Francisco de Almeida Grandella (1852-1934), republicano, maçon e benemérito nasceu em Aveiras de Cima, em 1852. Começou a sua vida profissional, em Lisboa, como marçano na Rua dos Fanqueiros, tendo sido posteriormente, caixeiro, antes de inaugurar, com 27 anos de idade e com capital emprestado, uma pequena loja na Rua da Prata, em 1879 designada por “Fazendas Baratas e Grandella”. No dia da inauguração deste estabelecimento, tinha já realizado 400 mil réis de vendas por encomenda.
Foi Francisco Grandella que mandou construir o “Theatro da Rua dos Condes”, inaugurado em 23 de Dezembro de 1888. Depois de ter sido pioneiro na venda de produtos com garantia e entregues ao domicílio, dois anos depois, em 1881, tornava-se dono de uma grande loja no Rossio de seu nome "Loja do Povo", com a sua fachada pintada de vermelho, cor que fardava os empregados.
“Loja do Povo” na Praça D. Pedro IV (Rossio)
Cinco anos mais tarde, em 1886, a “Loja do Povo” não chegava para tanta clientela e encomendas o que obrigou à aquisição de outro estabelecimento, na Rua do Ouro, “O Novo Mundo”, o maior então na capital. Este estabelecimento veio substituir o antigo “Centro Comercial Portuguez”, instalado desde 1880 nesta Rua Áurea nº 120, tendo sido tomado por trespasse por Francisco de Almeida Grandella. O serviço da entrega de encomendas em Lisboa, na década de 90 do século XIX, era feito por oito carroças e um grande automóvel.
Acusado de contrabando para conseguir preços baixos nos produtos que vendia, Francisco Grandella aproveitou a ideia em termos publicitários, anunciando uma remessa seguinte do seguinte modo: "Chegaram mais fazendas de contrabando". Ele obtinha preços mais em conta porque dispensara intermediários, indo às fábricas com dinheiro na mão e obtendo descontos, para além de comprar saldos.
A sonho de Francisco Grandella era de instalar em Lisboa um «grandioso armazém inspirado nos modelos parisienses», onde reunisse todas as de venda, os escritórios e os armazéns, espalhados por vários pontos da cidade, num só edifício.
Francisco Grandella, que viajaria pela Europa, ficara impressionado com o “Printemps” de Paris. Em Lisboa, os “Grandes Armazéns do Chiado” (abertos em 1894) seriam os seus concorrentes. Grandella introduziu o anúncio comercial, a possibilidade de trocar ou reembolsar o dinheiro caso o cliente não gostasse do produto, a entrega ao domicílio e a publicação de catálogos com as colecções.
É constituída a firma "Grandes
Armazéns Grandella & Cª." Tendo como sócios fundadores
Francisco Grandella, seu irmão Luiz Grandella e Henrique de Freitas, a quem
ficou confiada a área financeira e administrativa.
A primeira versão dos "Grandes Armazéns Grandella & Cª." foi inaugurada em 10 de Julho de 1891, num edifício no gaveto da Rua Áurea com a Rua da Assunção, contíguo ao "Montepio Geral", depois de devidamente remodelado e mantendo a traça pombalina.
Publicidade e notícia no jornal “O Tempo” alusivas à inauguração dos “Grandes Armazéns Grandella & Cª.”
“Grandes Armazéms Grandella & Cª.” à esquerda na foto seguinte
Em 1898 é editado e impresso, em português e francês o “Guia itinerário do visitante de Lisboa”, um brinde que os “Armazéns Grandella & Cª.” ofereciam aos seus clientes aquando das comemorações do IV Centenário da Descoberta da Índia (1498-1898).
Francisco Grandella procurou, desde o início, alargar o seu negócio a todo o país. Dedicou-se à produção fabril na área de lanifícios para produção de malhas e vestuário diverso de qualidade e a preços competitivos. Incrementava as suas vendas com a publicação de catálogos e organizou um serviço de vendas por correspondência com secção de expedição franqueada, via correios e caminho-de-ferro, como se pode constatar na figura seguinte. A forte aposta na publicidade nos jornais ajudou a fazer destes armazéns uma referência incontornável na moda de Lisboa.
«O visitante, de passagem neste andar [o 3º andar], deve deixar a sua morada na secção da província para que lhe sejam enviados grátis e franco de porte todos os catálogos e publicações da nossa casa. Descendo, para tomar o itinerário que vamos descrever, o nosso amavel hospede poderá aproveitar a occasião das festas de centenário da India, pômos á venda em todas as secções do nosso estabelecimento, occasiões excepcionaes que aconselhamos especialmente, aos nossos estimáveis clientes da provincia, que certamente não terão occasião egual para comprar tão barato.»
Ainda na primeira página deste “Guia Itinerário do Visitante de Lisboa”, a preocupação de agradar ao cliente:
«Os grandes armazéns Grandella & Cª, querendo proporcionar aos seus clientes da província todos os meios para que a vinda a Lisboa lhes seja muito fácil, tem a honra de participar a V. Exª que se encarregam de lhe procurar alojamento em Lisboa, caso queira fazer parte dos numerosos romeiros que virão prestar homenagem ao Grande Portuguez D. Vasco da Gama.»
Em 1903 Francisco Grandella adquire um imóvel cuja fachada deitava para a Rua Nova do Carmo, tendo-se dado início de imediato as demolições deste edifício e do que albergava os “Grandes Armazéns Grandella & Cª.” na Rua Áurea.
O novo edifício, foi inaugurado, a 8 de Abril de 1907, com pompa e circunstância, e com a presença de figuras republicanas, como Bernardino Machado, Affonso Costa, João das Chageas, entre outros. Foi projectado pelo francês Georges Demaye, especialista em arquitectura do ferro, que, inspirado nos armazéns franceses “Samaritaine”, adoptou para esta nova versão dos “Armazéns Grandella”, uma estrutura de ferro fundido, seguindo um gosto Arte Nova, mas sem esquecer a arte decorativa portuguesa. Envolvidos no processo de construção, estiveram, para além do referido arquitecto, o engenheiro Ângelo de Sarrea Prado (notabilizado pela construção dos caminhos-de-ferro em África) e o construtor civil João Pedro Santos (responsável pela construção do “Estabelecimento Prisional de Lisboa”).
Notícia da inauguração dos “Armazens Grandella” no jornal “Diario Illustrado”
1904
Anúncio no jornal “Vanguarda” em 7 de Abril de 1907
1909
Capa e contra-capa do catálogo de 1931
“Armazéns Grandella” na Rua do Carmo e na Rua Áurea com o edfício-sede do “Montepio Geral” fundado em 1840
1938
Trata-se de um edifício de duas fachadas, com acessos pela Rua do Ouro, onde Grandella, como já foi referido, tinha um estabelecimento comercial, e pela Rua do Carmo, desenvolvendo-se em 11 andares a partir da Rua do Ouro e em 6 pisos a contar da entrada da Rua do Carmo. A fachada da Rua do Carmo, andar nobre da casa, exibia um relógio monumental, onde duas figuras de ferreiros batiam as horas, o qual encimava dois baixos-relevos representando a “Verdade e o Comércio”. Por sua vez, as colunas entre as portas ostentavam medalhões esculpidos na cantaria com o lema da casa: “Sempre por bom caminho e segue”.
A divisa dos “Armazéns Grandella” era “ Sempre por bom caminho e segue! É a nossa divisa; com ela pensamos morrer, e oxalá os nossos sucessores nunca a alterem”.
Escadaria interior dos “Armazéns Grandella” e ascensor
gentilmente cedido por Carlos Caria
A loja com entrada para a Rua do Carmo, andar nobre da casa, ficou dedicada às sedas, às fitas e às rendas - todos os atavios da "toilette" feminina em tempos anteriores ao pronto-a-vestir. Sobre esta área, a zona mais frequentada pelas damas de sociedade, vale a pena registar os louvores publicitários das agendas Grandella: «Entrando pela Rua do Carmo encontra-se a mais importante e mais rica secção do estabelecimento. É a secção de sedas. O seu sortimento proveniente das principais fábricas estrangeiras, eleva-se a algumas centenas de contos de réis. Aqueles castelos de peças, cheias de vida, de finura, de graça, matizadas, vaporosas, estonteantes, dão a esta . secção um tom de grandeza que deslumbra».
Entrada pela Rua do Carmo
Outras secções distribuíam-se pelos 10 pisos: alfaiataria, decoração, artigos de viagem, brinquedos, pronto-a-vestir, sapataria, etc. No sétimo piso ficavam os escritórios, secções de atendimento, informação, promoção, distribuição e encomendas para a província. No 4º andar encontravam-se as Salas de jantar de fumo e leitura dos proprietários, que foram decoradas em estilos árabe, Luís XV e Luís XVI. Neste mesmo piso a sala de jantar dos empregados com lustres e azulejos de Bordallo Pinheiro.
Francisco de Almeida Grandella no “Almanak d’ O Mundo”, em 1908
À época da sua inauguração, Abril de 1907, os “Armazéns Grandella” foram um exemplo de engenharia e arquitectura de vanguarda, um exemplo de comércio moderno e um exemplo ímpar nas relações sociais patrão-empregado.
Em 1907, os empregados dos “Armazéns Grandella” seriam dos poucos, em Portugal, a beneficiar do descanso semanal ao Domingo e de assistência médica gratuita no local de trabalho. Descontavam uma quota mensal, proporcional ao ordenado, para a Caixa dos Socorros. As multas revertiam para o fundo e Grandella concorria também com uma parte. Os empregados de escritório beneficiavam ainda de uma semana de férias pagas. Os operários da fábrica tinham uma caixa de socorros nos mesmos moldes.
Na zona de São Domingos de Benfica, onde estavam instaladas as fábricas de tecidos, com cerca de 200 operários, foi inaugurado em 1904, o “Bairro Operário Grandella”. Constituído por noventa casas, com capacidade para albergar trezentas pessoas, foi completado em 1907. As rendas entre três mil e seis mil réis mensais correspondiam a uma média baixa. Nesse bairro ainda seria inaugurada uma escola primária com o nome do republicano Affonso Costa, contando iIgualmente com uma creche para os filhos dos operários sendo dirigida por Emília da Silva Pereira.
“Bairro Grandella” na Estrada de Benfica em S. Domingos de Benfica
A revista “A Cidade e os Campos”, propriedade de Francisco Grandella, afirmava: «Obra gigantesca, atrevida, pouco vulgar e cuja riqueza, elegância, gosto, reverbero de luzes, de cristais, dourados de capitéis, colunas de mármore, faz lembrar um conto de fadas, uma lenda das “Mil e Uma Noites”!»
E acrescentava: « Quem diria que um simples capital de duzentos e cinquenta mil réis, emprestado naquela data (1879) por um amigo, e administrado com pulso firme, podia produzir uns resultados tão brilhantes, uma obra tão monumental, essa fachada imponente e artística, essa aluvião de andares, essa infinidade de secções, de escadarias, de colunas, de mármores, de arcos, de elevadores, de capiteis de dourados, de cristais, de candelabros, tudo faiscante, tudo belo, tudo rico, inconfundível desde os alicerces, cavados a quatro andares debaixo do solo, até esse relógio guarnecido pelas figuras majestosas da Verdade e do Comercio e cujo som, ao anunciar as horas que passam, lembra, a quem as ouve, quanto vale a persistência, a tenacidade, a cultura do Espírito, a fortaleza do ânimo, o inquebrantável da fé, e aquela máxima de Beaumarchais que diz que “querer é poder” ».
Catálogo para o Inverno de 1913-1914 e duas páginas do mesmo
A 5 de Janeiro de 1911 os “Armazéns Grandella & C.ª” sofrem um violento incêndio, com início no 1º andar e tendo-se propagado aos os 2º,3º e 4º andares. Extinto à 5h15m da manhã, e com um prejuízo avaliado em 70 contos, o jornal “A Capital” descrevia assim o sucedido:
«As secções que mais prejuizos sofreram foram as do lado da rua do Ouro, de algodões, sapataria, chapelaria, papelaria, fanqueiro, photographia, ferragens, louças, confecções, chapeus e moveis, tendo sido superiores os estragos causados pela agua aos produzidos pelo fogo.
O edificio ficou, interiormente muito danificado, especialmente nas pinturas e espelhos, pelo que, durante todo o dia d'hoje, o estabelecimento esteve fechado, para se proceder ás reparações, devendo reabrir amanhã, á hora nabitual.»
Em 1916, Francisco Grandella transformou os armazéns em sociedade por quotas, a firma “Grandela & Cª”, associando-lhe os empregados que o acompanhavam havia mais de 20 anos. Com esta medida, procurava dar continuidade à sua obra e assegurar que o filho Luiz Grandela fosse o seu único sucessor.
Luiz Grandela, filho de Francisco de Almeida Grandella
Em 1932, a administração de “Grandella & Cª.” passou a ser exercida por um delegado do “Banco Porto Covo & Cª.” (com sede na Rua Augusta, em Lisboa, era propriedade de Jacinto Fernandes Bandeira, 2º Barão de Porto Covo) que adquiriu posição privilegiada entre os accionistas. Três anos depois, em 1935, a Condessa de Porto Covo era a única proprietária da firma. Francisco Grandella já não assistira ao fim do projecto que levara mais de 50 anos a construir, pois morrera um ano antes, em 1934, na sua residência na Foz do Arelho (Caldas da Rainha), onde também financiara a construção de uma escola primária.
Os “Armazéns Grandella” ainda apareceriam na sua forma primitiva no grande filme português “O Pai Tirano” realizado em 1941 por António Lopes Ribeiro, onde apareceria, igualmente, a “Perfumaria da Moda” instalada igualmente na Rua do Carmo. A partir dos anos 50 do século XX as secções foram subalugadas, obrigando á destruição das galerias de ferro forjado, das quais restava apenas em 1988, um patamar de escada frente à entrada para a Rua do Carmo.
Imagens dos interiores dos “Armazéns Grandella” no filme “O Pai Tirano” (1941)
Objecto de destruição pelo grande incêndio que devastou a zona do Chiado em 25 de Agosto de 1988, altura em que empregavam 180 funcionários 40 por cento dos quais com idade superior a 50 anos, os “Armazéns Grandella” reabriram ao público, após a sua reconstrução, em 1996, mas segundo um novo modelo de funcionamento, integrando grandes lojas, como a “Sport Zone” ou a “Valentim de Carvalho”. A sua fachada da Rua do Carmo conservou, no entanto, o famoso relógio monumental, as figuras da Verdade e do Comércio, assim como os medalhões esculpidos em cantaria com o lema da casa.
Bibliografia: Livro: “Lisboa Desaparecida” - Volume 2 de Marina Tavares Dias - Editora Quimera
ESHToris - Blog da Biblioteca Celestino Domingues
Blog “Sumol - Fotos”
fotos in: Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Arquivo Municipal de Lisboa, IGESPAR, Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital, Retalhos de Bem-Fica, ESHToris
12 comentários:
Obrigado por este post!
"Der Tano"
Não tem que agradecer. Eu é que agradeço a sua gentileza.
Cumprimentos
José Leite
Foi um prazer, reler e rever esta bela obra.
Obrigada.
D. Maria P.
Muito grato pelas suas amáveis palavras.
Os meus cumprimentos
José Leite
Pessoas de visão! De grande visão!
Bela obra - bela retrospetiva!
Cumprimentos
D. Graça Sampaio
Grato pelo seu comentário
Os meus cumprimentos
José Leite
Um grande Obrigado por este excelente Artigo!
Aproveitamos também para lhe perguntar se tem exemplares dos catálogos dos Armazéns Grandella ou se tem informações sobre se também terão fabricado objectos de cutelaria (ou a que empresas faziam essas mesmas encomendas). O motivo desta questão é simples e visa auxiliar-nos na datação de dois exemplares de saca-rolhas comercializados pelo Grandella. O Primeiro é muito possivelmente de fabrico Alemão (Patenteado em 26 de Maio de 1897) e o segundo, já da década de 20 ou trinta, presumimos que se trate de uma cópia de um modelo também alemão, mas já executada em Portugal. Todas as informações que nos auxiliem a identificar estes (bem como outros exemplares de saca-rolhas comercializados por esta e outras empresas nacionais) são para nós preciosíssimas! Se souber de algum arquivo ou biblioteca onde seja possível consultar estes catálogos, também lhe ficaríamos muito gratos pela informação!
Desde já lhe agradecemos a disponibilidade que tenha para nos auxiliar neste assunto, respondendo para o nosso mail geral@museudosacarolhas.com
Cordialmente,
L. de Castilho – responsável pelo Projecto Museu do Saca-Rolhas
Caro L. de Castilho
Não tenho catálogo algum dos "Armazéns Grandella", com que vos possa ajudar.
Os meus cumprimentos
José Leite
Foi com prazer que vi esta sua excelente matéria sobre Francisco Grandella, partilhada no Facebook por um meu conterrâneo e de Francisco Grandella. Fizemos a instrução Primária na Escola mandada construir na sua terra, em homenagem a seu pai, o Médico Francisco Maria de Almeida Grandella. Muito obrigado
Caro Fernando Costa
Grato pelo seu amável comentário
Os meus cumprimentos
José Leite
Os meus parabéns pelo excelente artigo. Gostaria de perguntar onde encontrou a referencia aos lustres com azulejos de Bordalo Pinheiro. Muito obrigado, Mariana Caldas
D. Mariana Caldas
Decerto foi erro meu de escrita e escrevi "de" em vez de "e".
Já rectifiquei o lapso
Os meus cumprimentos
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