Restos de Colecção: Loja "O Gato Preto"

16 de junho de 2021

Loja "O Gato Preto"

A loja "O Gato Preto" foi fundada com a designação inicial de "Armazem Caldense", pela firma "Martins & Menezes" na Rua do Arco do Bandeira, 104 no dia 29 de Abril de 1893. Comercializava apenas produtos oriundos da região das Caldas da Rainha, donde se destacavam, águas da Quinta do Areeiro, vinhos da região, cavacas e faiança artística.


Loja "O Gato Preto" na Rua de S. Nicolau

1 de Maio de 1893

A propósito da abertura do "Armazem Caldense" o jornal "Diario Illustrado" de 01 de Maio de 1893 noticiava:

«Abriu sabbado na rua do Arco do Bandeira nº 104, um estabelecimento, assim denominado. É vistoso, elegante e apresenta varios productos das Caldas da Rainha.
A sua decoração, que é lindissima, é trabalho de Julio de Menezes, um pintor de merecimento e um artista de gosto.
É um estabelecimento 'bijou', rematado por uma enorme garrafa, que depois de aberta dá accesso ao interior da casa, onde se saboreia o genuino, o salutar e incomparavel vinho das Caldas e seus arredores.»


28 de Dezembro de 1893

Em 9 de Setembro o mesmo jornal acrescentava:

«É sem duvida alguma, um dos estabelecimentos mais chics de Lisboa, pela sua ornamentação artística e pelos objectos expostos á venda. Está situado na rua do Arco do Bandeira, 104 proximo á travessa da Victoria, pois comquanto não seja esta uma das principaes ruas da baixa, está sendo optimamente procurado não só pelas louças expostas, mas pelas deliciosas cavacas das Caldas da Rainha, visto ser a unica casa que as recebe directamente d'ali. Hontem chegaram ellas.»

Num contexto de animação e de afluência à região das Caldas da Rainha, visitantes ilustres donde se destacavam, além da corte, aristocratas e burgueses, políticos, intelectuais, portugueses e estrangeiros, (espanhóis, franceses), com possibilidades económicas, potenciavam-se as ofertas existentes nas Caldas da Rainha, destacando-se a cerâmica artística que ali se produzia e que procurava corresponder em qualidade e quantidade ao gosto e solicitações dos compradores, sendo adquirida em lojas próprias na vila - a chamada rua das loiças junto ao hospital termal, que na década de 80 do século XIX, contava com várias lojas de venda de louça, donde se destacavam: Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha (Junto à Fábrica); Francisco Gomes de Avellar, na Travessa da Rua Nova (actual Travessa Rodrigo Berquó); João Coelho César, Rua Direita (actual R. da Liberdade); José Alves Cunha e José Sousa Liso, na Rua Jogo da Bola; e Fábrica de Manuel Cypriano Gomes, na Praça Maria Pia.

"Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha"

O projecto original da “Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha”, teve os seus estatutos aprovados em reunião dos seus principais promotores em 21 de Outubro de 1883. A empresa adoptaria o figurino das sociedades anónimas, com uma gestão separada da propriedade. A escritura da fábrica, sociedade anónima de responsabilidade limitada, foi assinada a 30 de Junho de 1884 e Raphael Bordallo Pinheiro entregou-se de corpo e alma ao plano arquitectónico das instalações. Bordallo principia a sua produção em Setembro de 1884.

Loja da "Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha"

O "Deposito Caldense", quanto a louça das Caldas começou por comercializar produtos da fábrica de Francisco Gomes d'Avellar, - ceramista e jornalista - que o anúncio seguinte que transcrevo faz fé.

Em 27 de Maio de 1894 o jornal "Circulo das Caldas" publicitava:

«Deposito de louça

É digno de ser visitado o explendido deposito de louça das Caldas que o nosso presadissimo amigo e distincto collega Gomes d’Avellar, acaba de abrir na rua Direita, d’esta villa. 
Os notaveis objectos alli expostos aliam a um superior trabalho artistico um vidrado d’uma nitidez e perfeição inexcediveis que imprime na soberba louça o verdadeiro cunho da faiança caldense.
A fabrica do sr. Gomes d’Avellar tem sido premiada em varias exposições e é d’ella que quasi simplesmentese fornece hoje o conhecido Armazem Caldense, acreditado estabelecimento de productos d’esta villa, que os srs. Martins & Menezes possuem na rua d’Arco do Bandeira em Lisboa.»


1 de Dezembro de 1894

Em 2 de Janeiro de 1895 o "Armazem Caldense" passa a designar-se "O Gato Preto", altura em que passa a comercializar quase em exclusivo peças produzidas pela "Fabrica de Faianças das Caldas da Rainha" por Raphel Bordallo Pinheiro. Por este ser uma apaixonado por gatos, terá sido a razão do novo nome desta loja. O ceramista, na sua fantasia de artista, colocava o gato preto, o Pires como uma segunda assinatura em diversos trabalhos.

Na próxima foto: «Fotografia de Rafael Bordalo Pinheiro, em traje de trabalho, com os seus gatos junto da fachada principal do Pavilhão de Vendas da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. O artista sempre teve um enorme fascínio por gatos conhecendo-se dois com os quais conviveu de perto: o gato Pires e a gata Pili, por vezes representados nos seus desenhos.» in Museu Bordalo Pinheiro

MRBP.FOT.0362 © Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa


2 de Janeiro de 1895

O emblema de "O Gato Preto" foi criado pela cavacaria de Pedro Prudêncio localizada na Rua do Jardim nº 52, na vila das Caldas da Rainha - premiado na Exposição de Paris de 1900.

Em 10 de Agosto de 1895 a loja "O Gato Preto" já se tinha mudado para três portas mais ao lado, para a Rua da Victoria esquina com Rua Arco do Bandeira.


5 de Dezembro de 1897  


A loja de esquina com a Rua da Victoria, junto ao automóvel, foi onde esteve instalada "O Gato Preto", até aos primeiros anos da primeira década do século XX

A seguir gravura da capa do projecto para um calendário para 1896, desenhado por Raphael Bordallo Pinheiro para a loja "O Gato Preto". Pode observar-se uma escadaria com 12 degraus, cada um dos quais correspondendo a um mês do ano, no cimo da qual está um gato com manto de arminho e bandeira das Caldas da Rainha. Ladeiam a escadaria diversos modelos produzidos na "Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha". Em baixo os proprietários da loja e Júlio de Menezes, jornalista e comediógrafo, também sócio da loja, junto a um gato preto. Contem dedicatória manuscrita a Júlio de Menezes.

         MRBP.PIN.0046 © Museu Bordalo Pinheiro, Lisboa


1899


15 de Março de 1903

E por "falar" em Cavacas, já em 21 de Novembro de 1902 o jornal "Folha de Lisboa" publicava os seguinte anúncio, com um alerta "à navegação"... :


Em Dezembro de 1903, o comerciante e proprietário de vinhos do Porto, Ivo Frederico da Silveira lançou um vinho do Porto velho com a marca registada de "Porto Bordallo Pinheiro". O depósito principal em Lisboa era na loja "O Gato Preto", «onde se póde provar e se dão todas as indicações precisas»

 

"Porto Bordallo Pinheiro"

Em 1909, como atestam os próximos anúncios publicitários, a loja "O Gato Preto" já estava instalada na Rua de São Nicolau, esquina com a Rua do Crucifixo.


Anúncios publicitários de 15 de Dezembro de 1909  e  31 de Agosto de 1910

Creio que a loja "O Gato Preto" terá encerrado na segunda década do século XX, pois não encontrei mais nenhuma referência a este estabelecimento após 1910 ...

Resta-me referir que a loja "O Gato Preto", que aqui se tratou, nada tem a ver com a "Loja do Gato Preto", actualmente cadeia de lojas "Gato Preto", especializada em artigos para decoração,  que nasceu em 1986.

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