Restos de Colecção: Casa Batalha

1 de setembro de 2024

Casa Batalha

Em 1635, o mesmo ano em que Filipe III de Portugal (IV de Espanha) alargou a todo o país o imposto do Real-d’Agua, criado para solucionar os problemas de abastecimento a Lisboa, João Cipriano Rodrigues Batalha estava a fazer história sem o saber. Foi nesse ano que abriu as portas do estabelecimento "Casa Batalha", que iria atravessar os séculos seguintes.



Empréstimo forçado, que o general Junot obrigou Francisco e Manoel Batalha por se terem recusado a saudá-lo em 1807

Num manuscrito de 1635, intitulado "Regimento do officio de conteiro d'esta cidade de Lisboa mandado reformar pelo Senado da Camara de Lisboa", estavam arquivados vários registos referentes a Francisco Rodrigues (Batalha foi apelido acrescentado evocando a sua terra natal), em meados do século XVII. Os registos, manuscritos e outros documentos relativos à "Casa Batalha", perderam-se com o incêndio de 1988.


Interior da "Casa Batalha"

"Viuva Batalha & Filhos" no "Diario do Govêrno" de 18 de Setembro de 1888


Fac-símile de uma página do «Regimento do oficio de conteiro desta cidade de Lisboa, de 1635»


Fac-símile de uma página do livro de registo da faturas da "Casa Batalha", referente ao ano de 1790

«Francisco Rodrigues Batalha foi juiz do seu oficio e por essa razão peticionou, com outros colegas, se copiasse em traslado o «Regimento» acima referido pelo facto de ser «muito antigo, e de modo, que em partes se não pode ler». A cópia solicitada tem a data de 1758.
Muito mais tarde, em 1786, os irmãos Manuel Rodrigues dos Santos Batalha e Francisco Rodrigues Batalha faziam lavrar pelo tabelião Joaquim Manuel Gomes de Carvalho uma escritura de sociedade na exploração de duas lojas de quinquilharias e do ofício de conteiro. Ficavam ambos os estabelecimentos na Rua Nova do Almada, e um dêles no prédio em que ainda hoje se encontra instalada a Casa Batalha, nos números 75 e 77.
Um outro antepassado dos actuais proprietários exerceu o alto cargo de Juiz do Povo da cidade de Lisboa e, entre os diversos documentos arquivados da extensa evolução comercial da casa, conserva-se ainda a vara que lhe pertenceu e que usou nas suas funções públicas.
Havendo a Casa Batalha, quando era seu proprietário Francisco Rodrigues Batalha (bisavô das actuais representantes da Familia e proprietárias do mesmo estabelecimento, D. Maria da Paz Lopes Batalha e D. Adelaide Lopes Manzoni de Sequeira) concorrido à Exposição Universal de Paris no período do Segundo Império, houve por bem D. Pedro V nomear o mesmo Francisco Rodrigues Batalha «Cavaleiro da antiga e muito nobre Ordem da Tôrre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito», a fim de lhe demonstrar quanto o
considerava pela contribuïção que êle dera «ao aperfeiçoamento progressivo dos diversos ramos da Indústria Portuguesa ». in: "Praça de Lisboa"
- Organizado por Carlos Bastos (1945).

Os imediatos antecessores dos actuais sócios da firma foram grandes negociantes de vinhos, provenientes das suas propriedades de Almada, dedicando-se também, activamente, a vários negócios de exportação e importação pelo pôrto de Lisboa, onde o seu nome foi sempre tido em alto aprêço, graças aos altos predicados morais que os distinguiam.»

A arte de conteiro surgiu e afirmou-se no sólido universo religioso da sociedade portuguesa. Entre o final da Idade Média e Idade Contemporânea o seu principal labor foi o de fazer contas para Rosários; contas feitas para rezar, compassando a litania de Ave-Marias e Padres-Nossos. Nos regimentos do século XVI não há indícios de produção de contas para fins de adorno pessoal como colares e pulseiras de contas, o que provavelmente fariam, cabendo a produção de joias aos ourives da prata e de ouro, e os outros enfeites como fitas, galões e outros adornos eram manufaturados por artesãos de têxteis.

Artesão a moldar contas paternoster a partir de um pedaço de madeira com um furadouro. Leopold c. 1414, Museu Nacional Germânico

As origens da "Casa Batalha" remetem para o ofício de conteiro, dedicando-se desde sempre à venda de contas, bordados, bijuteria, particularmente colares, uma arte que continua a ser assegurada com mestria e excelência por membros da família Batalha. Hoje, a casa Batalha é a marca mais antiga em Portugal, tendo mantido a sua actividade comercial ao longo de cinco séculos.


"Viuva Batalha & Companhia" no "Diario do Govêrno" de 26 de Maio de 1821

"Viuva Batalha" no "Diario do Govêrno" de 26 de Janeiro de 1854

Para recordar a história da "Casa Batalha" nada melhor que transcrever um artigo da autoria de Joana Capucho publicado no "Diário de Notícias" no ano de 2014:

«O incêndio do Chiado, em 1988, reduziu a cinzas a boutique de bijutaria Casa Batalha. Gonçalo Esteves, administrador e membro da família fundadora, recorda o enorme desgosto que foi para a avó ver o negócio da família ser destruído pelas chamas. Demorou mais de um ano até renascer, mas voltou a cair 20 anos depois. A salvação apareceu com a integração no grupo Lanidor. Hoje, a grande aposta é no mercado externo, onde, diz Gonçalo, quase 400 anos de história têm um peso diferente do que têm em Portugal.


1900


1904

A empresa nasceu em 1635, com “um tetravô meu que veio da vila da Batalha para Lisboa vender contas”, relembra Gonçalo Esteves. Em 1785 foi transformada numa sociedade e passou a residir no número 77 da Rua Nova do Almada, onde se manteve até ao incêndio do Chiado. Pelo meio passou a chamar-se Casa Batalha, justamente pela origem da família.

Durante muitos anos, a Casa Batalha “esteve sozinha no mercado”. As pessoas “faziam fila” para comprar bijutaria. Gonçalo, com 13 anos, já atendia ao balcão durante as férias. “Havia uma grande romaria das miúdas entre os 12 e os 20 anos, que compravam missangas e lantejoulas”, recorda o administrador. A maioria das peças vinha das feiras de Milão e Paris. Em Portugal, eram desenhadas e produzidas por um tio de Gonçalo. Hoje, já poucas são montadas cá, porque a concorrência não o permite. A maior parte vem da Indonésia, Índia, Filipinas, Itália e Brasil.

Fotogramas dum documentário "Casa Batalha em Lisboa" da RTP de 5 de Dezembro de 1985




Os arranjos eram uma das especialidades da Casa Batalha e “serviram para ajudar muitas pessoas da família a ter trabalho suplementar em casa. “Note-se que a avó de Gonçalo tinha 12 irmãos, uma família com 56 primos direitos. Terá sido, precisamente, a dimensão da família a ditar a ruína do negócio, a partir de 2004. “Depois do incêndio do Chiado tudo mudou.” A loja esteve temporariamente na Rua do Ouro, até que os então gestores resolveram aproveitar o boom dos centros comerciais e abriram um espaço nas Amoreiras. Seguiram-se várias franquias, mas agravaram-se os problemas de gestão.

Gonçalo Esteves conta que em 2007 “a situação era insustentável”. Com tantos ramos familiares “era difícil haver consenso”, daí que alguém tenha sugerido “um aumento de capital para poder haver seleção”. Só um dos tios de Gonçalo subscreveu, tendo ambos ficado com 98,2% da Casa Batalha. E ficaram com algo mais: “Um passivo enorme.” Consciente de que não ia conseguir fazer face às dívidas, Gonçalo pediu ajuda a João Pedro Xavier, do grupo Lanidor, que comprou parte da marca. “Hoje tenho plena consciência de que, se isso não tivesse sido feito, a marca já não existia.”


1907


1911

Enquanto atravessavam seis anos de crise no retalho em Portugal, os administradores da Casa Batalha tentaram imortalizar a marca. Abriram três lojas no estrangeiro e têm outras quatro em perspetiva. Enquanto no mercado nacional “a tradição acrescenta alguma coisa, mas tem pouco peso porque a memória é curta, lá fora a tradição pesa e o 1635 tem muito peso”. A data “dá um selo de credibilidade no novo mundo que ajuda à entrada da marca num mercado que não lhe é familiar”. No entanto, diz Gonçalo Esteves, por cá “já se nota algum revivalismo do que é nosso e do que é bem feito por parte das gerações mais novas.”

Com a integração no grupo iniciou-se um novo processo na marca: “Criou-se um novo conceito, uma nova imagem, e apostou-se na expansão. Hoje tem um ar mais cosmopolita. Mantém a tradição e a qualidade, mas com uma componente de moda que não existia. “Das sete lojas, apenas duas se mantêm, porque as restantes mudaram de localização. A marca que em tempos foi líder no mercado das pérolas não verdadeiras, hoje tem como forte os acessórios, nomeadamente lenços, écharpes, clutches, chapéus e, sobretudo, colares, brincos e pulseiras. Diz Gonçalo Esteves que a Casa Batalha renasceu das cinzas duas vezes: "após o incêndio e com o aumento de capital". A introdução no grupo "Lanidor" deu glamour e prestígio a uma marca que vai na 11.ª geração da família.»


"Casa Batalha" nos anos 60 do século XX


1960


Incêndio do Chiado em 25 de Agosto de 1988


Após o incêndio, instala-se num 1º andar na Rua Paiva de Andrada junto ao Largo do Chiado, e no "Centro Comercial das Amoreiras", em Lisboa


29 de Novembro de 1990

"Casa Batalha" no "Centro Comercial das Amoreiras"

Depois da "Casa Batalha Comércio de Bijuterias, Lda." ter visto a sua mercadoria em stock penhorada, em 2008, por uma dívida às finanças no valor de 200 mil euros, viria a ser adquirida pelo grupo português "Lanidor" (fundada em 1966), nesse mesmo ano. Foi, então, criado o logotipo "Casa Batalha", inspirado nos brasões de família, pretendendo transmitir confiança, dedicação e perseverança. Apostou num reposicionamento como boutique de bijuteria.  

Em 2013, abre a primeira loja "Casa Batalha" fora do país e no Qatar. No ano seguinte dá início a uma parceria com a marca de moda "Globe". Alinhadas pelo mote «bon chic, bon genre» trazem à tona, a cada nova temporada, a funcionalidade e o drama numa combinação única. Em 2015 inicia a sua presença no mercado de vendas online.

Loja "Casa Batalha" no Qatar

Em 2018 a "Casa Batalha", volta ao Chiado com a abertura da "Oficina", na Rua das Flores, 17 «uma homenagem à mestria e excelência do trabalho manual do artesão». 



"Oficina", na Rua das Flores

Mas eis que em Novembro de 2020 ... 


Fechada! (via Google Maps)

Da "Casa Batalha" restava o site, mas o mesmo informa: 

«Coming soon
Obrigada por estar sempre connosco. Neste momento estamos a preparar-nos para uma nova fase.
Continue a nos encontrar em lanidor.com»

Novos tempos ... Como dizia o actor "Ribeirinho" no filme "O Pai Tirano" de 1941 «é o pogresso!!» ...


Quanto às antigas instalações da Rua Nova do Almada ... "El Ganso" modas.

fotos in: Hemeroteca Digital de LisboaArquivo Municipal de LisboaBiblioteca Nacional DigitalArquivo Nacional da Torre do TomboRTP

2 comentários:

Valdemar Silva disse...

Neste caso, qual Resto de Colecção melhor designação será Colecção Completa.
Muito bom.
Cumprimentos

José Leite disse...

Grato pelo seu sempre generoso comentário
Cumprimentos