Recreios Desportivos da Amadora

A sociedade "Recreios Desportivos da Amadora", foi constituída, na Amadora em 1912 por iniciativa dos proprietários da “Fábrica de Espartilhos a Vapor Santos Mattos & Cª.”, de José dos Santos Mattos, António Rodrigues Correia e José Augusto Ribaud - fábrica que se tinha instalado na Porcalhota (mais tarde Amadora) em 1895. Inicialmente a sua actividade era gerir os equipamentos desportivos anexos à fábrica, designadamente um campo de ténis e um ringue de patinagem, ambos inaugurados a 12 de Abril de 1912, na Avenida Amaral (actual Avenida Santos Mattos). Contudo, o sucesso com a venda dos espartilhos, cintas e outros produtos determinou a necessidade de ampliação das instalações fabris e da atividade da Sociedade, originando a  construção do edifício do "Salão de Festas" dos "Recreios Desportivos", projectado por Guilherme Eduardo Gomes (1864-1920) e inaugurado em 17 de Abril de 1914. Este arquitecto já tinha projectado em 1903 a "Casa Aprígio Gomes", na Amadora, e actual "Galeria Municipal Artur Bual".

Na revista "Illustração Portugueza" de 22 de Abril de 1912

"Festas na Amadora" em 21 de Abril de 1913

"Fábrica de Espartilhos Santos Mattos & C.ª "

Área ocupada pela Fábrica de Espartilhos a Vapor Santos Mattos & Cª. e pelos "Recreios Desportivos da Amadora"

Nota: Acerca da história desta empresa consultar neste blog o seguinte link:  "Casa dos Espartilhos"

O jornal "A Capital", a propósito da inauguração do "Salão de Festas", noticiava em 17 de Abril de 1914:

«Theatro Salão da Amadora - Inauguração da Sala - Peraltas e Secias - pelos amadores do Club Estephania.

Com uma numerosa e escolhida assistencia e com uma representação do elemento feminino em luxuosas toilettes, como não se esperava n'uma recita em theatro-salão d'uma terra de arredores, toilettes para soirées de gala, berrantes, variadas e carissimas, inaugurou hontem a Amadora o seu Salão de Festas, que é a mais imponente dependencia dos Recreios Desportivos, que por si já constituiam uma arrojada iniciativa e eram o recinto sportivo mais interessante do Paiz.
Representaram-se os "Peraltas e Secias" pelos amadores do Club Estephania de Lisboa, que se mantiveram com um brilhantismo apreciavel, rivalisando alguns com os melhores profissionaes que em Lisboa interpretaram a linda comedia de Marcelino Mesquita. Todos foram muito applaudidos e no final do 1º acto a assistencia, de pé, n'uma immensa e calorosa ovação, chamou á scena os srs. José Santos Mattos e Antonio Rodrigues Correia, que são d'um arrojo temerario e desmedido e que pelo progresso da Amadora teem prodigalisado dinheiro, esforço phisico e talento.»

Edição de 1911

Elenco e cenário da peça numa foto de 25 de Agosto de 1914

De início funcionou com representações teatrais, festas e bailes, tendo mesmo chegado a funcionar como ringue de patinagem coberto, já que as cadeiras eram amovíveis permitindo transformar a sala num espaço amplo. No primeiro piso funcionavam 2 mesas de bilhar, 2 mesas de ping-pong, mesas para jogos de cartas, etc.

Este "Salão de Festas" ainda não tinha cinema, até porque mesmo à sua frente existia uma sala de cinema, - "Salão do Cinema" - inaugurada em 1 de Março de 1911 por Jorge Otellini, o arquitecto Guilherme Eduardo Gomes e Manuel Roque Gameiro, filho de Alfredo Roque Gameiro. 

"Salão do Cinema" da Amadora

Interior do "Salão do Cinema" da autoria de Alfredo Roque Gameiro (1864-1935)

"Salão do Cinema" (à direita na foto) em frente do "Salão de Festas" dos "Recreios Desportivos da Amadora"

Programa para o Carnaval de 1920 no "Salão do Cinema" da Amadora

Em 1912 o "Salão do Cinema" muda de proprietário e a gerência fica entregue a António Macedo e Brito, que dividiu a sala em duas categorias: 300 lugares na geral e 200 na plateia. Em 1913 já estava nas mãos de outro empresário, a firma "Silva Ribeiro & C.ª ".

Entretanto, uma grande turbina de vento "Hercules" foi instalada em 1914, junto à "Fabrica de Espartilhos a Vapor Santos Mattos & Cª.” a fim de fornecer energia eléctrica a esta fábrica e aos "Recreios Desportivos da Amadora". 

Para a eventualidade do leitor estar interessado em adquirir uma igual, aqui fica a publicidade ... em 1915 ...

Um panfleto, de 4 de Setembro de 1915 informava: «O programa d'esta sensacional "Festa de Athlétismo" reune, em varios numeros de Gymanstica; Athletica; Esgrima; Luctas e Box». De referir que a frequência e utilização dos equipamentos desta Sociedade era restrita aos sócios e população de estrato social mais elevado. Nesta altura a classe operária trabalhava de sol a sol, 6 dias por semana, apenas com 1 dia de descanso semanal e com salários baixos. Estes nem teriam tempo livre, nem dinheiro, nem formas de vestir adequadas para frequentarem a "Sociedade de Recreios Desportivos da Amadora". Apesar de ser uma Sociedade privada admitia novos sócios, a troco do pagamento de uma quota, que permitia usufruir dos espaços da mesma. Os sócios efectivos eram os moradores da Amadora, Queluz e Belas. Sócios de outras localidades eram sócios correspondentes.

Em 1916, a "Sociedade de Recreios Desportivos da Amadora" amplia as suas estruturas e são criados o ginásio e o campo de futebol, implantado junto à fábrica dos espartilhos. Este seria inaugurado, em 14 de Maio de 1916, com um jogo entre o "Sport Lisboa e Benfica" (que era nesse ano o novo Campeão de Lisboa) e o "Sporting Club de Portugal", no qual disputaram a "Taça Amadora". Ganhou o Sporting por 2-1, com golos de Armour e Alfredo Perdigão pelo SCP.

Reportagem da inauguração do campo de futebol na revista "Illustração Portugueza" de 22 de Maio de 1915

«Foi no dia 7 de Junho de 1912 que foi promovido, pela direcção dos «Recreios Desportivos da Amadora», a primeira exibição na localidade de um “Concurso de Papagaios”. Este acontecimento ocorreu nos terrenos do Casal Borel e foi legitimado pela participação do “Aero Club de Portugal” e contado com a participação de destacadas figuras da sociedade de então. «E para atestar a seriedade da iniciativa, note-se que faziam parte do júri dois membros do Aero-Clube de Portugal, que avaliaram provas de altitude, estabilidade, levantamento de pesos, ângulo e tracção».

Pavilhão

Foi em 26 de Janeiro de 1913 que um avião sobrevoou pela primeira vez a Amadora. Numa iniciativa da “Liga de Melhoramentos da Amadora”, o francês Alexandre Théophile Sallés parte do Hipódromo de Belém , no seu «Bleriot XI» e aterra nos terrenos do Casal do Borel, partindo parte considerável do aeroplano, bem como o hélice, na aterragem, perante a multidão que assistia ao feito.

Théophile Sallés sobrevoando a Amadora

Nada que fizesse desmobilizar o entusiasmo da população. Com o apoio da “Fábrica de Espartilhos a Vapor Santos Mattos & Cª.”, ao fim de oito dias o aeroplano estava reconstruído e pronto a ser utilizado de novo.»  Texto retirado deste blog no artigo "Aerodromo da Amadora" (clicar para aceder ao mesmo).

26 de Março de 1917

Em 1917 tem início um período de declínio das salas de espectáculos, face ao contexto económico e social, gerado pela entrada de Portugal na I Grande Guerra Mundial, e em 1922 um jornal da Amadora reclamava o preço elevado dos bilhetes para assistir aos espectáculos do "Salão de Festas" dos "Recreios Desportivos".

Em 1932, os "Recreios Desportivo da Amadora" inauguram a exibição de filmes sonoros, e as audiências sobem a pico.

Visita do Chefe de Estado General Óscar Carmona aos "Recreios Desportivos da Amadora" em 27 de Junho de 1937

José dos Santos Mattos morre em 1943, e poucos meses depois o seu sócio António Rodrigues Correia morre também. À frente da "Sociedade de Recreios Desportivos da Amadora". fica o filho de Santos Mattos, José Santos Matos. É neste no de 1943 que esta Sociedade acaba por ser vendida a Alberto da Costa Malagueta, presidente da Junta de Freguesia da Amadora, João Francisco da Silva, sócio-gerente dos cinemas "Europa" e "Cinearte" e o arquitecto Raúl Rodrigues Lima, que fica encarregado da transformação do edifício "Salão de Festas" para cinema, exclusivamente. O nome da Sociedade passa para "Sociedade dos Recreios Desportivos", nova designação oficial para o espaço.

Nova sala de Cinema e Teatro nos "Recreios Desportivos da Amadora"

Arquitecto Raúl Rodrigues Lima (1908-1980)

Primeiro andar dos "Recreios Desportivos da Amadora"

Fruto desta transformação, as cadeiras passam a fixas em vez de amovíveis até então, passa a ter, além da Plateia, um Balcão e dois camarotes em cada lado com 4 cadeiras cada. É adquirido um ecrã de maiores dimensões e equipamento de projecção do mais moderno na época, tornando-se numa sala de cinema moderna. Viria a ser inaugurado em 31 de Dezembro de 1943, nas festas de passagem para o ano de 1944. No primeiro andar mesas de bilhar e mesas para jogos diversos (xadrez, damas, cartas, etc.).

A propósito da inauguração o jornal "Diario de Lisbôa" noticiava:

«A simpatica e progressiva vila da Amadora - hoje, quasi integrada na vida de Lisboa - estará hoje em festa, com a inauguração, ás 21 e 45, das novas salas dos seus famosos Recreios Desportivos. Depois de haverem pertencido aos falecidos Santos Matos e Antonio Correia - os maiores animadores da Amadora - os Recreios passaram agora á posse de uma nova empresa, (...).
Ao festival de inauguração do novo cinema dos Recreios - que fica sendo uma das mais bonitas e luxuosas salas de fora de Lisboa - assistem os srs. conde de Rio Maior, presidente da Camara Municipal de Oeiras, capitão Manuel Pereira Coentro, vice-presidente daquela Camara; comandante do Batelhão de Carros nº 1, e oficialidade do batalhão nº 1 da Legião Portuguesa. A festa é constituida por uma sessão de cinema, seguida de baile.»

Em 1978, e já com as salas de cinema em declínio, o espaço onde equipamentos desportivos dos Recreios haviam já desaparecido, subsistindo apenas a sala de cinema, é alugado a um empresário indiano, que promove a grandes remodelações, exteriores e interiores incluindo um ecrã de maiores dimensões, mudando a designação para "Cine Plaza". Reabre a 5 de Janeiro de 1979.

Entrada do "Cine Plaza"

Em 1987 a Câmara Municipal da Amadora compra o espaço e entrega e reconstrução, e ampliação do edifício ao gabinete de arquitectura Conceição e Silva, em 1988. O novo, e rescuscitado, "Recreios da Amadora", viria a ser inaugurado em 26 de Outubro de 1997.

Trata-se de um espaço polivalente constituído por um auditório com capacidade para 215 espectadores, duas salas estúdio com 50 e 30 lugares respectivamente e um salão nobre onde podem ter lugar exposições.

1997

Em 2000, a "Associação Cine Cultural da Amadora", fundada em 1995, passa a exibir filmes neste espaço. Até então projectavam filmes no "Auditório Municipal", facto que terminou com a sua mudança em definitivo para o "Recreios da Amadora".

Estas últimas fotos, são da renovação que o espaço teve entre 2019 e 2020 promovidas pela Câmara Municipal da Amadora. Esta renovação passou pela modernização do espaço da sala de espectáculos, um novo desenho de iluminação interior e a recuperação dos mobiliário da sala principal. Exteriormente foi recuperado e pintado todo o edifício (na qual ganhou a cor que hoje tem).

A destacar a recuperação do salão nobre, tornando-o num espaço "nobre" com a recuperação da caixilharia de madeira e com a introdução de um novo tecto redesenhado e com a instalação de uma peça especial, um candeeiro fornecido pela empresa  "Serip" - Organic Design, da Amadora, e que se vê na última foto.

2023

Bibliografia e fotogramas: "Recreios da Amadora - Um século de História", por ocasião do I Centenário  (1914-2014) - TVAmadora (2014) via Youtube.

fotos in:  Hemeroteca Digital de Lisboa, Biblioteca Nacional Digital, Delcampe.net, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Câmara Municipal da Amadora