Restos de Colecção: Farmácia Franco

10 de novembro de 2024

Farmácia Franco

A "Pharmacia Franco" teve a sua origem na botica fundada em 1821 por Ignacio Jose Franco (1797-1864), natural de Turcifal-Torres Vedras, na, então, Rua Direita de Belém (actual Rua de Belém desde 1890), em Lisboa. Seu filho, Pedro Augusto Franco (1833-1902), depois de adquirir umas casa velhas, que até 1834 tinham sido as "mercearias" de Belém, e vizinhas onde a botica de seu pai estava instalada demoliu-as quase por completo e no seu lugar construiu, entre 1881 e 1884, um grande edifício onde realojou a "Pharmacia Franco". «Ainda hoje num pátio interior, com serventia pela Farmácia Franco, sobre um arco antigo, existe uma lápide que reza: "Mercearias da Rainha D. Catarina, que Deus tem, instituída para 20 cavaleiros de África. Em Maio de 1619". A data é da reconstrução da casa, pois a fundadora morreu em 1578.» in: Peregrinações - Volume IX - Norberto de Araújo (1939).


"Pharmacia Franco, Filhos" ao centro da foto de 1916




"Pharmacia Franco, Filhos" na 1ª loja do 1º edifício de 2 andares à direita na foto


24 de Março de 1843


Interior da "Pharmacia Franco, Filhos"

Pedro Augusto Franco, (1833-1902) além de farmacêutico e proprietário, foi presidente da Câmara Municipal de Lisboa entre 2 de Janeiro de 1894 e 15 de Fevereiro de 1897, presidente da Junta do Crédito Público - e por inerência foi nomeado presidente da "Caixa Geral de Depósitos" (fundada em 1876) em 1881, cargo que exerceu até 1892 -, famoso influente eleitoral progressista, várias vezes Deputado por Belém, Par do Reino. A 17 de Fevereiro de 1887, foi feito 1º Conde do Restello, pelo Rei D. Luiz I (1838-1889).


Pedro Augusto Franco, (1833-1902) - 1º Conde do Restello


1865

Em 1835, na botica do "Hospital de S. José", foi criada a  primeira associação especificamente farmacêutica, a Sociedade Farmacêutica Lusitana. Em  1836, nasceu o ensino superior farmacêutico, com a criação das Escolas de Farmácia anexas à Faculdade  de Medicina da Universidade de Coimbra e às Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto. Mas também foi mantido o antigo acesso à profissão, através de um exame final realizado na Faculdade e nas Escolas Médico-Cirúrgicas após oito anos de prática numa farmácia, havendo assim duas categorias de farmacêuticos, de 1.ª e de 2.ª classe. Esta distinção vigoraria até 1902, ano em que se  determinou por lei a obrigação de todos os candidatos a farmacêuticos, frequentarem o Curso de Farmácia.

A Indústria Farmacêutica despontou em Portugal no último quartel do século XIX, não obstante a existência prévia das oficinas de farmácia e do papel pioneiro desempenhado, entre outros, pelos farmacêuticos Manuel Vicente de Jesus (1825-1889) com farmácia no Largo do Rato, 23, celebrizado pelas suas pílulas de proto-iodureto de ferro, e Pedro Augusto Franco, da "Pharmacia Franco", famoso pelo popular "Vinho nutritivo de carne" , que aparece publicitado pela primeira vez no "Diário do Governo" de 4 de Julho de 1885. Este vinho veio a revelar-se uma das primeiras áreas industriais a desenvolver-se no campo da farmácia em Portugal.

30 de Dezembro de 1866


1878


4 de Julho de 1885

No communicado seguinte de 30 de Outubro de 1856, pode-se observar as principais pharmacias (ou boticas) de Lisboa.


30 de Outubro de 1856

As origens da fase industrial encontram-se intimamente ligadas à criação da "Companhia Portuguesa Higiene" (CPH) - futura "Farmácia Estácio", que representou o primeiro investimento de monta na Indústria Farmacêutica em Portugal, tendo contado com capital angariado fora deste sector e com a colaboração de um conjunto de médicos, farmacêuticos e comerciantes de drogas. Após o progresso científico verificado no séc. XIX, os medicamentos começaram a ser preparados nas fábricas, que surgiram do prolongamento dos laboratórios das pequenas farmácias de oficina. A indústria farmacêutica em Portugal, começou a desenvolver-se a partir de 1890.

Interior da pharmacia da "Companhia Portuguesa Higiene", na Parça D. Pedro V (Rossio)

O fundador da "Pharmacia Franco", Ignacio Jose Franco morre em 19 de Abril de 1864, e a propriedade da mesma passa para a posse de seu filho Pedro Augusto Franco (1º Conde do Restelo). Dez anos mais tarde, a partir de 20 de Abril de 1876, o filho deste, Ignacio Jose Franco (2º Conde do Restelo e com o mesmo nome de seu avô), apesar de exercer o cargo de "Deputado da Nação" (entre 1865-1931), ficou à frente da farmácia praticando «a arte pharmaceutica, manipulação de medicamentos e aviando receitas» desde 20 de Abril de 1876. Pedro Augusto Franco foi considerado como um dos pioneiros da indústria farmacêutica. tendo sido responsável pela produção de diversas especialidades farmacêuticas com reconhecimento no mercado nacional e, mais tarde, internacional. A sua fábrica estava instalada na Estrada do Dafundo e já seria farmacêutico industrial antes de 1861, uma vez que  já nesse ano foi premiado com Medalha de Prata na exposição da "Associação Industrial Portuense".


19 de Abril de 1864


4 de Maio de 1885

Entre as suas especialidades contam-se alguns nomes tais como o "Xarope peitoral de James", contra a tosse e a "Farinha peitoral ferruginosa", contra a debilidade. O escritor Eça de Queiroz faz uma alusão ao famoso "Xarope peitoral de James" na sua obra publicada em 1900,  “A ilustre Casa de Ramires”: «Organizar, com estrondo, o reclamo de Portugal, de modo que todos o conheçam - ao menos como se conhece o Xarope Peitoral de James, hem? E que todos o adotem - ao menos como se adotou o sabão do Congo, hem?» . 

25 de Dezembro de 1864



9 de Outubro de 1886

Contudo, terá sido o "Vinho Nutritivo de Carne" o grande sucesso comercial da "Pharmacia Franco" uma vez que, que como dizia o rótulo do produto, “um cálix d’este vinho representa um bom bife”. De referir que nesta farmácia dava consultas o médico Dr. Antônio de Azevedo Meirelles.

Carta de 9 de Março de 1905


Dezembro de 1907


1909

Mas eis que no dia 28 de Fevereiro de 1904, na sequência de mais um treino, 24 jovens assumiram a formação de um novo clube, o "Sport Lisboa". O acontecimento teve lugar durante uma reunião realizada na, já, "Pharmacia Franco, Filhos", no decorrer da qual foi constituída uma "Comissão Administrativa", presidida pelo mais velho dos Catataus - José Rosa Rodrigues -, ficando a sede e a secretaria instaladas provisoriamente no mesmo local. Manuel Gourlade, tesoureiro do clube, empregado na farmácia e ligado ao grupo dos Catataus, torna-se um elemento influente na dinâmica do novo clube, quer intervindo na componente administrativa, quer na parte técnica - orientando a preparação dos jogadores e adquirindo material de futebol (bolas, apitos, regras de jogo, etc.). Como é do conhecimento dos aficionados, em Setembro de 1908 o "Sport Lisboa" e o "Sport Club de Benfica" (fundado em 26 de Julho de 1906), fundiram-se e deram origem ao "Sport Lisboa e Benfica".

 

Documento da fundação do "Sport Lisboa" em 1904 e primeiro emblema do SLB em 1908

Não sei quando terá encerrado definitivamente a "Farmácia Franco". A última referência publicitária a que consegui ter acesso data de 30 de Junho de 1927 ... No lugar da farmácia, uma agência da "Caixa Geral de Depósitos" (talvez à memória de Pedro Franco, um dos seus Presidentes entre 1881 e 1892 e um dos proprietários da "Pharmacia Franco" ... Quanto à "Pensão Setubalense", que existe desde o início do século XX no mesmo edifício da farmácia, lá continua a funcionar. Mais de 120 anos de existência, já vai sendo raro ...

25 de Dezembro de 1913

 

24 de Dezembro de 1926


30 de Junho de 1927

Agência da "Caixa Geral de Depósitos" no lugar da "Pharmacia Franco, Filhos", e lápide alusiva à fundação do "Sport Lisboa e Benfica"

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca Nacional Digital, DIGIGOV, Em Defesa do Benfica, A Minha Chama

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