Restos de Colecção: Parreirinha de Alfama

17 de julho de 2022

Parreirinha de Alfama

 A "Parreirinha de Alfama", localizada no Beco do Espírito Santo, no bairro de Alfama, em Lisboa, começou a sua actividade como casa de fados em 1950, pela mão da fadista Maria Argentina Pinto dos Santos (1926-2019) e seu companheiro Alberto Rodrigues.

Esta casa de fados, também conhecida pelo "Cantinho da Amália", teve origem numa carvoaria, tasca e casa de pasto, que, além de frequentada por pessoas do bairro e marinheiros, servia refeições aos fragateiros (homens que trabalhavam nas fragatas do Tejo). 


Celeste Rodrigues a entrar no seu "FIAT" 1100, em 1960


30 de Dezembro de 1952


Acesso ao Beco do Espírito Santo pela Rua da Regueira, em Alfama

A história desta casa de fado confunde-se com a história de Argentina Santos, que nela passou a sua vida desde os 8/9 anos de idade ... Argentina Santos começou tarde a cantar. Foi para a "Parreirinha de Alfama" trabalhar, mais tarde tornou-se cozinheira, e aí, começou a cantar o fado aos 24 anos de idade. Oficialmente, não apresentava fados, mas aconteciam tertúlias, e ali se juntavam muitos fadistas para petiscar e cantar e, a pouco e pouco, criaram o ambiente do restaurante que ainda hoje se mantém. Numa dessas vezes a participação do fadista Filipe Pinto, originou que uns jornalistas fizessem referência aos bons petiscos que ali se serviam e ao fado se cantava.

Argentina Santos (1926-2019)

«Argentina Santos só iniciou a sua carreira artística depois da aber­tura do seu restaurante, cantando com sucesso para os frequentadores da casa. De facto, graças à autenticidade das suas interpretações e a um estilo muito pessoal, logo se impôs como uma das mais dotadas e prometedoras fadistas da época, tornando-se desde então, muito apreciada como intérprete do fado clássico, na linha das cantadeiras afamadas do passado.» in blog: "Lisboa no Guinness"


16 de Julho de 1954

Muitas das letras que cantou foram escritas pelo seu companheiro, Alberto Rodrigues, dono da Parreirinha desde 1950, e a quem a fadista haveria de suceder à frente da casa em 1963, depois da sua morte. «Quem mais escrevia para mim era o homem com quem eu vivia, ele escrevia muito bem. Lia-me a letra e eu dizia: Esta não dás a mais ninguém, é para mim.»


Berta Cardoso e Alberto Rodrigues, em 1957




Programa de 11 de Maio de 1956



1 de Maio de 1952

O jornal "Ecos de Portugal" de 1 de Maio de 1952, publicou um artigo acerca da "Parreirinha de Alfama", intitulado "O Fado renasce em Alfama ... Na "Parreirinha", sob a gerência de Alberto Rodrigues", do qual retirei as seguintes passagens:

«(...) E isto se deve ao belo espírito de aficionado que é o nosso amigo Alberto Rodrigues. Com muito gosto e muita intuição soube fazer duma velha tasca - aliás de tradição quase centenária e por onde passaram em descantes, além dos antigos trovadores, cujos nomes a tradição conserva, fadistas como Filipe Pinto e os irmãos Ricardo e o saudoso José Porfírio - sem lhe tirar o sabor e a graça bairrista, uma encantadora casinha de ambiente acolhedor e carinhoso. (...)
E ninguém tem medo de Alfama! Os estrangeiros menos que ninguém ... Por ali têm passado fidalgos, toureiros, artistas, diplomatas, ministros e até ... majestades!...
Orgulha-se a "Parreirinha" de ter acolhido Amália Rodrigues, Alma Flora, Alberto Ribeiro, Joaquim Pimentel, Alzirinha Camargo, Linda Baptista, Ana Maria Gonzalez, e tantos outros grandes nomes - uma autêntica parada de vedetas internacionais!
Um recantinho da sala de jantar, presta humilde mas ternurenta homenagem a uma extraordinária fadista. É o "Cantinho da Amália" - cuja evocação se faz sempre no espírito de todos. (...)
Tudo é espontâneo e fresco nesta casinha fresca e garrida. Bem empregado o esfôrço de Alberto Rodrigues que dotou Alfama da casa que Alfama merece. E não deve dar o tempo como mal empregado quem for à "Parreirinha" porque, como aconteceu a nós, fica com desejos de voltar ...»




Amália Rodrigues, Argentina Santos e Júlio Vieitas


Argentina Santos e Alfredo Marceneiro


1959


Acácio Gomes, António Pessoa, Mariana Silva, José Porfírio, Alfredo Marceneiro e Lina Maria Alves, nos anos 60 do século XX


Mariana Silva, Argentina Santos, Celeste Rodrigues e Lina Maria Alves e clientes, nos anos 60 do século XX


Guitarrista Ilídio dos Santos e o viola Martinho d'Assunção, em 1955

Por outro lado, acerca de Argentina Santos o "Museu do Fado", na sua página na internet, refere:

«A sua Parreirinha de Alfama foi cenário de muitos afectos: por lá passaram grandes poetas do fado e compositores que lhe ofereceram todo o reportório que possuía. E, consciente da importância de ter um repertório próprio, Argentina Santos fazia questão de cantar temas exclusivos, à excepção do fado "A Lágrima", de Amália Rodrigues, e do "Lisboa Casta Princesa", do repertório de Ercília Costa, mas popularizado por Lucília do Carmo.» 

Por esta casa de fados passaram quase todos os grandes nomes do fado, como: Amália, Alfredo Marceneiro, Filipe Pinto, Mariana Silva, Tristão da Silva, Beatriz da Conceição, António Mourão, Lucília do Carmo, Celeste Rodrigues, Berta Cardoso, Júlio Vieitas, etc.  

Argentina Santos, acompanhada por Armandinho Maia e José Maria de Carvalho, nos finais dos anos 70 do século XX


Guitarrista Paulo Valentim, Argentina Santos e guitarra portuguesa Bruno Costa, em 2016

Em 2009, Argentina Santos participou no álbum de Filipa Cardoso, com quem gravou o "Fado da Herança", e nesse mesmo ano sofreria um acidente vascular cerebral, que a levou a afastar-se dos palcos. Por consequência, entrega a gerência da "Parreirinha de Alfama" ao guitarra portuguesa, compositor e letrista Paulo Valentim Ribeiro de Almeida (1961-) e ao viola de fado e guitarra portuguesa, Bruno Costa (1981 -), que têem continuado, com mestria e saber, o seu legado. 

Depois de se ter retirado para a "Casa do Artista", em 2011, Argentina Santos viria a falecer em 18 de Setembro de 2019, com 93 anos.



Fadista Maria Amélia Proença, em 2021


Os actuais gerentes, Bruno Costa e Paulo Valentim


Foto de família, em 2021

Fotos in: Museu do Fado, Lisboa no Guiness, Fadistas Como eu Sou, Fado CravoArquivo Municipal de Lisboa, Parreirinha de Alfama

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Mais um excelente e pormenorizado poste.
E mais uma "pérola", no Anúncio '...todas as noites até de madrugada, ...ambiente castiço, reunindo-se ali as melhores famílias da capital'. Não seria bem assim, as melhores famílias da capital não se reuniam ali todas as noites até de madrugada.
A grande Argentina Santos, embora de pequena de estatura, era da Mouraria e tinha sotaque de r gutural à setubalense e lhe dava uma voz castiça a cantar o fado, que tanto o primeiro como o segundo marido não a deixavam cantar.

Cumpts.
Valdemar Silva