Restos de Colecção: Cinema Olympia

19 de outubro de 2014

Cinema Olympia

O Salão “Olympia”, foi inaugurado a 22 de Abril de 1911, na Rua dos Condes, em Lisboa. Propriedade da “Empreza do Olympia, Limitada” de Leopoldo e Henrique O'Donell, Júlio Petra Viana e Victor Alves da Cunha Rosa, - os mesmos que viriam a fundar o Salão Lisboa”, e inaugurado em 20 de Novembro de 1915 - o Salão “Olympia”  tinha cabina de projecção de filmes isolada da sala de espectáculos, salões para concertos, gabinete de leitura e restaurante, tornando «esta casa de espectáculos como a primeira da capital.»

Leopoldo O' Donnell, filho de irlandeses que se fixaram em Portugal, nascera em Lisboa, a 4 de Abril de 1870, e fora chefe de repartição da “Real Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses”. Era um homem culto, que mantinha uma forte amizade com Sabino Correia, empresário do "Chiado Terrasse", uma das grandes salas de Lisboa, situada na Rua António Maria Cardoso. Por outro lado, Victor Alves da Cunha Rosa era, para além de sócio de Henrique O'Donell no Salão Lisboa”, seu amigo e colega na “Companhia de Tabacos”, sedeada ali bem perto, no começo da Avenida da Liberdade.

Arrisco a dizer que, a foto anterior poderá ter sido efectuada pelo fotógrafo em acção na foto seguinte, na Rua dos Condes, do lado da “Drogaria Ferreira”, fundada em 1755, e que depois de ser demolida daria lugar ao cinema Odéon inaugurado em 21 de Setembro de 1927.

Assim, os dois amigos, associados a Júlio Petra Viana, e também durante algum tempo a Henrique O' Donnell e Victor Alves da Cunha Rosa, formaram a “Empreza do Olympia, Limitada”, para a construção e a exploração do novo Salão “Olympia”. Mais tarde, por volta de 1912, Sabino Correia, «este homem modesto, simpático no trato, excelente administrador, conhecedor como poucos do negócio da exibição, até pela sua prática de muitos e muitos anos», deixou a direcção do "Chiado Terrasse",  e passou a exercer as funções de director-gerente do “Olympia”, «cargo que manteria até quase ao desaparecimento de Leopoldo O'Donnell, de quem foi como que o seu "alter-ego" em todos os negócios de exploração cinematográfica a que aquele esteve ligado ao longo de tão extensa e importante actividade.» citações de M. Félix Ribeiro.

Victor Alves da Cunha Rosa

                   Leopoldo O’Donnell                             Henrique O’Donnell                                 Sabino Correia             

       

Notícia do “Olympia” e lista de Theatros e Animatographos no jornal “Vanguarda” de 5 de Maio de 1911

Nota: Para história dos animatographos em Portugal consultar neste blog o seguinte link: Cinematógrafos e Animatógrafos

No jornal “A Capital” em 6 de Outubro de 1913

1918

1919

 

Convite para senhora

O “Olympia” tratava-se de uma sala elegante, destinada a acolher sobretudo a burguesia que procurava a zona dos Restauradores e Avenida para suas distracções. Nos primeiros anos, funcionou também como teatro. No andar superior funcionava o “Cabaret Olympia”, que, depois de renomeado “Olimpia Club”, deu lugar à “Casa de Moçambique”.

1930

1942

1961

A partir de 1914 ano em que o Teatro Politeama(inaugurado a 6 de Dezembro de 1913), na Rua das Portas de Santo Antão, começou com a exibição de filmes, a programação cinematográfica do “Olympia”, a partir de então, ficou quase sempre ligada ao mesmo, contíguo (pelas traseiras), existindo mesmo uma ligação interior entre os dois edifícios. Foi nestas duas salas que Lisboa viu os filmes de uma tríade de musas italianas apelidadas por António Ferro (futuro director do “SPN - Secretariado de Propaganda Nacional”) de as «grandes trágicas do silêncio»: Francesca Bertini, Lydia Borelli e Pina Menichelli. Deusas mudas da nova arte das plateias, celebrizariam  o animatógrafo que viria a ser rapidamente o grande rival do teatro. Entre 1915 e 1920, milhares de espectadores formaram filas intermináveis nas bilheteiras do “Olympia” e do “Teatro Politeama” para verem as «suas» estrelas. O espectáculo do animatographo em Lisboa tinha nascido no Real Colyseu de Lisboa na Rua da Palma, em 18 de Junho de 1896, mas foi entre a Rua das Portas de Santo Antão e a Rua dos Condes que os lisboetas veneraram as primeiras divas.

Anúncio no jornal “Folha de Lisboa”, em 1916

Teatro Politeama” em acabamentos em 1913, e a esquina com a Rua dos Condes

“Real Colyseu de Lisboa” na Rua da Palma onde foi apresentada a primeira sessão de animatographo

 

O “Olympia”, com uma programação dedicada às cinematografias francesa e dinamarquesa, atraía multidões. Foi também palco de interesse para os intelectuais lisboetas que ali assistiam a matinés teatrais. Entre 1917 e 1918, a programação desta sala dividia-se do seguinte modo: às segundas e quartas para matinés infantis, um verdadeiro oásis para os espectadores mais pequenos com os quais, antes, ninguém contara e com programas apropriados tanto de écran como musical; quintas, sábados e domingos para os grandes filmes; às terças e sextas, decorriam as matinées de arte.

Interior do “Olympia” em 22 de Abril de 1913 por ocasião da comemoração do 2º aniversário, com a presença do cônsul do Brasil e família, já que a festa foi dedicada à comunidade brasileira

 

1913

Palco por ocasiaõ de um comício de Norton de Matos em 1948


Artigo na “Cine-Revista” em 15 de Janeiro de 1918

      

Recordo que do outro lado da Rua dos Condes se encontrava o Theatro da Rua dos Condes”, inaugurado a 23 de Dezembro de 1888, e que a partir de 1915 se torna, também, em animatógrafo passando definitivamente aCinema Condes em 1916, pelas mãos de José Martins Castello Lopes. Ao lado do “Cinema Condes”, e na mesma rua seria inaugurado em 21 de Setembro de 1927 o cinema “Odéon”.

Cinema “Odéon” ao lado do Cinema Condes, na Rua dos Condes

Voltando ao “Olympia”, de referir que a par da qualidade da sua programação, tinha fama  a sua orquestra privativa, um sexteto musical que acompanhava os filmes mudos. Os músicos exibiam-se também durante os intervalos, com verdadeiros concertos.

Sexteto do “Olympia” em 22 de Abril de 1913

 

1924

«A importância que o Olympia viria a assumir no quadro do espectáculo cinematográfico da Lisboa de então é das mais significativas, facto digno de destaque, por bem merecido. Sobretudo essa relevância torna-se francamente notória a partir de 1916 pelo dinamismo imprimido à sua exploração através das mais variadas e interessantes iniciativas em que o aspecto cultural, para além do critério meramente cinematográfico, embora por vezes, dele consequência directa, se apresentava, como dissemos, de significado muito especial, o que não se observava nas salas então suas concorrentes.» citações de M. Félix Ribeiro

Referem-se várias iniciativas, então inéditas em Portugal, e que demonstram um profundo conhecimento de algumas das regras básicas da publicidade e do "marketing" ("avant la lettre"). Por exemplo, a criação de "matinées" infantis, "um verdadeiro oásis para os espectadores mais pequenos com os quais, antes, ninguém contara e com «programas apropriados tanto de écran como musical», como acentuava a propósito um prospecto. Ou então os sorteios de brindes entre o seu público. Com a compra do bilhete, o espectador recebia uma senha que lhe dava direito a participar num sorteio mensal, em que os brindes mais diversos eram sorteados. Em Junho de 1917, um burro era o "brinde" a sortear, um burrico de carne e osso que se «passeou por Lisboa, reclamando o acontecimento!...»

10º Aniversário em 1921 no jornal “A Folha de Lisboa”

                       Publicidade ao “Olympia” no Carnaval de 1922                                    1 de Junho de 1924

    

Nos anos 50 e 60 dp século XX, o “Olympia” era um cinema essencialmente popular, com "peplums" italianos, "westerns" americanos, filmes de terror e fantásticos, de variada origem, policiais e "thrillers" para todos os gostos. Acontece que muito do cinema norte-americano de série B por lá se viu. Nomes como Alan Dwan, Samuel Fuller, Raoul Walsh, Mario Bava, William Castle, Roger Corman e tantos outros, ali passaram.

Planta e preçário de 1953

Programa de Maio de 1956


O programa de cada sessão era sempre constituído por dois filmes - a chamada "sessão dupla" -, e havia o hábito das sessões contínuas. O espectador podia entrar e sair quando quisesse, não havendo por isso lugares marcados. Não havia em teoria, porque na prática o público se encarregava de os "marcar" à sua maneira, quando saía para os intervalos, deixando um lenço amarrado às costas da sua cadeira, para assim ter a certeza de vir a encontrar o seu lugar disponível, quando do regresso do cigarrinho da praxe e do café bebido ao balcão de um bar que existia no "hall" do rés-do-chão.

                                         1960                                                                                        1966

 

O “Olimpia”, com a sua sua sala de espectáculos com capacidade para 539 espectadores, foi um espaço consagrado ao cinema nacional, tendo também sido utilizado para peças de teatro e conferências. Após o 25 de Abril de 1974 entrou na onda da exibição de filmes pornográficos. Acabaria por encerrar e ser definitivamente abandonado, em 2001.

A “Empresa do Olympia, Lda”, em 2001 constituída por seis sócios, entre os quais dois sócios gerentes, José Reis e Emília Reis, mantém o aluguer do imóvel, pertença dos herdeiros de Luís António Pereira. José Reis, que se encontra no “Olympia” há mais de trinta anos, começou por ser um dos empregados desta sala, passando a sócio em 1984. Explica a transformação da programação do cinema com as dificuldades encontradas em manter uma selecção de filmes populares, dentro do género de aventuras, como acontecia antes de 1974. Depois de alguns anos de uma certa prosperidade (mais de quinze ou vinte anos rendeu bem o filme pornográfico), também aqui a crise se instalou: «Hoje, com o vídeo e os canais de televisão a fazerem forte concorrência, os cinemas que se dedicam a este tipo de filmes estão definitivamente em crise, aguardando a morte anunciada. Perdemos mais de oitenta por cento do nosso público habitual. O que a bilheteira rende, dá apenas para pagar as despesas, e pouco mais.»

Bilhete de 15 de Agosto de 1977

gentilmente cedido por Carlos Caria

O encenador Filipe La Féria, em 2002 afirmava: «o Olímpia serve para prolongar o Politeama. Estão inseridos no mesmo prédio e separados, unicamente, por uma porta que está fechada. Antigamente, o Olímpia era um animatógrafo, uma pequena sala de projecção do Politeama. São dos mesmos donos, que não têm dinheiro para investir. Mas o cinema está num tal estado que só vale pelo terreno.» Pensou e … comprou o “Olimpia” em 2008. O projecto de reabilitação engloba para além da sala de espectáculos renovada e com nova tecnologia de som e luzes, também uma escola de artes cénicas.

Na cidade do Porto seria inaugurado, em 18 de Maio de 1912  uma sala de cinema com o mesmo nome, Olympia” Kinema Teatro, na Rua Passos Manuel. Foi mandado construir por Henrique Alegria, um dos fundadores da Invicta Film.  Acerca deste cinema e da produtora de filmes portuense, publicarei em breve dois artigos acerca dos mesmos.

 

Fotos in: Arquivo Municipal de LisboaBiblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional Digital, Publisite, Cinema aos Copos

2 comentários:

Anónimo disse...

Orson Welles e Luis Buñuel série B?! É a primeira vez que discordo deste seu fantástico blogue. Ou percebi mal? ...

José Leite disse...

Não percebeu mal ... eu é que escrevi mal.

Grato pela chamada de atenção.

Cumprimentos