Restos de Colecção: Palace-Hotel e Casino de Vila do Conde

10 de julho de 2022

Palace-Hotel e Casino de Vila do Conde

O "Palace-Hotel" de Vila do Conde, projectado pelo arquitecto Francisco d'Oliveira Ferreira, foi inaugurado (1ª fase) na Rua de Bento de Freitas, em 1 de Agosto de 1920. Propriedade da "Companhia Portugueza de Turismo", sucessora da "Sociedade Praia de Vila do Conde", que por portaria de 19 de Abril de 1920 tinha sido autorizada «a construir um hotel n'aquela praia, ao abrigo das disposições contidas no decreto nº 1121 de 28 de novembro de 1914». Esta Companhia já era proprietária do "Hotel Universal" - inaugurado em 15 de Outubro de 1881, na cidade do Porto pela firma "Ramires & Vasques" - e cuja direcção técnica estava entregue ao conhecido hoteleiro Alfred Wissmann. Por outro lado, a "Sociedade Praia de Vila do Conde" «que não tendo podido, pela grandeza do emprehendimento que se tinha imposto, levar a sua obra aos resultados auspiciosos que se apresentavam» fundiu-se depois na "Companhia Portugueza de Turismo", cuja administração era composta por: Dr. Alberto Thomaz David, Antonio Teixeira da Silva Amarante, José da Fonseca Menéres e Luiz Ferreira Alves.

Palace-Hotel

José Menéres em conjunto com Alvaro Carvalho, Carvalho Paiva, Carlos Barbosa e Alberto Ventura já tinham inaugurado em 7 de Agosto de 1918, o "Casino da Praia de Villa do Conde" ou "Grande Assembleia de Vila do Conde" - igualmente propriedade da "Companhia Portugueza de Turismo" -  localizado bem perto do "Hotel Avenida" - futuro "Palace-Hotel" - na esquina da Avenida Julio Graça com a Rua Bento de Freitas. Projectado pelo arquitecto Eduardo Alves, foi construído perto do "Theatro Afonso Sanches". 

"Casino da Praia de Villa do Conde" ou "Grande Assembleia de Villa do Conde"

A "Revista de Turismo" de 5 de Outubro de 1921 descrevia-o da seguinte forma:

«O Casino acha-se instalado em propriedade construida especialmente para esse fim, e fica situado na esquina da Avenida Julio Graça e rua Bento de Freitas; tendo, portanto, a fachada principal para o jardim publico. É um amplo edificio de dois altos pavimentos, sendo o rez-do-chão ocupado pelo café, pelo restaurante e pela barbearia, e o primeiro andar pela assembleia.
A entrada para esta faz-se por uma larga portaria, ao fundo da qual ha uma elegante escada que se biparte para o
andar superior, terminando n'uma galeria que dá acesso ás diversas salas.
O salão de baile, tem 216 metros quadrados e uma cubagem correspondente. Está bem ornamentado e mobilado, oferecendo o aspecto agradavel que se impõe pela sua vastidão. A seguir e em ligação com essa sala, ha outras, egualmente boas, onde se acham o bufete, as mezas para jogos de vasa, secretarias, mezas de leituras, etc. A outro lado fica o salão de reuniões, delicadamente ornamentado e com um mobiliario adequado ; e a sala das senhoras, decorada a marfim, cuja mobília obedece ao mesmo tom.
De dia, a natural iluminação que lhe provem das suas amplas e inumeras janelas, dá-lhe um belo aspecto de alegria; á noite, a luz electrica, distribuída profusamente, torna-o um quadro de atrahente pheerismo.
E' este um dos sitios mais predilectos da colonia balnear, que n'ele passa agradaveis horas da tarde, e se diverte todas
as noites, dançando e conversando ou jogando até altas horas. Ha concertos á tarde e á noite, durante a epoca.
Em geral, todos os anos se realisam ali dois ou três grandes bailes, que atraiem muitas pessoas que se acham em outras
praias, como a Foz, Espinho, Granja e Povoa de Varzim, porque as grandes festas no Casino de Villa do Conde marcaram em todos os tempos, por uma especial distinção e por um cunho de sugestiva alegria e de comunicativo bem-estar que em qualquer outra praia dificilmente causam enthusiasmo.»



Vila do Conde na revista "Illustração Portugueza" de 11 de Agosto de 1919


7 de Julho de 1920


8 de Agosto de 1920

Em 1934, este Casino vivenciou um enorme obstáculo, com a abertura do "Casino da Póvoa", que eventualmente o tornaria obsoleto. Perdendo o seu fulgor durante a década de 30 do século XX e quase inativo na década de 40 seguinte, o imóvel foi ocupado desde o início dos anos 50 até 1988 pelo "Colégio de S. José".


Cédula de 5 centavos emitida pela Câmara Municipal de Villa do Conde

Como já atrás referido, o "Palace-Hotel", foi resultado da profunda modificação e renovação do "Hotel da Avenida" que tinha sido inaugurado no Verão de 1887, e propriedade do dr. Joaquim Luiz de Souza que era o Presidente da Câmara Municipal. Este estabelecimento contava, também, com um elegante café, muito elogiado pela imprensa da época e procurado pelos veraneantes durante a tarde e a noite. Até 1909, o hotel fora administrado pelo seu proprietário ou familiares. A partir desta data, passa para a gerência de José Maria de Faria e Sousa, proprietário do "Hotel Central", que o arrendara por dez anos. O falecimento de sua esposa, Teresa de Freitas Faria, em 1912, que tinha a seu cargo a gerência das unidades hoteleiras, poderá ter constituído o principal motivo do incumprimento do compromisso, pois mesmo a casa da Praça de S. João, a partir de 1913, deixa de estar sob a sua gestão. Em 1913, a gerência estava entregue a Amaral Correia, e Teixeira da Silva,  entrando num período de alguma decadência. Seria vendido em 1919, a Francisco Lopes Novo, e no ano seguinte à "Sociedade da Praia de Vila do Conde". 


11 de Junho de 1886


De referir que já em 1892, e fruto de obras de melhoramentos no café e restaurante Central, propriedade de José Maria de Faria e Tereza de Freitas de Faria, na Praça São João, nascia o "Hotel Central". Em 1893 muda-se para o Largos dos Artistas, na mesma rua. Devido ao incremento do negócio, construiram um novo "Hotel Central" de raíz e de maiores dimensões, na actual rua 5 de Outubro, servida pela linha do Americano, que permitia aceeso à praia de banhos e permitindo, simultâneamente, o rápido acesso de Vila do Conde à Póvoa, quer à Estação de Caminho-de-ferro.


"Hotel Central" na Praça de S. João


5 de Maio de 1892


Na foto anterior pode-se avistar um "Americano", o que me sugeriu publicar o seguinte anúncio publicitário, da empresa sua proprietária ...


25 de Julho de 1920

Quanto ao "Palace-Hotel", propriedade da "Companhia Portugueza de Turismo", dizer que para a sua transformação e renovação a partir do velho "Hotel da Avenida" «foi necessário dispender muita actividade, muita energia, não poupar esforços nem canceiras para se conseguir em 7 mezes, com 400 homens, levar a cabo esta obra, que posso classificar, pelo menos, de importante. (...) O Palace abrirá já na próxima semana, com alojamento para 60 hóspedes que, de resto, só esperam pela abertura do hotel, visto que todos os quartos estão tomados ha muito. (...) o que vê do hotel é simplesmente uma ala, e, quando completo, ficará o Palace com alojamentos confortaveis para 200 hospedes.» entrevista do administrador-delegado da Companhia Adolfo de Castro e Sola ao jornal "O Democratico" de 18 de Julho de 1920.




Etiqueta de bagagem

A "Revista de Turismo" no seu exemplar de 5 de Setembro de 1921, assim o descrevia:

«A entrada faz-se, sob um alpendre, por um pequeno terraço inferior ao andar nobre, dando acesso ao vestíbulo, grande e elegante, onde duas palmeiras, bem tratadas e verdejantes, amenizam o ambiente.
Do fundo, parte uma bem lançada e larga escada, tapetada, que conduz aos andares superiores.
Um bufete, uma montra com tabacos e uma exposição de postaes do sitio e suas belezas, compõem o mobiliario d'esse vestibulo, que é ladeado por duas amplas e iluminadas salas sobriamente mobiladas: a de visitas e em face a de musica e fumo. Esta ultima dá tambem acesso a um enorme salão, cheio de sol e de alegria, onde em uma enorme profusão de pequenas bancas, são servidas as refeições aos hospedes.
Este salão de refeições, não tem possivel comparação em nenhum hotel da província, pela sua vastidão, pela sua comodidade e pela sua esthetica. As paredes são guarnecidas d'um lambris d'azulejo; o seu mobiliario é genuinamente portuguez, em madeira de carvalho do norte, claro, o que lhe dá um tom de suave alegria e de boa satisfação para a alma, o que é indispensavel para quem não come só com a boca.
O serviço de meza é irreprehensivel, tendo para isso um grupo de creados de agradavel porte, solícitos, atenciosos e conhecedores do seu dificil oficio.
Todos os quartos, maiores ou mais pequenos, no rez-do-chão e nos dois andares, são bem arejados e iluminados e mobilados a branco, com conforto, produzindo uma agradavel impressão ao visitante. Todos teem encanamento de agua, fria e quente, e os seus indispensaveis acessorios.
Tem em abundancia bons quartos de banhos egualmente com canalisação de aguas quente e fria, assim como diversos W.C.
Em qualquer dos dois andares superiores, ha uns pequenos 'halls', servidos por luz directa e ladeados de confortaveis
assentos.
Tem uma boa cosinha, provida dos necessarios complementos, como dispensas, copa, garrafeiras, tudo sob o mais rigoroso aceio e completo arranjo.
Ha tambem o escriptorio, sala de engomados e outros arranjos indispensaveis a um completo estabelecimento d'este genero.
Anexo possue uma ampla garage, com compartimentos especiaes para recolha de carros isolados e instalação para chaufeurs.
Logo que este anexo esteja definitivamente acabado, oferecerá as maiores comodidades, pois, além d'um poço central
para reparações na parte inferior dos carros, terá tambem uma pequena oficina destinada a esse fim.
Todo o hotel é iluminado a luz electrica assim como as suas dependencias.»

"Palace-Hotel" e Casino

1 de Julho de 1924

Para completar a descrição e voltando à entrevista do administrador-delegado da Companhia, Adolfo de Castro e Sola ao jornal "O Democratico", de 18 de Julho de 1920...

«A Companhia que represento, diz-nos S. Ex.ª, não se poupando a despezas e esforços, adquiriu por esse facto uma excelente maquina a vapor da força de 30 cavalos. Está assegurada portanto uma iluminação magnifica nos nossos estabelecimentos e essa maquina ainda pode e vae servir para promover a elevação de aguas, prestará serviços á lavandaria e servirá tambem para o aquecimento do hotel. Vendo em nós um ar de interrogação, S. Ex.ª continuou - Aquecimento, sim, porque o Palace ha de estar aberto tambem durante o inverno.»

Falta mencionar que a direcção deste hotel ficou a cargo de José Wissmann, sobrinho do conhecido hoteleiro Conrad Wissmann.


1925


1929

Em 1928 o sr. Zacarias Ventura fazia publicar o seguinte anúncio publicitário no jornal "O Commercio do Porto" de 10 de Junho de 1928 ... Um concorrente bem pertinho !

Ao longo do tempo, o funcionamento do hotel não foi imune a dificuldades de vária ordem, tendo o incêndio ocorrido em 1929, sido um deles. Até ao fim da década de 30 do século XX, o Palace-Hotel terá um funcionamento regular, sofrendo algumas remodelações posteriores e mudando de proprietário. O encerramento do Casino em 1936, tendo-se transferido para a Póvoa do Varzim, levou que o "Palace-Hotel" entrasse em fase de decadência.

E, em 27 de Setembro de 1931, a chegada da prova automobilística "I Circuito Ave", na Avenida de Bento de Freitas junto ao Casino e "Palace-Hotel", e promovida pelo "Automóvel Clube de Portugal".


Já agora fica a informação: A prova viria a ser ganha por Roberto Sameiro, em "Alfa Romeo" 6C 1750, que venceu também a categoria "Sport". Seu irmão Gaspar Sameiro, em "Ford" A 3200, venceu a categoria "Corrida", tendo o "Austin" Seven de Alfredo Marinho ficado com 3º lugar. A respectiva cerimónia de entrega dos prémios teve lugar no Casino.

27 de Setembro de 1931

Na revista "Ultramar" de 1 de Julho de 1934

Contudo, em 1939 conforme anúncio publicitário seguinte, publicado no guia "Hoteis e Pensões de Portugal", o consessionário e gerente era Narciso Garrido Boulhosa. Neste ano eram estes os dados:

  • Telefone nº:      8
  • Categoria:       2ª
  • Quartos:          60
  • 1º Almoço:  3$50
  • Almoço:    14$00
  • Jantar:     15$00
  • Diária:  de 30$00 a 75$00

1939

Encerrou em 1958. Numa última tentativa, em 1959/1960, o hotel que já era propriedade da Companhia de Seguros "A Mundial", voltou  a ser alvo de profundas obras exteriores e interiores tentando dar uma nova vida, adoptando, em definitivo, a designação oficial de "Palácio Hotel". Viria a reabrir no dia 31 de Maio de 1960.


O jornal "Diario de Lisbôa" noticiava:

«Fechado há dois anos, o hotel recebeu radical transformação, ficando com 50 quartos, sendo 35 com casa de banho privativa.
Magnificamente localizado, o hotel dá plena satisfação aos hóspedes mais exigentes.
Na Câmara Municipal efectuou-se uma sessão solene durante a qual foram proclamados cidaddãos honorários da Vila do Conde, os srs. dr. Eduardo Correia de Barros e Julio de Sousa, ambos do conselho de administração de "A Mundial". Proceder-se-á também ao descerramento de uma placa que á antiga Rua 4 dá o nome de "A Mundial". A inauguração oficial do hotel será com a presença dos governadores civis do Porto e Braga, do secretário nacional de Informação e outras individualidades.»



Mas ... foi «sol de pouca dura». Em 1969 encerraria definitivamente as suas portas, que apenas se reabririam esporadicamente para, em 1975 acolher retornados das ex-colónias e, durante alguns anos e no Verão, albergar os participantes da "Feira Nacional de Artesanato". Em 1999 foi vendido à empresa "IGF - Investimentos Imobiliários, S.A." que pretendia construir um audacioso projecto imobiliário e hoteleiro, que nunca se concretizou. Desde aí está ao abandono ...


"Restos mortais" do "Palácio Hotel"

Quanto antigo "Casino De Vila do Conde", depois de ter sido "Colégio S. José", foi adquirido pela Câmara Municipal de Vila do Conde, que ali instalou o "Centro da Juventude", estruturado para ocupação dos tempos livres e desenvolvimento cultural dos mais jovens.

Felizmente, o Casino teve melhor sorte

fotos in:  Hemeroteca Digital de LisboaBiblioteca Nacional Digital, Biblioteca Municipal José Régio, Carioca da Vila

5 comentários:

Valdemar Silva disse...

Post muito interessante, tem tudo e mais alguma coisa.
A Ementa é uma pérola. Feita em 1940, o Chefe deveria saber escrever à francesa como deve ser,
para um Palace-Hotel.
Omelete ao Suoflé e Linguado Frito à Mauniér devia ser Omelete Soufflé e Linguado Frito à Meunière, e simplesmente Entrecôte Vert-Pré
Quem for dono desta Ementa é proprietário de uma joia rara.

Cumpts.
Valdemar Silva

José Leite disse...

Grato pelo seu comentário.
Também achei muito «sui generis» essa ementa ...
Já nos jornais dos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX, achavam-se muitos erros, quer de escrita quer tipográficos.
Cumprimentos
José Leite

fernando_vilarinho disse...

Boa noite
O conteúdo está muito bom. Parabéns.
No entanto, agradecia que colocasse nas fontes as restantes fontes onde também foi buscar as imagens, nomeadamente do fb. Se o facebook não conta para fonte deste grupo, então tb retire as imagens que foi lá buscar.
Faço conteúdos digitais sobre Vila do Conde (wikipedia, websites, blogues, páginas e grupos facebook,etc) há mais de 30 anos, ninguém fez mais do que (nem de perto), e sei a primeira vez onde cada imagem apareceu no formato digital (e com a dimensão fisica que surge aqui - por ex. essas imagens dos cartazes "Praia de Villa do Conde" vai dizer que foi buscar à BN, mas lá as imagens afins são reduzidas, não do tamanho que aqui apresenta, como tal a fonte não é essa. Eu sei nesse caso qual é a fonte e o senhor tb, é minha e tem mais de 12 anos). Aliás na minha opinião cada imagem devia ter a fonte respectiva e não no fim colocar uma frase com as várias.
Os meus cumprimentos e que continue a postar mais assuntos, e se possível não menospreze as páginas e grupos do fb,
Fernando

José Leite disse...

Deste seu comentário, apenas me apraz dizer o seguinte.
Muito agradeço, não só a sua visita, como as amáveis palavras relativas ao meu blog (e não pertencente a um grupo como refere).
Quanto ao poster em questão ele foi retirado, sim (!) da BND há uns anos atrás, que, por distracção deles estava acessível, assim como outros, numa resolução ainda maior. Mais tarde deixaram de estar, como actualmente.
Para as minhas pesquisas, só por vezes recorro ao Facebook e, neste caso não me lembro de me ter cruzado com ele, até porque nem sei qual é. Mas pode estar certo que se utilizo algo do Facebook indico-o no final, como referiu.
Os meus cumprimentos

Vítor Vieira disse...

Que vai acontecer ao edifício, afinal? Estou no Rancho do Monte da Vila a ver os quadros que vieram do Hotel.