A "Fundição de Massarellos" nasce em 1849, como parceria comercial entre Joaquim Lidoro de Castro, William Hawke e Joaquim Augusto Kopke (Barão de Massarellos), com um capital de 19.500$000 réis. Quanto à sua abertura, terá ocorrido em finais de 1851 início de 1852, com instalações fabris na Rua Praia de Massarellos, nº 60, no Porto. Transcrevo uma notícia publicada na "Revista Universal" de 16 de Janeiro de 1851, na qual, por sua vez, se transcrevia um «aviso» assinado por dois fundadores:
A modernização do tecido industrial portuense no século XIX, passou, numa primeira fase, pela criação de um sector metalúrgico, o qual iria utilizar, pela primeira vez nesta cidade, a energia a vapor. São deste período inicial, a "Companhia de Artefactos de Metaes" - ou "Fundição do Rozario", por estar localizada na Rua do Rozario - fundada em 1837 por Francisco Inácio Pereira Rubião - começando por fabricar fogões e alambiques -, e a "Fundição do Bicalho", fundada em 1841, que foram as primeiras e mais importantes fábricas metalúrgicas da cidade nesse período. Não obstante ter sido a "Fundição do Rosario" a primeira a introduzir a energia a vapor, nos finais da década de 1830 ou nos primeiros anos da seguinte, foi a "Companhia de Fundição do Bicalho" - com estatutos publicados em 9 de Janeiro de 1851 - por David Hargreaves e John Eccles Martin - aquela que ganhou um papel de maior destaque no sector metalúrgico.
Factura da "Companhia dos Artefactos de Metaes"
Parte dos Estatutos da nova "Companhia de Fundição do Bicalho" em 9 de Janeiro de 1851
No entanto, em 1849, a falência bate à porta da "Fundição do Bicalho", sendo então constituída uma nova sociedade para explorar a fábrica. Em 1856, Luiz Ferreira de Sousa Cruz - que, anteriormente, já tinha tentado estabelecer-se como industrial - entra para a administração da fábrica, como secretário, e em 1860 já era o seu arrendatário, tentando contrariar a má situação económica que a mesma então vivia. Não conseguiu, e abandona a "Fundição do Bicalho" em 1864, quando esta já era pertença de um novo proprietário, Eugénio Ferreira Pinto Basto.
16 de Setembro de 1859
Sem grandes posses, mas munido do capital de conhecimentos e de experiência adquiridos na "Fundição do Bicalho", Sousa Cruz decide então instalar-se por conta própria, fundando a sua firma "Luiz Ferreira de Souza Cruz & Filhos", em 1864, proprietária da fábrica metalúrgica. Apesar de se debater com carência de capitais, conseguiu erguer rapidamente três barracões de madeira, no Campo de Ferreiros, freguesia de Lordelo do Ouro, dando ali logo início à actividade da fábrica, a que chamou de "Fundição do Ouro". As instalações definitivas, ocupando uma área de 3000 metros quadrados, foram inauguradas dois anos mais tarde, em 15 de Agosto de 1866. Apesar das inúmeras vicissitudes por que passou ao longo da sua existência, no início do séc. XX a "Fundição do Ouro" readquiriu a sua estabilidade económica e empresarial, ao integrar a "Companhia Alliança", a qual já era proprietária da mais importante fábrica metalúrgica do Porto, a "Fundição de Massarellos".
25 de Dezembro de 1891
Em relação à origem dos proprietários de fábricas, a primeira geração de fundições foi geralmente constituída por engenheiros ou operários, quase sempre ingleses, com o apoio do capital de alguns notáveis da cidade. Algumas experiências insipientes e efémeras caracterizaram também este período que poderá ser balizado entre as décadas de 1840 e 1850. A segunda geração de fundições, nas décadas de 1860 e 1870, foi constituída normalmente por ex-operários das fundições mais antigas ou por ampliações de oficinas de serralharia já existentes.
Como foi referido no início, "A Fundição de Massarellos" nasceu em 1849, como parceria comercial entre Joaquim Lidoro de Castro, William Hawke e o Barão de Massarellos, e terá começado a funcionar entre finais de 1851 e princípio de 1852.
A sua história começa com o inglês William Hawke. Este veio para Portugal como oficial de carpintaria de moldes da "Fundição do Bicalho" (de David Hargreaves e fundada em 1841). No entanto, pouco tempo após ter casado com uma irmã de Hargreaves, foi despedido. Pensou então em fundar a sua própria fabrica e tentou convencer Joaquim Lidoro de Castro a formarem uma sociedade, e a seguir pediram o apoio do Barão de Massarellos. Este cedeu-lhes um edifício para a instalar a fábrica. Recorde-se que o Barão de Massarellos tinha sido accionista da "Companhia de Artefactos de Metais" ("Fundição do Rosario").
No entanto, nos primeiros anos, a fábrica não progredia e as dívidas iam aumentando, que iam sendo pagas pelo Barão de Massarellos. Esta situação termina em 1852, com a entrada na sociedade de Gaspar da Cunha Lima, que tinha abandonado, nesse ano, o lugar de professor na Escola Industrial do Porto. Este já estava ligado à industria da fundição de metais desde o início da década de 1840, pois tinha sido director da "Companhia Perseverança" (ex-"José Pedro Collares, Gomes & Irmão"). Por outro lado, antes de se juntar à sociedade, Gaspar da Cunha Lima tinha feito parte da sociedade anónima que geria a "Fundição do Bicalho".
Com a entrada de Gaspar da Cunha Lima, acompanhado de Antonio Thomaz Negreiros, a fabrica passa para a posse da "Companhia Alliança", passando a fundição a designar-se "Companhia Alliança - Fundição de Massarellos". William Hawke continuava responsável pela parte técnica da fabrica, tendo ficado Gaspar da Cunha Lima com o cargo de director geral, durante muitos anos. Em 1861 não só a fabrica ganhou uma medalha de prata com distinção, como o próprio Gaspar da Cunha Lima.
Em 1881, a fabrica estava instalada em armazéns que não tinham sido construídos para fundição e que, por isso, possuíam deficientes iluminação e ventilação, assim como o espaço era exíguo para uma fabrica com tão grande volume de trabalho. A máquina a vapor primitiva era de 1851, de fabrico inglês e com 16 cv. Em 1870 já possuía outra com 8 cv. As caldeiras primitivas tinham sido substituídas, havia alguns anos, por outras, construídas na própria fabrica. Os laminadores de calandra para chapa e o punção-tesoura da oficina das caldeiras, possuíam também uma máquina auxiliar, cuja caldeira vertical, isolada, alimentava o guindaste a vapor colocado no cais, sobre o rio. As máquinas eram consideradas boas e, em parte, inglesas, havendo também outras construídas na própria fábrica, mas feitas segundo modelos estrangeiros.
"Fundição de Massarellos" em frente ao "seu" cais de Massarellos
Em 1881, a fabrica respirava prosperidade. No ano anterior tinha produzido um valor total de 72.000$000 réis. Na gestão já estava Joaquim Carvalho de Assunção, que tinha assumido o cargo recentemente, uma vez que em 1878 ainda era director Gaspar da Cunha Lima. O diretor de fabrico era William Hawke, que recebia como honorários 10% dos lucros líquidos anuais, com um valor mínimo estipulado de 900$000 réis. De referir que, William Hawke tinha abandonado a "Fundição de Massarellos" em 31 de Dezembro de 1873, para fundar a sua própria fabrica - a "Fundição de Monchique" -, mas regressaria à "Fundição de Massarellos" em 1880.
Principais fundições de ferro no Porto, no "Almanach Comercial de Lisboa" de 1885
Em Agosto 1882, aquando da inauguração da "Linha da Beira Alta" dos "Caminhos de Ferro da Beira Alta" (entre a Figueira da Foz e Vilar Formoso), o Rei D. Luiz I, no seu regresso de Vilar Formoso para Lisboa, parou em Massarelos a 14 de Agosto, para visitar a "Fundição de Massarellos".
«O Rei aclamado pelos operarios, louvou muito os trabalhos que lhe foram apresentados. Os chefes de oficina, os srs. Joaquim Francisco Praça, Manoel Lugarinho e João Barros, foram recebidos por sua majestade, que, depois de lhes ter dirigido algumas palavras, colocou-lhes no peito a cruz de cavaleiros da Ordem de Cristo».
No processo de crescimento da "Companhia Alliança" registou-se, em 1899, a construção de uma unidade auxiliar, próxima da "Fundição de Massarellos", dedicada à especialidade de caldeiraria, a "Caldeiraria de D. Pedro". Em 1906, a companhia aumentou a sua dimensão através da aquisição da "Fundição do Ouro", passando assim a explorar os dois maiores estabelecimentos metalomecânicos da cidade do Porto.
25 de Dezembro de 1895
O progresso desta fundição foi evidente e, em pouco tempo, já era considerada a maior e melhor fundição do Porto e do país, só superada pelas "Empreza Industrial Portugueza" e "Companhia Perseverança" ("Fábrica Collares"), ambas em Lisboa. Devido ao grande volume de encomendas, a "Fundição de Massarellos" chegou a laborar nos dias santos e durante a noite.
Um anúncio publicitário, publicado em vários jornais e almanaques na década de 1880, descrevia a "Fabrica de Massarellos" da seguinte forma:
Varias medalhas e distinções honrosas nas diversas exposições a que tem concorrido.»
Na "Fábrica de Massarellos" foram, a título de exemplos, antes de 1881, executadas as seguintes obras: doze máquinas a vapor; as marquises das gares de Nine e Viana; os elevadores hidráulicos das alfândegas de Lisboa e Porto; duas lanchas de vapor para a Alfândega do Porto; cinquenta moinhos para grão; parte da estufa do Jardim Botânico de Coimbra; parte da estrutura de ferro do Mercado Ferreira Borges; Ponte do Pinhão; a estátua de D. Afonso Henriques, em Guimarães; etc. Assim como muitas em obras para os cemitérios da Foz do Douro, da Lapa, de Agramonte e Prado do Repouso, de Leça da Palmeira, de Braga, etc.
Em 1917 a "Companhia Alliança" explorava três unidades produtivas no Porto: a "Fundição de Massarellos", a "Fundição do Ouro", e a "Caldeiraria de D. Pedro". A maior unidade era a de Massarelos, que se considerou ser um dos estabelecimentos metalomecânicos com mais de 250 operários. Já em 1909 empregava 210 e no ano seguinte sensivelmente o mesmo número.
A "Companhia Aliança - Fundição de Massarelos" viria a encerrar, definitivamente, em 1975 ...
Quanto à "Fundição do Ouro", também propriedade da "Companhia Aliança", no princípio da década de 80 do século XX, e após 125 anos de actividade, encerra definitivamente. Em Maio de 1984, as instalações, os terrenos (14.000 m2) e o espólio da fábrica são alvo de um auto de penhora, sendo igualmente fixada para Novembro desse ano a sua arrematação em hasta pública.
Bibliografia:
- “Subsídios para a História das Fábricas de Fundição do Porto no Século XIX”, de Francisco Queiroz - Publicação da "Associação Cultural Amigos do Porto" - Boletim 2001, 3ª série nº 19.
- "O Triste Fim da Fundição do Ouro" - José Manuel Lopes Cordeiro - Jornal "O Público" de 25 de Abril de 1999.
- "A Companhia de Artefactos de Metais Estabelecida no Porto (1837-1852) - J. Francisco Ferreira Queiroz - Arqueologia Industrial nº 1 e 2 - 2005.
- "A Produção de Mobiliário Urbano de Fundição em Portugal: 1850 a 1920 - Tese para grau de Doutora - Sílvia Barradas - Universidade de Barcelona (Julho de 2015).
fotos in: Hemeroteca Digital de Lisboa, Delcampe.net, Arquivo Municipal do Porto, Biblioteca Nacional Digital, Porto de Antanho, Francisco Queiroz, Fundição Portimagem
7 comentários:
Parabéns por mais um excelente trabalho sobre as fundições do Porto, mais em particular da Fundição de Massarelos. Acho que o Porto sempre teve uma grande costela de metalúrgica, pequenas e grandes fábricas faziam de tudo um pouco, recordo em especial a grande E.F.I. - Eduardo Ferreirinha e Irmão, mais conhecida por Ed. Ferreirinha. Aqui se produziu o EDFOR um dos carros feitos totalmente em Portugal, motores Diesel muito usados em barcos de pesca e na construção civil, os famosos teares usados na industria têxtil e no topo, as máquinas-ferramenta, Tornos e máquinas de furar tudo com muita qualidade e muita técnica. Para se ter uma ideia mais exata da qualidade destas máquinas, a E.F.I. forneceu nos anos 60/70 dezenas de máquinas para a Europa e EUA, em especial para o fabricante de aviões Boeing.
Chega de nostalgia.
Amigo José Leite, um abraço.
Amigo Luciano,
Muito grato por mais um precioso comentário com, não menos, preciosas informações.
Abraço
José Leite
Mais um postal muito interessante e de grande trabalho de pesquisa.
Evidentemente toda a história das fábricas do Porto são importantes conhecer, afinal o Porto não foi apenas uma cidade de comerciantes.
As fotografias do Porto sem as pontes e com barcos á vela são umas pérolas de grande valor
Cumprimentos
Valdemar Silva
Caro Valdemar Silva,
Tem toda a razão, apesar de eu considerar que a zona do Porto e toda a região Norte, sempre foram bem mais industriais que comerciais.
Muito obrigado pelo seu comentário.
Os meus cumprimentos
José Leite
Mais um excelente trabalho. É assim, que eu e muitos outros ficamos a par da história das nossas cidades. É delicioso ver e ler o que foi o passado e a evolução até hoje. Parabéns e muito obrigado por ter este trabalho todo na divulgação .
Muitos parabéns, excelente levantamento exaustivo. Bem-haja!
Grato pela amabilidade do seu comentário.
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