club Regaleira é - já aqui o dissemos - o club das élites. Tudo quanto ha de mais distinto em Lisboa, tudo o que mais se destaca na sociedade da capital, faz do Regaleira ponto de reunião obrigatorio. A concorrencia do publico só tem rival na simpatia deste atraente recinto.
A razão disto está no agradavel ambiente, no harmonico e esplendido conjunto de divertimentos que fazem do Club da Regaleira uma das poucas coisas de que Lisboa civilizada se pode orgulhar para mostrara aos estrangeiros que a vizitam.
O aspecto maravilhoso dos seus salões, em que se casam a riqueza e o bom gosto; o inexcedivel primor do serviço de restaurant, a mestria da orquestra, as artistas de sensação que se exibem aos olhos deslumbrados do vizitante, o conforto ultra-moderno dos salões de barbeiro, manicure, engraxador, etc., tudo isso faz do Regaleira um palacio onde se desejaria viver eternamente, esquecendo as preocupações e trabalhos do mundo. (...) »
Os jogos mais concorridos parecem ser a roleta, o bacarat e a banca francesa, todos jogos de azar proibidos. Mas também se jogava bilhar, mah-jong, king, e bridge, embora estas modalidades fossem menos concorridas. Os clubes possuem salas de jogo separadas do salão do restaurante e dancing, cujo ambiente contrasta com o resto do clube. Nas salas de jogo impõe-se o silêncio, contrastando com a ruidosa animação do dancing:
Nos clubes também se fumam cigarros em boquilhas, sobretudo as mulheres, ou charutos, em especial os homens, enquanto simplesmente se conversa. Outro consumo, este mais marginal, é o da cocaína, droga vista como intimamente associada a estes espaços. Os clubes disponibilizam ainda serviço de barbearia, reservam salas para a leitura de periódicos, promovem matinés infantis, conferências, almoços de confraternizações sócio-profissionais, banquetes de homenagem, entre outras ...
Em 14 de Novembro de 1923, o "Palácio Regaleira" é vendido à "Companhia dos Tabacos de Portugal" (fundada em 1881), pela quantia de 1.303.000$00. O desaparecimento do clube nesta altura estará ligado à vaga de repressão do jogo que se fez sentir nesse ano, uma vez que, após a transacção, o edifício seria utilizado por outros tipos de inquilinos como: "Grande Hotel Continental" (1891- 1901); "Theatro Electrico Magico" (1901); "Liceu Nacional de Lisboa" (1903-1909) e futuro "Liceu Camões"; "Theatro Rocio-Palace" (1910-1914); "Vacaria de S. Domingos"; "Armazém de Roupas Nogueira"; "Fotografia Electro Rápida", de Brito Gago Justel; "Empresa Portuguesa de Instalações Eléctricas, Lda."; "Bazar Universal, Lda." de Orlando Silva, etc. Por estes anos instalar-se-ia, igualmente, no 2º andar deste edifício a "Casa das Beiras", instituição de carácter regional que organizava festas, bailes e récitas.
"Theatro Rocio Palace"
Em 1933 a "Companhia dos Tabacos de Portugal" arrenda à "Ordem dos Advogados", fundada em 12 de Junho de 1926, o 1.º andar do edifício, que inicia obras de recuperação no palácio. A nova sede da "Ordem dos Advogados" no 1º andar, só é inaugurada em cerimónia solene a 24 de Maio de 1939. Finalmente, a 26 de Janeiro de 1960, a "Companhia dos Tabacos de Portugal" vende o "Palácio Regaleira" à "Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e Solicitadores" por 11.000.000$00, ficando a utilizar parte do edifício.
Bibliografia: Tese para Mestre em História Moderna e Contemporânea "Clubes Modernos em Lisboa: Sociabilidade, Diversão e Transgressão (1917-1927)" de Cecília Santos Vaz - ISCTE Departamento de História - (2008)
fotos in: Hemeroteca Digital, Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian (Estúdio Horácio Novais), Arquivo Municipal de Lisboa, Ordem dos Advogados
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