Restos de Colecção: Custódio Cardoso Pereira & C.ª - Instrumentos Musicais

8 de novembro de 2018

Custódio Cardoso Pereira & C.ª - Instrumentos Musicais

A origem do fabricante de instrumentos musicais “Custódio Cardoso Pereira & C.ª” está ligada ao aparecimento em Portugal da primeira fábrica de instrumentos musicais, “J.F. Arroyo” (Jose Francisco Arroyo), no Porto em 1 de Setembro de 1860, - futura “Castanheira & C.ª” - e cuja primeira denominação terá sido “Fábrica a Vapor de Pianos e Instrumentos Musicais Custodio Cardoso Pereira & Castanheira”. Poucos anos depois já se designava apenas por “Fabrica a Vapor de Instrumentos de Musica de Custodio Cardoso Pereira & C.ª”.

Loja da “Custódio Cardoso Pereira & C.ª” na Rua do Carmo, no início do século XX

Anúncio em 4 de Novembro de 1863 e excerto do catálogo da”exposição Internacional do Porto” em 1865

 

Anúncio de 25 de Setembro de 1873

21 de Dezembro de 1888

Loja da “Castanheira & C.ª - Sucessores de J.F. Arroyo” na Rua do Almada, no Porto

Com o exemplo que publico de seguida, - retirado da capa de partitura que publico mais abaixo -  as firmas “Castanheira & C.ª” e “Custódio Cardoso Pereira & C.ª” teriam uma ligação estreita, se não com sócios comuns com acordos comerciais em algumas áreas. Inclusivé, a “Custódio Cardoso Pereira & C.ª” ficaria com a loja da Rua de Santo António 105- a 109, como se poderá ler nos anúncios de 1893 e 1896  que publico  mais adiante.

Capa de partitura de 1936

De referir que  a firma “Castanheira & C.ª” chegaria aos nossos dias como “Castanheira & C.ª Sucessor, Lda.”, mantendo a loja inicial na Rua do Almada, 170-174, no Porto, além de outra nesta cidade e outras duas em Aveiro e Lisboa. A designação comercial actual é “Castanheira - Sómusica”.

Entretanto em Lisboa …

O “Novo Guia do Viajante em Lisboa e seus Arredores” de J.J.Bordalo, anunciava em 1863

Para ilustrar os primeiros anos da “Fabrica a Vapor de Instrumentos de Musica de Custodio Cardoso Pereira & C.ª”, vou transcrever um artigo editorial do “Jornal do Commercio”, de Lisboa, datado de 18 de Janeiro de 1898:

«E verdadeiramente impressiva e eloquoente, como documento humano, a historia da implantação, em Portugal, da industria do fabrico de instrumentos de sôpro e do seu fundador, o sr. Custodio Cardoso Pereira.
Sem recursos pecuniarios, desconhecendo a lingua franceza, sem educação profissional e apenas com tres annos de aprendizagem numa modesta officina de latoeiro da cidade do Porto, onde se fabricavam apenas os antigos e rudimentares serpentões, carecido de todos os amparos na lucta que intentava, e demais pensionado com a familia que creara, o sr. Cardoso Pereira, rompendo com todos os obstaculos, partiu em 1860 para Paris, e apoz muitas e grandes difficuldades, conseguiu entrar como operario, sucessivamente, nas reputadas fabricas d'instrumentos musicos de F. Besson, Adolpho Sax e Gautrotaine.
Intelligente, perspicaz e trabalhador, logrou dentro de curto periodo conquistar os difficeis segredos da fabicação dos modernos instrumentos de sôpro, e julgando-se sufficientemente armado com os conhecimentos laboriosamente adquiridos, regressou a Portugal deliberado a montar no Porto uma officina, cujos productos pudessem rivalizar com os similares parisienses. A empresa que ingenuamente julgara facil defrontou-se todavia cortada de obstaculos e difficuldades. Durante largos annos teve de luctar indefesa, mas baldadamente, contra o preconceito amtipatriotico attribuindo aos extrangeiros qualidades decisivamente superiores às dos instrumentos que fabricava.
Chegou-lhe a hora do triumpho, a hora triumphal que chega sempre para quem põe no exito de uma empresa todos os seus esforços, toda a sua intelligencia e trabalho.
Tendo sido posto a concurso em 1866, pelo ministerio da guerra o fornecimento de instrumentos de musica para o exercito, o sr. Cardoso Pereira requereu e conseguiu, que se ocultasse o nome dos concorrentes; que nas amostras de typos submettidas ao exame do jury de apreciação, se cobrissem antecipadamente as indicações da procedencia afim do veredictum não ser influenciado por quaesquer suggestões ou preconceitos.
O triumpho foi decisivo e alevantadamente honroso o premio recebido pelo audaz e intelligente trabalhador.
De vinte especies de instrumentos que deveriam servir de padrão para futuros fornecimentus, dezoito - note-se bem - foram escolhidos entre os fabricados na officina do sr. Cardoso Pereira, apezar de entrarem no concurso diversos fabricantes extrangeiros. E desde então, sempre e ininterrompidamente, lhe teem sido adjudicados em licitação publica annual os fornecimentos para o exercito.


Sorrindo-lhe a fortuna, transformou radicalmente a sua modesta officina, levantando uma fabrica de grandes proporções, movida a vapor e servida por 80 operarios, todos portuguezes, incluindo o proprio contra-mestre, e illuminada a luz electrica pelo dynamo especial empregado na galvanoplastia, sendo a maxima parte das machinas, apparelhos e ferramentas construída sobre a direcção do sr. Cardos Pereira, pelos seus proprios operarios. E tal importancia e perfeição attingiu o fabrico, que é hoje quasi nulla a importação de instrumentos de metal. Lá fóra não se fabricam melhores nem mais baratos, e tanto assim é, que o sr. Cardoso Pereira se honra, além de outras, com as medalhas d'ouro e de prata conferidas na exposição de Paris e de Antuerpia, celebradas em 1889 e 1894.

Referências `casa “Custodio Cardoso Pereira & C.ª” no “Annuaire des artistes et de l’enseignement dramatique et musical”

                                             1893                                                                                         1896

 

E não contente com tão rasgada iniciativa, montou ainda uma fabrica de pianos, na qual emprega, tanto quanto possivel, materiais do paiz, e em cujo desenvolvimento se empenha com a sua excepcional energia; fornecendo ainda á industria de chapeus de chuva peças diversas que até agora se importavam; e favorecendo a agricultura com os pulverizadores, torpilhas e lanças usadas no tratamento do mildiw, dos quaes só em 1895 vendeu 1:400 por preço inferior e de construcção mais solida do que os extrangeiros.
E apezar de conceder aos seus operarios participação de 5% do valor illiquido da produção, do valor illiquido, note-se bem, e de partilharem os lucros apurados o contra-mestre da fabrica, e ainda tres empregados, apesar d'esta organização rasgadamente socialista, o modesto e simples artifice que montara ha trinta annos, no seu regresso de Paris, uma humilde officina ma qual empregara todos os seus recursos, - pouco mais de um conto de reis - inscreve hoje centuplicada no seu activo essa somma.»

Entretanto, o sócio fundador da “Fabrica a Vapor de Instrumentos de Musica de Custodio Cardoso Pereira & C.ª”, Custódio Cardoso Pereira, fixou-se em Lisboa, onde abriu a primeira loja de instrumentos musicais, em 26 de Fevereiro de 1887 com o nome “Custódio Cardoso Pereira & C.ª”. Esta loja aqui se manteria até à sua destruição pelo grande incêndio na Baixa Lisboeta em 25 de Agosto de 1988. Custódio Cardoso Pereira viria a falecer em 1 de Agosto de 1903.

26 de Fevereiro de 1887

                                          4 de Março de 1893                                                                  5 de Maio de 1896

 

“´Custodio Cardos Pereira & C.ª”, à esquerda na foto, ao lado do toldo

«Outro triumpho ainda, e este para um homem de sentimentos delicados, superior a todos, alcançou o sr. Cardoso Pereira.
Um genro do chefe da casa Gantrot Ainé, talvez a mais acreditada fabrica franceza de instrumentos de metal, e um filho do seu contra-mestre vieram propositadamente a Portugal estudar na officina do sr. Cardoso Pereira vários aperfeiçoamentos introduzidos por elle na fabricação dos mesmos instrumentos e demorando-se com esse fim longos mezes no Porto para conhecerem cabalmente dos segredos que o seu antigo operario generosa e gratamente lhes patenteou.
E, relatados simplesmente estes factos, não lhes fazemos commentarios porque a sua indiscutivel eloquencia dispensa-os totalmente.»
final do texto anterior transcrito do “Jornal do Commercio” de Lisboa.

1909

1927

Capa de partitura de música de 1933

“Custódio Cardoso Pereira & C.ª”, ao lado da “Perfumaria da Moda

 

“Custódio Cardoso Pereira & C.ª” à esquerda nas duas fotos dos anos 60 do século XX

 

Era uma loja de música e empresa de distribuição e representação de instrumentos musicais e de equipamento áudio e vídeo. Desempenhou um papel fundamental ao longo do século XX no fornecimento de instrumentos musicais a várias instituições de ensino, estudantes e músicos amadores, agrupamentos musicais (bandas filarmónicas ou militares, ranchos folclóricos, conjuntos, tunas, etc.), espaços de lazer (restaurantes, discotecas, hóteis, casinos, etc.). Forneceu também material associado à produção musical, desde acessórios para os instrumentos, como palhetas, peles, e cordas a equipamento de concerto e de estúdio, como amplificadores, colunas, microfones, mesas de mistura, emuladores, etc.

     

Quanto à “Fabrica a Vapor de Instrumentos de Musica de Custodio Cardos Pereira & C.ª”, e à casa “Castanheira & C.ª”, no Porto, ambas eram geridas por Marques Teixeira, já no século XX. Com a sua morte em 1969 a “Custódio Cardoso Pereira & C.ª” foi herdada pelo seu genro Miguel Almeida Mendes, enquanto a “Castanheira & C.ª” foi comprada por Américo Nogueira.

28 de Outubro de 1959

                         16 de Outubro de 1960                                                        24 de Dezembro de 1960

  

A partir de 2 de Dezembro de 1979 a já “Custódio Cardos Pereira & Companhia, Lda.” passa a contar com uma segunda loja no Largo do Chiado,20 inaugurada a 2 de Dezembro de 1980, e permaneceria em actividade até finais de 1999, ano em que a “Custódio Cardos Pereira & Companhia, Lda.” foi adquirida pela “Valentim de Carvalho Electrónica, S.A.”, tendo o seu conteúdo sido transferido para a loja desta empresa no “Centro Comercial do Chiado”, onde se manteve até 2002. A estas juntou-se acrescente-se a loja do Cascais Shopping, inaugurada em Maio de 1989 e encerrada no final da década de 90 do século XX. Com o encerramento da loja da “Valentim de Carvalho, S.A.” no Chiado em 2002, a “Custódio Cardoso Pereira & C.ª, S.A.” esta deixou de ter qualquer loja de venda ao público, dedicando-se exclusivamente à revenda.

Loja da “Custódio Cardoso Pereira & C.ª, Lda.” no largo do Chiado e que veio ocupar a loja da antiga joalharia “Leitão & Irmão”, tendo mantido a sua decoração exterior e interior. Ao seu lado direito a loja da “Vista Alegre

 

Em 2002 a empresa foi comprada pelo grupo “Vadeca”, e foi desde 2003 membro do grupo JRB, passando a representar também as marcas que eram pertença da “Valentim de Carvalho Electrónica, S.A.”. Em 23 de Junho de 2004, passa a Sociedade Anónima, com a designação de “Custódio Cardoso Pereira & Companhia, S.A.”, com sede social na Urbanização Industrial entre Trajouce-Abóboda, lote 17-A, freguesia de São Domingos de Rana, concelho de Cascais. As suas últimas instalações localizaram-se na Rua do Proletariado 15, em Carnaxide, até á sua insolvência, liquidação e dissolução em 2015.

Quanto à loja  da “Custódio Cardoso Pereira & Companhia, S.A.” do Chiado, foi adquirida pela “Vista Alegre”, que já estava instalada noutra ao lado, desde os anos 40 do século XX. Como esta nova loja aproveitou o mobiliário deixado, pela anterior (que por sua vez tinha aproveitado o legado da “Joalharia Leitão & Irmão”) aqui ficam umas fotos para se ter uma ideia do rico mobiliário e madeiras que decorava a “Custódio Cardoso Pereira & Companhia, S.A.” .

 

fotos in: Hemeroteca Municipal de LisboaArquivo Municipal de Lisboa, Porto de Antanho, Biblioteca Municipal de Alpiarça, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional de Portugal

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