Restos de Colecção: Sociedade Torlades

17 de novembro de 2024

Sociedade Torlades

A "Sociedade Torlades"Agentes de navios a vapor, importadores de carvão e trigo - foi fundada como "Torlades & Companhia", por volta te 1811, com as suas primeiras instalações na Rua das Flores, 50 em Lisboa. Era propriedade da "House of Torlades O'Neill.


Recibo da "Torlades & Companhia " datado de 11 de Outubro de 1811


Primitiva sede da "Sociedade Torlades" na Rua das Flores, 50 (toldo do meio à direita)

A irlandesa Casa de Torlades O'Neill estava estabelecida em Lisboa desde o início do século XVIII. João O'Neill e um irmão (não mencionado) estão numa "Lista de Pessoas que são Súditos de Sua Majestade Britânica com Estabelecimentos Comerciais nesta Corte", uma lista compilada em 1755,  provavelmente como um censo pós terremoto. No entanto, eles não parecem ter sido membros da "British Factory" - a associação de "factors" estabelecida e comercializando em Lisboa na época.


Brazão da Casa Torlades O'Neill, exposto na Torre de S. Sebastião, em Cascais

Na sua chegada  a Portugal, em 1740, os O'Neill's ficaram, inicialmente, no Bom Sucesso, onde foram acolhidos pelo Padre Brian Brulaughan, o reitor do Corpo Santo,  mudando-se, mais tarde,  para a Rua da Emenda, em Lisboa. Shane (João) O’Neill então atravessou o Tejo, para comprar a Quinta da Arealva, que ficava à beira do rio e tinha seu próprio cais. Na Quinta, ele cultivava uvas para vinho. Brulaughan mais tarde apresentou-o à sua futura esposa, Valentina Maria Josefa Ferreira, e casaram em Lisboa em 1750. João morreria em 1788. Seus irmãos casaram-se com outras famílias irlandesas expatriadas.


14 de Outubro de 1824

17 de Outubro de 1833

O primeiro filho de João, Conn, morreu jovem. Seu filho sobrevivente, Carlos O'Neill (1760-1835), foi educado na "St. Omer British Catholic School", em Douai na Normandia. As duas irmãs de Carlos foram Prioresas no Bom Sucesso, em Lisboa. Ele tornou-se comerciante e um grande proprietário de terras, especialmente na área de Setúbal. Casando-se com Ana João Torlade em 1784, herdou a casa comercial “Torlades & C.ª ” do seu sogro, Jacob Frederico Torlade, que originalmente veio de Hamburgo e que se tinha naturalizado português em 1781. A casa comercial "Torlades & C.ª " tinha uma variedade de interesses comerciais, incluindo exportações de laranja e sal, e uma fábrica de conservas de sardinha, a "Sociedade de Pescarias Setubalense". Torlade também era o cônsul de Setúbal para a Liga Hanseática. Além da empresa, O'Neill também herdou através de sua esposa a “Quinta das Machadas” em Setúbal. Esta tinha sido comprada como terra agrícola por seu pai da família Botelho de Moraes Sarmento: ali construiu uma casa, em 1770, e criou a primeira exploração agrícola intensiva de Portugal para cultivar laranjas para exportação. Em determinado momento, a Quinta tinha 6.000 laranjeiras, além de vinhas e oliveiras. Atualmente tem apenas oito hectares, mas permaneceu na família. A casa e o jardim são no estilo pombalino.

Escritura de aforamento datada de 3 de Janeiro de 1836 (primeira e última páginas)

No início do século XIX, o então chefe da família, José Maria O'Neill (1788 -?), neto de João, tornou-se Cônsul Honorário da Dinamarca e, na década de 1830, enviou seus dois filhos mais velhos para Copenhague para aprender dinamarquês. Eles viveram com os Wulffs, onde conheceram Hans Christian Andersen.

O impacto da “Guerra Peninsular” (1807-1814) nos O'Neill’s pode ter sido relativamente pequeno. Durante o breve período em que o país foi controlado pelos franceses sob o comando do General Junot, o estupro e saque pelos soldados franceses foram comuns. No entanto, sob o líder das tropas francesas ao sul do Tejo, Jean François Graindorge, os franceses foram contidos, supostamente porque sua amante portuguesa o persuadiu a controlar suas tropas. Carlos O'Neill era um amigo muito próximo de Joaquim Pedro Quintela (Conde de Farrobo), um dos homens mais ricos da época e um grande financiador do Real Theatro de S. Carlos. Mantinha um camarote, embora não se saiba se o terá utilizado durante a ocupação francesa.

Em 1819, Carlos O’Neill comprou uma fábrica de couro e as terras agrícolas onde ela estava implantada, e trouxe da Irlanda uma dupla pai e filho chamados Broughton para administrá-la. Em 1826, a fábrica de curtumes estava sendo gerida por seu segundo filho, Henrique O’Neill (Visconde de Santa Monica), empregando 80 trabalhadores. Mais tarde, a herdade e a propriedade da fábrica foram transferidas para a casa comercial "Torlades & C.ª ". No entanto, talvez não tenha sido um grande sucesso financeiro, pois em 1842 a propriedade estava alugada a agricultores locais. Posteriormente, a terra foi transferida para Pauline, filha de Henrique, quando ela se casou com um proprietário de terras local de descendência holandesa, José de Groot Pombo.

Henrique O'Neill (1823-1889)

Em 1843 a "Torlades & C.ª " já tinha mudado a sua sede para a Travessa do Sequeiro das Chagas, nº 3, em Lisboa. Mantinha um estaleiro na Rua do Caes do Tojo, à Boavista, em Lisboa.


8 de Fevereiro de 1843

11 de Março de 1846

Carlos era amigo da Rainha Maria I. Como era costume, como afilhado do filho mais velho da Rainha, José Maria, Príncipe do Brasil, seu filho mais velho recebeu o nome de José Maria. Outra evidência de que a família já se estava movendo nos mais altos círculos portugueses vem do facto de que recebeu uma visita do Rei João VI na “Quinta das Machadas” em 1825. Carlos e sua esposa tiveram nove filhos. José Maria O’Neill, que nasceu em 1788, herdou a casa comercial "Torlades & C.ª ". Também esteve envolvido com a "Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás", que iniciou operações no dia 30 de julho de 1848 com a iluminação de 26 lâmpadas a gás em Lisboa, e também esteve na fundação da "Casa Bancária Torlades Lda.".

Carlos O'Neill construiu uma casa no centro de Lisboa, na Travessa de Guilherme Cossoul, em 1825. A família O'Neill viveu lá até 1839, quando se mudaram para a Rua das Flores depois que um ladrão (José do Telhado) ter matado um criado e roubado algum dinheiro. A casa na Rua das Flores permaneceu na família até 1953 e foi o local de nascimento do atual chefe da família.

José Carlos O'Neill(1815-1887), que era o primogênito de José Maria O'Neill, continuou, junto com seu irmão Jorge Torlades O'Neill I (1817-1890), a expandir os negócios da casa comercial "Torlades & C.ª ". José Carlos morreu sem filhos em 1887 e foi brevemente sucedido como chefe da família por seu irmão.

Com a morte de Jorge Torlades O'Neill I (1817-1890) em 1890, seu filho mais velho, Jorge Torlades O'Neill II (1849-1925), tornou-se o chefe da família O'Neill em Portugal. Na “Quinta do Pinheiro”, seu pai tinha recebido inúmeros convidados e Jorge O'Neill herdou dele um círculo de amigos, como o editor de jornais João Pinheiro Chagas, o escritor Ramalho Ortigão e o artista Raphael Bordallo Pinheiro. Jules Verne visitou a Quinta em algumas ocasiões, em 1878 e 1884. Jorge O'Neill II também recebia em sua casa na Rua das Flores em Lisboa, onde visitantes frequentes incluíam o escritor e político Joaquim Pedro de Oliveira Martins. A casa da Rua das Flores foi usada, a partir de 1889, para jantares dos "Vencidos da Vida". Este era um nome usado por um grupo informal de intelectuais para indicar, a sugestão de Martins, que seus membros (anteriormente conhecidos como a “Geração de 1870”) haviam sido derrotados em suas tentativas de modernizar o país. O'Neill tornou-se um “derrotado honorário”, junto com o Rei D. Carlos I e a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho. A partir desse momento, ele também se tornou bom amigo de outros "Vencidos da Vida", como o escritor Eça de Queiroz e o Conde de Sabugosa.

Jorge Torlades O'Neill (1849-1925)


1878

27 de Setembro de 1891

Falando dinamarquês, alemão e francês, além de português e inglês, Jorge O’Neill continuou a dirigir a casa comercial "Torlades & C.ª", que se tornaria na "Sociedade Torlades", em 1897. Nessa época, parece que foi introduzido capital externo no negócio, com os dois outros sócios gerentes sendo J. W. H. Bleck - fundador da "Lisbon Coal and Oil Fuel Company Limited" para representar os produtos da companhia de petróleo Shell em Portugal - e Manuel de Castro Guimarães. O endereço da empresa, já era Rua Áurea, 32 , em Lisboa, não muito longe da Praça do Comércio, e descreve o negócio como “Agentes de navios a vapor, importadores de carvão e trigo”

"Sociedade Torlades" no segundo quarteirão do lado direito do postal

No prédio da esquerda (mais escuro) tinha estado instalada a "Sociedade Torlades", em foto de 1932


29 de Setembro de 1905


16 de Dezembro de 1907

1909

Naquele ano, além de Jorge e seu filho, Hugo, os sócios-gerentes eram então dados como Charles H. Bleck, W.E. Bleck e D. L. de Lancastre. Jorge O'Neill, além de ter sido um dos fundadores do "Banco Lisboa & Açores", também era Diretor do "Banco de Portugal" e fazia parte do Conselho de Administração da "Anglo-Portuguese Telephone Company", da "Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses", "Companhia Nacional de Fósforos", etc. 

Charles H. Bleck

E a propósito destas multi ocupações profissionais, de Bleck, O'Neill e outros ... no jornal "A Choldra" de 17 de Abril de 1926.

17 de Abril de 1926

O herdeiro de Jorge foi Hugo José Jorge O'Neill (1874-1940). Hugo, um Oficial da Marinha Portuguesa, era sócio-gerente da "Sociedade Torlades" quando esta faliu em 1929. Esta falência foi seguida por um longo processo judicial, tendo sido considerada fraudulenta. Hugo foi sucedido por Jorge Maria O'Neill (1908-1988), que era engenheiro eléctrotécnico, formado pela Universidade de Lausanne, na Suíça.


Recibo de vencimento de 23 de Novembro de 1923


16 de Junho de 1926

Dos últimos anúncios publicitários, este no "Almanaque de "O Século" de 1927

O atual Chefe da Família O'Neill em Portugal, Hugo Ricciardi O'Neill (nascido em 1939), continua a ocupar a “Quinta das Machadas” em São Julião, Setúbal. Foi Presidente da "Associação Portuguesa das Casas Antigas", Governador da Associação Europeia de Casas Históricas e Presidente do "Clube Naval Setubalense", entre outras funções. Seu único filho, e herdeiro aparente, é Jorge Maria Empis O'Neill (nascido em 1970).

Hugo Ricciardi O'Neill (nascido em 1939) - foto de Miguel Baltazar in: "Expresso" (19-07-2017)

Bibliografia:

- "The O'Neills of Portugal" by Andrew Sheperd - British Historical Society of Portugal, Newsletter 9, December 2020
- "A Visit to Portugal" by Hans Christian Andersen - 1866

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