Restos de Colecção: Rodolpho Baltresqui e "Antiga Casa Baltresqui"

20 de dezembro de 2023

Rodolpho Baltresqui e "Antiga Casa Baltresqui"

Rodolpho Baltresqui, famoso pasteleiro, conserveiro e confeiteiro suisso, foi proprietário de uma das mais famosas confeitarias, conservarias e pastelarias de Lisboa, a casa "Rodolpho Baltresqui", localizada na Rua dos Capellistas (antes Rua Nova d'El Rei, depois a actual Rua do Comercio), 141-168. A casa "Rodolpho Baltresqui" de chá, doces, bolos, vinhos, azeites e licores, funcionou, desde 1812 primeiramente no Largo de Santa Justa, e só depois na Rua dos Capellistas, num dos prédios que faziam parte do grande quarteirão onde se incorporavam os Paços do Concelho de Lisboa. Até que o incêndio de 19 para 20 de Novembro de 1863 o destruiu por completo, atingindo os prédios contíguos, onde num dos quais estava instalada a pastelaria e conservaria. 


1863


Catálogo dos objectos enviados à "Exposição Agricola Portugueza" de 1852


Medalhas na "Exposition Universelle de Paris" de 1855


Antigo edifício e quarteirão dos "Paços do Concelho" de Lisboa


Incêndio deflagrado na noite de 19 para 20 de Novembro de 1863

Lembro que no mesmo quarteirão atingido pelo incêndio, que demorou oito dias a ser extinto, onde estava instalada a pastelaria de "J. C. Pucci - Sucessor de Baltresqui", estavam igualmente instalados, além da Câmara Municipal de Lisboa, o "Banco de Portugal",  a administração do "Contratcto do Tabaco", a "Companhia das Lezírias do Tejo e Sado" , a "Companhia Fidelidade", etc.

Após o incêndio, o estabelecimento "J. C. Pucci - Sucessor de Baltresqui" (após a morte de Rodolfo Baltresqui) transferiu-se para um edifício fronteiro, mais adiante, ocupando os nos 122 e 124, onde se transformou em um dos locais mais bem frequentados da sociedade lisboeta.


Rua dos Capellistas em foto de 1890


17 de Dezembro de 1874


Quanto a Rodolpho Baltresqui e ao seu genro e sucessor, J. C. Pucci, Pinto de Carvalho (Tinop), no seu livro "Lisboa", de 1908, descrevia:

«Antes do terramoto de 1755 era a rua Nova d’El Rei, dos Mercadores ou dos Ferros, a principal artéria da capital, era o Chiado da epocha, a rua onde estadeavam os mais luxuosos estabelecimentos, entre elles os que vendiam objectos da índia, ou as lojas de chá, como diriamos agora.
Por occasião do grande incêndio nos Paços do Concelho (moderna rua Nova d’El-Rei) ainda havia n’esse edifício uma loja de louças da índia, e hoje mesmo conserva-se n’essa rua a loja de chá do Bessone, fundada ha mais de oitenta annos, tendo então, além das duas portas que possue, mais outras duas, que actualmente pertencem á pastellaria Pucci.
A mais antiga pastellaria lisbonense data de 1812. Foi estabelecida pelo suiço Baltresqui no largo de Santa Justa, e d’aqui mudou para uma loja da rua dos Capellistas no antigo edifício da camara, que foi presa das chammas em 1863. Baltresqui casou a filha com o Pucci, um italiano que viera para Lisboa como cosinheiro da duqueza de Palmella, e que foi o seu successor. Com o incêndio da camara municipal, a pastellaria Pucci transferiu-se para a loja da mesma rua, onde agora a vemos. A filha de Pucci casou com o actual proprietário do estabelecimento.» 

Após a morte de Rudolpho Baltresqui, em 1866, sucedeu-lhe a viúva Maria Baltresqui, «é uma verdadeira dynastia que se nos depara!», que fundou e instalou a "Antiga Casa Baltresqui", na rua do Chiado, 49 e 51. E esta sucedeu-lhe o administrador da casa, Mathias Heinz. Ficavam a existir a "J. A. Pucci - Sucessor de Baltresqui", na Rua dos Capellistas e a "Antiga Casa Baltresqui" .


6 de Outubro de 1877

14 de Dezembro de 1877

«Como um dos mais manifestos pontos de encontro dos snobs da moda e da erudição, a Baltresqui reunia à porta, ou em redor das clássicas mesas de tampo de mármore de Itália, onde se servia o chá ou se tomava neve, uma tertúlia de modos enfatuados, com o propósito firme de impor uma estirpe que nem sempre se fazia respeitar, e que, na opinião de Tinop, era constituída por um grupinho de "inválidos da madracice", décor cheio de excentricidade, que servia de gáudio aos olhares trocistas dos transeuntes do Chiado.» in: "O Chiado pitoresco e elegante", de Mário Costa (1965).

No "Almanach Comercial de Lisboa" para 1880

«As ruas não tinham movimento. A’s quatro da tarde, a Rua do Oiro deixava escoar das repartições publicas, caminho de um taciturno jantar de sôpa, vaca e arroz, toda uma população de funccionarios mal pagos. A’s oito da noite, á porta da Havaneza e do Baltresqui, a joven aristocracia, que não tinha ainda onde reunir se, contendia com as mulheres que passavam e dava gebadas nos chapéus altos.» in "Lisboa", de Alfredo Mesquita (1903).

No último quartel do século XIX, algumas confeitarias e pastelarias mais conceituadas de Lisboa eram: "Antiga Casa Baltresqui" na Rua Garrett, 49-51 (depois 50-52); "Casa Ferrari" na Rua Nova do Almada, 91-93; "Confeitaria Lisbonense" na Rua Larga de São Roque (actual Rua da Misericórdia) 133 a 135; "Confeitaria Gratidão", na Rua do Chiado (actual Rua Garrett), 108-110; "Confeitaria Portugueza de Manuel José da Silva Araujo" (com os seus famosos «cocós», pastéis folhados de ovos) na Rua de S. Nicolau, 44-48; "Confeitaria Pomona", na Rua da Prata 111-113, gaveto com a Rua de S. Nicolau; "Confeitaria Nacional", na Rua da Betesga esquina com a Rua dos Correeiros.



19 de Dezembro de 1880

"Tenda Suiisa" propriedade da "Casa Baltresqui" em 30 de Outubro de 1887

Por morte de Mathias Heinz, em 1891, suceder-lhe-ia a sua viúva, que constituiu a firma "Viuva de Mathias Heinz & Filhos". A última firma proprietária da "Antiga Casa Baltresqui" viria a ser a "João Rodrigues & C.ª ", a quem se deveu a transferência das instalações das portas 49 e 51 para defronte, nos números 50 e 52 da mesma Rua Garrett, e que se inaugurou em 13 de Julho de 1894. Aqui tinha funcionado a "Casa Lusitana" uma loja de charutos e tabacos.


15 de Dezembro de 1881


14 de Novembro de 1891


24 de Dezembro de 1891


13 de Julho de 1894

No dia seguinte à sua inauguração, o jornal "Diario Illustrado" relatava:

«Peti á petit l'oiseau fait son nid. Quem havia de dizer que aquella lojita fundada pelo suisso Rudolpho Baltresqui, ha tantos annos, nos baixos do antigo banco de Portugal, havia de chegar a este elegante e confortavel estabelecimento que se abriu hontem, ali a meio do nosso Chiado!
O Baltresqui! Que de recordações! Umas galantes como as fidalgas de Luis XIV, outras alegres como o Champagne da propria casa!
(...) É devido a estes estimaveis rapazes que a pequena patisserie recatada, com uns pequeninos bonbons e pastilhas, postos com arte nas salvas, se mudou para defronte, augmentando em tudo. Temos uma admiração pelos trabalhadores incansaveis, e estes bem o são.
A casa agora é deveras elegante.
É um estabelecimento á moderna, como um dos mais parisienses e boulevardianos.
Amplo, com risco largo, tem mezas e cadeiras de mogno que convidam ás tardes a ver passar, pisando os passeios do Chiado, as nossas silhouettes mais em moda.
O serviço é digno de uma casa assim bem posta.
Desde o Old tom gin e das garrafas de Malaga, até aos sorvetes e ás pistaches coloridas, por entre os crystaes e os espelhos que cobrem as paredes, tudo é de primeira ordem. É mais uma casa a não destoar do Chiado e a assegurar-lhe os fóros de rua elegante por excellencia.
As neves do dia são annunciadas nos espelhos do fundo. Hontem eram créme de baunilha e de ananaz.
Continuará, pois, o Baltresqui do Chiado a ser o nucleo dos rapazes da primeira sociedade, e a bateria onde dardejam - lá vai a banalidade - as settas do Cupido, mas um Cupido todo chic, de luva branca, mólho de lilaz na lapella e botas de polimento faiscantes.»


Nos 50 e 52 a loja com estruturas ovais (por debaixo da redacção do jornal "República") onde tinha estado instalada a "Casa Baltresqui". Nesta foto de 1905 a "Ourivesaria do Chiado"


1 de Maio de 1895


29 de Dezembro de 1895

No antigo estabelecimento da "Antiga Casa Baltresqui", nos 49 e 51 da Rua Garrett viria a instalar-se, primeiramente o "Armazem Garrett" em 1895, seguido do estabelecimento "Au Gane Petit" em 1896 e, pouco tempo depois, o armazém de máquinas de costura alemãs "PFAFF" (fundada em 1862), da firma "Santos & Araújo".


14 de Abril de 1895


23 de Dezembro de 1896


Loja onde tinha estado instalada a "Antiga Casa de Rodolpho Baltresqui"

Entretanto, em 1897 a "Antiga Casa Baltresqui", transfere-se para a Rua de S. Nicolau, 91-93, como se pode ver na publicidade seguinte, de 1898. Daria lugar ao estabelecimento de  “Armadores e Estofadores Pereira Gonçalves & Irmão” até 1903, altura em que é substituído pela "Ourivesaria do Chiado" de "Teixeira & Comandita", depois ourivesaria e joalharia "Miranda & Filhos" em finais de 1916, e a actual "Ourivesaria Aliança" inaugurada em 21 de Dezembro de 1944.



Já com os tapumes das obras da "Ourivesaria do Chiado" (na área delimitada a vermelho) anunciada no topo dos mesmos e durante um desfile carnavalesco em 1904

"Pharmacia Cortez" onde esteve instalada a "Antiga Casa Baltresqui", na Rua de S. Nicolau, 91-93

"Antiga Casa Baltresqui", encerraria definitivamente, pouco tempo depois, em 1899 e daria lugar primeiramente  ao estabelecimento de alfaiate "Benjamim" a que se lhe seguiria a "Pharmacia Cortez" (à esquerda na foto acima).

24 de Dezembro de 1899

"Pharmacia Cortez" onde esteve instalada a "Antiga Casa Baltresqui", na Rua de S. Nicolau, 91-93


1909

E para terminar ...

«- Vamos ao Baltresqui aos «marrons», accrescenta elle dando o braço a Theodolinda.
- Eu não sei se essa comida será estomacal para a hygiene da noite, observa o snr. Barata guardando o apito.
Vão todos, para o Baltresqui do Chiado.
As meninas vão-se pelos «marrons glacés» e pelos «bonbons» ; o snr. Silva prefere os canellões : o Avelino gosta dos que tem agua de cheiro : o primo noticiarista despeja três copos de Carcavellos ; o snr. Barata e a madama apreçam todas as caixas e Álvaro bebe apenas agua, pensando saudoso no Alviella.
- Quanto se deve? pergunta o primo noticiarista.
- Foi um kilo de «bonbons», uma quarta de amêndoas, e uma garrafa de Carcavellos : não? Três mil, quinhentos e quarenta.»  in: "A Comedia de Lisboa" 
de Gervasio Lobato (1911)

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